quinta-feira, 30 de março de 2017

No restaurante: ops!

Pizzaria. Mãe e filho num reencontro memorável. A saudade é muita. Assuntos mil, silêncio entrecortando recordações jamais perdidas no tempo. Pedido: pizza meio a meio, cervejinha preta, refrigerante (guaraná x Coca, estranha dobradinha). Pra mãe, tanto faz, importa é o momento único ansiosamente esperado. No papo sai de tudo. Artes da infância lá trás. O filhote de morcego cuidado como passarinho e levado à escola às escondidas... “Não se lembra, mãe?” Mãe, essa palavra nunca soou tão doce. Do morcego e da preocupação com a transmissão da raiva a mãe lembra muito bem. Do lance da escola, não. E logo desenterram a santista Zi Teresa, cantina de vida longa, famosa, que cerrou as portas neste século. Quantos lances a reviver dali! Um deles – sem que os pais vissem, o filho caçula bebeu uma golada de chope, passou mal, se melecou todo, foi levado pra casa, para ser trocado. O nhoque, prato predileto aos domingos, ficou esquecido à mesa, até que o menino, carinha inocente, retornou com o pai. Almoço inesquecível esse! As horas voam. É preciso aterrissar no aqui e agora. Sobra da pizza arrumada para viagem, conta paga. “Olhe aí seus óculos, o celular (mãe é mãe até debaixo d’água!).” Levantam-se, conferem a mesa. Bengala a postos. Vão saindo: a mãe, o filho amado, com tudo nos bolsos, mas, ops! , com o copo de guaraná x Coca na mão... É, o rebuliço provocado por recuerdos deixa qualquer cuca fora do ar. Mistureba de emoções e ato falho são amigos íntimos, concordam? MIAP 30/3/17

quarta-feira, 8 de março de 2017

Obrigada, gari

Obrigada, gari Dia Internacional da Mulher. Mil ideias na cuca, pouca vontade de pôr alguma em prática. Indolente, faço um telefonema postergado há dias. Depois outro que me seria muito prazeroso. Nada de resposta. Então continuo no silêncio, só quebrado pelo rádio, companheiro fiel desde sempre. Manhã de sol inclemente. A ordem é tomá-lo. Olha a vitamina D, hein! Pego o jornal, único empurrão para encarar a varanda com verdes que me encantam: renda portuguesa linda, hibisco exuberante, antúrio com folhas novas, flor de maio sinalizando as maravilhas que vêm por aí logo mais. Folheio o jornal. Pulo tudo quanto é tema político, exceto um – a tornozeleira eletrônica de um dos presos da Lava Jato anda pintando o sete, fica sem bateria por horas. O preso é acusado de omisso, já que se compromete a carregá-la diariamente. Leio aqui e ali sobre o nosso dia/todo dia. E mais a morte estúpida do menino de 13 anos cheio de sonhos que vivia a pedir nos semáforos. Hora da coleta do lixo. O menino estampado no jornal, só que um pouco mais velho, personificado de gari, me interrompe: _ Oi, tia, pode me arrumar um pouco de água gelada? Converso com minha bengala: “Podemos?” Rapidinho ela me responde: “Se estamos pelando aqui, imagina esse coitado!” _ Sim, posso, moço. Só que vai demorar um pouquinho. E aponto a bengala. _ Não faz mal, tia. Eu espero. Com vagar, chego à geladeira, pego a garrafa descartável geladíssima, volto à varanda caliente. Terá ido embora o gari? Não, está à espera da água, sentado à sombra do meu flamboyant. Vendo-me, levanta-se rápido, pega a garrafa: _ Tia, muito obrigado! Deus a abençoe. E desculpe por interromper sua leitura! Que muitas bênçãos caiam sobre esse menino gari. Que seus sonhos se realizem. Obrigada a ele por me dar a oportunidade de lembrar que o mundo não gira somente em torno de nós e nossas mazelas. Que milhares de meninos anônimos são os verdadeiros heróis deste mundinho onde a disputa por uma condição social decente é brava. Miap Março/17