quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Bengala também dança

Bengala também dança Domingo chuvoso. Levanto cedo, tomo meu café saudável, enquanto assisto, na TV, à missa na Aparecida. Depois ponho música no PC, dou uma espiada nos e-mails, seleciono um que fala dos Anos de Podridão, substitutos dos Anos de Repressão. Respondo ao remetente, um doutor culto, bom de rabiscos, que se tornou meu contato após carta minha publicada no painel do leitor da Folha. Coisas da vida. Lavo louça, ajeito o quarto. Miro bem o andador, agora transformado em porta-roupa. Vestir a mesmice da véspera? Não! Do escritório a música se espalha pela casa. Vontade de dançar... No armário, escolho conjunto de calça e blusa de seda. Visto sapatos de saltinho que já têm quilômetros rodados, inclusive em salões de baile. Maquio os olhos, passo perfume. Arrumo-me toda, como se fosse encontrar o príncipe encantado. Pra quem não sabe, esse sonho de príncipe não tem idade. Adentro o escritório, bengala em punho. Ensaio uns passos tímidos. Animo-me. Sai um samba. “A vida tem que continuar”, diz a letra. Então danço mais um pouco, descobrindo que a bengala é ótimo cavalheiro. Pronto, fiz meu bailinho particular... Chove ainda. Descubro, meio tarde, que se pode fazer de salão qualquer coisa. “Danúbio Azul” embala meus dedos, agora não mais segurando a bengala, mas no teclado do PC. Rabisco e danço tango, fox, bolero, swing, gravação bem selecionada por bom entendedor de música, um amigo que já se foi, mas deixou por aqui suas marcas... Que bom sentir a criatividade ressurgir do nada. Ou melhor, do tamborilar da chuva lá fora. Embora seja domingo, dia de solidão para muitos, não estou só. Graças à bengala, por sinal bem feinha no seu traje metalizado com adereços pretos. minesprado@gmail.con Nov/16 Extra News - 30/11/16