sexta-feira, 2 de setembro de 2016
Script para Sherlock Holmes
Dia lindo, céu azul promissor. Ela quer ampliar o jardinzinho com roseiras. Já tem roseiras rosas, mas agora prepara outras variedades. Roseiras requerem pouco cuidado, tanto que ela, quando viaja, deixa-as ao deus-dará. Vez ou outra, ressecam um pouco, mas logo se reavivam, sempre a enfeitar suas manhãs. Seu primeiro bom dia é para elas, Se há alguma no ponto, com dor no coração, colhe-a para alegrar Nossa Senhora Aparecida num cantinho do seu quarto. Suas rosas duram até quinze dias no vaso, sem perderem o perfume.
Mune-se de pá etc., cava a terra, faz pequenos buracos, brigando um pouco com o resto de entulho deixado pelos pedreiros. Vai à cozinha, serra duas pets, para formar redomas, proteção para as pequeninas mudas. Pensa em deixar que a diarista prendada termine o plantio, mas desiste – é do tipo que começa e termina o que faz. Pega tudo, inclusive um facão para aprofundar os buracos. Sai para a área de serviço e, dali para o quintal. Ou melhor..., quase para o quintal, pois um violento tropeção a joga contra o muro do quintal. A parafernália voa longe – garrafas, mudas, facão. O estrondo mostra que algo se partiu. Sente a perna esquerda mole, igual à de boneca de pano. Pronto! Já conclui o por. Arranja fôlego para gritar a diarista, embora note que suas forças balancem. Desmaiar jamais! A diarista chega alarmada. Em dueto principia-se uma reza a céu aberto. As duas imploram para que as forças não lhes faltem, que mantenham a calma e façam o que é preciso fazer – buscar socorro. A boa moça auxilia a doutora, como gosta de chamá-la, a controlar a respiração, até que a cor lhe volte à face. Então chama o 192.
Os bombeiros chegam com rapidez e, eficientes, prestam os primeiros socorros, imobilizando a doutora na maca, onde será transportada para o hospital. A grande emoção fica por conta de estar ali presente um rapagão que a vítima vira crescer. Ah, quanta segurança lhe transmitem as belas contas azuis a mirá-la, compassivas, preocupadas, indagando das dores, acalmando. O garotinho que fora seu vizinho nos anos oitenta é, agora, o rapagão que vem acudi-la, com presteza e responsabilidade. E lá vai ela, toda quebrada, pro hospital, cabeça a mil, gastando os últimos esforços na orientação das providências a serem tomadas por quem a socorre, junto com os bombeiros.
A via sacra é previsível, Serão meses de recuperação, muita humilhação, doses de paciência e persistência,
O que até agora assombra e deixa bom script para algum Sherlock Holmes de plantão é: se o facão que a doutora segurava tivesse mudado de rumo, ao invés de voar longe, o que poderia ter acontecido? Uma barriga furada não viveria para contar a história. Muro não fala. A moça que primeiro socorreu a doutora seria, de imediato, presa como suspeita de tentativa de homicídio ou coisa assim. Quem desfaria esse nó, já que estavam ambas absolutamente sós?
minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br Agosto/16
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