sexta-feira, 24 de junho de 2016
PAGU
PAGU
Ontem como hoje, quem é diferente da maioria é estranho. Houve época em que a atitude de estranhar o diferente foi denominada de normose, isto é, apontar o dedo para quem não age como a maioria, veste-se fora da moda, anda quase sempre sozinho, lê muito, pouco frequenta lugares em que seus pares “moram” (shoppings, barzinhos etc.).
Pois ouso dizer que a sanjoanense Patrícia Rehder Galvão _ Pagu, mulher plural, foi alvo de muitos julgamentos vida afora. Seu maior pecado talvez tenha sido a autenticidade, o assumir-se, o arrojar-se, no sentido de plena realização pessoal sob todos os prismas, seja como mulher, seja como cidadã.
Como mulher, Patrícia sobressaia-se da maioria, pois, além de beleza exuberante, era extravagante para o gosto da época. Assim, as mentes estreitas a criticavam pelos cabelos revoltos, pela boca vermelha segurando o cigarro, por curtir a dança, a bebida, por amar demais e intensamente. Na verdade, muita mulher gostaria de ser uma Pagu e muito homem gostaria de tê-la conquistado.
Mas também se destacava da maioria, por se interessar pela condição dos desamparados, explorados, o que a levava a altos voos, sem temer as consequências. Idealista, combativa, viveu em eterna dicotomia: ser boa mãe e esposa e ser jornalista, militante política, imiscuindo-se onde nenhuma mulher ousaria meter o nariz.
Patrícia Rehder Galvão nasceu em 9 de junho de 1910, nesta terrinha, mas bem poderia ter nascido na Capital, onde a família foi residir quando ela era pequenina. Ali a menina rebelde cresceria, estudaria e, moçoila ainda, transitaria em meio às artes, à política e aos intelectuais nem sempre tão cavalheiros como seria de se esperar. Pagu enredou-se num mundo peculiar, desconhecendo limites, em sacrifício da vida privada e do convívio “normal” imposto pela sociedade dominante. Além de mulher plural, era mulher dividida, com sede de “espiar para além do muro...”.
Patrícia, inquieta, inconformada, deixou rastros pelo Brasil afora, notadamente Rio e São Paulo, mas ultrapassou fronteiras: esteve na União Soviética, na China, na França, cruzou os mares do mundo e da vida. Mas os mares santistas foram seu maior bálsamo, tanto que os inseriu em prosa e verso na sua produção literária. Como jornalista, deixou pinceladas em vários periódicos, alguns de duração efêmera, porém foi em A Tribuna, jornal santista, que investiu seu melhor e em que publicou seus últimos rabiscos.
Pagu viveu período áureo em Santos, onde faleceu em 12 de dezembro de 1962, sendo enterrada no jazigo 67 do Cemitério da Filosofia (o popular Saboó). Na terra que também é meu berço, Patrícia é estudada nas escolas e, ouso dizer, é reverenciada ad aeternum, por sua profunda influência na vida cultural santista, como grande incentivadora do teatro amador, sendo o irreverente Plinio Marcos sua cria notória. Para não dizer mais, em Santos, o Teatro Municipal Brás Cubas e outros estão reunidos no Centro Cultural Patrícia Galvão. A cadeia em que Pagu ficou presa tornou-se, também, patrimônio histórico, sede da Oficina Cultural Pagu de 1994 a 2012.
Em São Paulo, encontra-se o Instituto Patrícia Galvão, que atua em relação aos direitos das mulheres; também na capital, a EMEI Patrícia Galvão; em Guarulhos – SP, existe a EPG Patrícia Galvão – PAGU; em Campinas, o Núcleo de Estudos de Gênero PAGU – Unicamp; em São Gonçalo, RJ., o CIEP 410 Patrícia Galvão. Em São João da Boa Vista, apenas o modestíssimo Centro Cultural Pagu, na rua Benedito Araújo, além de alguns estudiosos da musa. Nada mais.
“Parque Industrial” – de 1933, por Mara Lobo, um dos pseudônimos de Patrícia Galvão, traduzido para o inglês pelo professor de literatura em NY, David Jackson, e por este exaltado (1994), é a primeira criação modernista a retratar o proletariado paulista e a desigualdade. Financiada por escritor Oswald de Andrade, primeiro marido de Pagu,é sempre atual, tanto que adotada por professores de literatura latino-americana, como a chilena Lina Meurane, professora na Universidade de Nova York, participante do Festival da Pauliceia Literária (“Mulheres”, Juliana Gomes, Nov./15).
“A Famosa Revista”, de 1945, feita a quatro mãos, por Patrícia e Geraldo Ferraz, seu segundo marido, projeta nos protagonistas Rosa e Mosci a ideia de que “a política não pode ser o desejo de qualquer beneficio material, mas a beleza do gesto, a grandeza do sacrifício em prol de um objetivo transcendente.” (da introdução por Sergio Milliet).
Frequentemente Pagu é citada por colunistas da imprensa brasileira. A cada menção a ela, vem-me certa tristeza por ela ser tão pouco divulgada em São João da Boa Vista. Quando ocupei a cadeira 36 da ALSJBV, esforcei-me por trazer Pagu até nossos dias. Em 2010, centenário de PAGU, tive a felicidade de estar na Casa das Rosas, na Pauliceia, durante o lançamento de “Viva Pagu”, belo trabalho de Lúcia Maria Teixeira Furlani, estudiosa da jornalista, em coautoria com o filho de Pagu, Geraldo Galvão Ferraz. Que privilégio conhecê-lo em São Paulo e, meses depois, partilhar o palco do nosso teatro com ele, durante a gravação da série EPTV “Pagu, da Serra ao Mar”, título que sugeri, pois Pagu foi da Mantiqueira aos mares santistas. De quebra, jantar no Casarão, onde falamos de tudo, exceto de Pagu, cujos olhos Geraldo (1941/2013) herdou.
Em duas oportunidades manifestei-me, na Gazeta de São João e em outros periódicos, sobre a possibilidade de Patricia Rehder Galvão ser estudada nas escolas daqui, assim como acontece em Santos, e também de ela ter um cantinho no Theatro Municipal (vide “Pérola Centenária”,de minha autoria, em homenagem ao centenário do Theatro). Será que, por eu ser uma ilustre desconhecida, tais ideias não mereceram a atenção dos conterrâneos de Pagu? Paciência. “Santo de casa não faz milagre.” , certo?
Nos grandes centros e no exterior, aquela que fez a diferença vive para sempre. Aqui, sigo-a por razões que só Deus e eu sabemos. Patrícia Rehder Galvão – Pagu, no seu 106º aniversário (9/6/2016), inspire-nos aí dos Altos.
M. Inês de Araújo Prado
Junho/2016
minesprado@gmail.com
EXTRA NEWS 22/6/16
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