quarta-feira, 11 de maio de 2016
As cãs de mamãe (Extra News - abril/16)
As cãs de mamãe
Nesta semana criei coragem para rever um monte de fotos da família, para logo iniciar a distribuição entre os filhos. Assim, menos sarilho, quando eu partir. Só que não preveni minha emoção. E agora o inevitável acontece: cada foto sacode a poeira do passado.Algumas lágrimas correm e me fazem entender que essa partilha antecipada custa tremenda saudade.
De chofre, dou com mamãe ao lado de papai quase moribundo. Que lindinha ela era, da cabeça aos pés. Ela e a preocupação com os cabelos alinhados. De toda a mulherada da família, minha mãe foi a única que preservou a cabeleira da química danosa. Durante mais de sete décadas, seus cabelos eram negros, de comprimento médio. Quando os primeiros branquinhos despontaram, chegaram a incomodá-la: _Parece cabeça suja – ela dizia. Mas, acabou se habituando, deixou de se queixar.
Mamãe era vaidosa, mas evitava salão de beleza. Idem acontece comigo. Ela mesma cuidava das madeixas jeitosas, nem lisas nem crespas. Para sorte dela, que odiava cabelos escorridos. Por isso mesmo, encrespava os desta rabiscadora, com permanente, feita de um liquido fedido com que se embebiam os papelotes (mechas de cabelo embrulhadas em papel de seda). Eu, tímida, nunca ousei dizer que abominava cabelos artificialmente encrespados. Ela somente soube disso quando eu já era burra velha. Coitadinha, eu não lhe deveria ter feito tal confissão.
Os anos voaram. Como na vida tudo é cíclico, chegou o momento de papai me pedir para cuidar dos cabelos da sua querida Edy. Ele sabia que eu dava uma de cabeleireira, cortava o cabelo dos meus meninos, quando não podia pagar barbeiro. Aliás, eu, já adulta, cortava até os meus... Quanto malabarismo se faz nesta vida!
Vejo papai a me pedir:
_ A hora que você puder e sua mãe estiver disposta, dá para cortar o cabelo dela? Só que, por favor, não deixe a nuca de fora nem as orelhas.
Eu o atendia sempre, sem indagar o porquê da recomendação. Era o gosto do Dan e dela também, pronto! Respeitar o modo de ser deles era o mínimo que eu, filha, poderia fazer. Afinal, difícil esperar que estranhos se preocupassem com as preferências dos meus queridos. Quando se é muito sensível, decora-se o perfil dos pais e se faz de tudo para vê-los felizes. Lamento as tantas vezes que, por razões íntimas, eu os tenha contrariado.
Eu conseguia manter o corte do cabelo de mamãe arredondadinho, meio repicado nas laterais. Achava linda aquela cabecinha que foi se acinzentando lentamente. Então, ela se mantinha imóvel tal criança comportada. Eu evitava que as aparas a incomodassem. Então, punha num saquinho cada pouco cortado.
Papai faleceu em 1998; mamãe, em 2009, aos 96 a. Por motivos alheios à minha vontade, nos últimos tempos dela, deixei de lhe fazer este pequeno mimo: cuidar de sua cabeça cinza. Então, sofri muito, pois certos profissionais mal orientados, embora carinhosos, deixavam-lhe nuca e orelhas aparentes. Pedia a Deus para que o cabelo dela crescesse logo e para que seu querido Dan, em morada distante, não tivesse nenhum dissabor. Se fosse só eu a sofrer, paciência, mas eu sabia que mamãe, ao se mirar no espelho, também ficava desgostosa. Isso me doía demais. Assim como me doía vê-la aflita com vento inoportuno a descabelá-la. Ela, uma santista, tinha pavor do ventinho da praia, não só porque sofria de enxaqueca, mas porque não tolerava cabelos desalinhados. Nem nela nem nos outros...
_ Mãe querida, ainda sinto o perfume de suas cãs virgens... Agora, só na saudade.
Maio/16
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“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br.
Maio / 16.
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