quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016
O aterrado atrelado
O aterrado atrelado
Manhã tórrida combina com cervejinha gelada e um bom papo. Amigos de décadas reunidos no encontro de praxe, de onde saem refeitos para encarar a segundona. Esta provecta é intimada a se juntar ao grupo.
_ Pera aí, vamos estender o tapete vermelho – avisa um deles, sujeito de bem com a vida (será máscara?), espirituoso, que adora me chamar de “minha presidenta”.
Não me faço de rogada. Papo eclético faz um bem danado. E ali sai de tudo – desde prós e contras da tecnologia a ciúme razoável ou exacerbado. Delícia maior – nesse dia acabo como mediadora de dois guapos encanecidos.
Interrompo a conversa para um telefonema, o que dá brecha para um deles pegar uma telinha e alienar-se do grupo. Logo leva uma carraspança: falta de educação, sô! Claro que o dito cujo não aceita a repreensão. Imagine, ele apenas dera parabéns a um amigo; tinha que fazer aquilo no ato, depois se esqueceria... Desculpa não aceita. E a polêmica cresce.
De fato, nada, salvo uma emergência, deveria substituir o olho no olho. As geringonças tecnológicas tentam surrupiar nossa convivência, seja em família, seja entre amigos ou até entre estranhos que, lado a lado, permanecem mudos, enfiados naquelas intrusas, muitas vezes usando fones de ouvido que indicam claramente: não quero papo.
_ Ah, mas estamos no século 21. Não dá para ficar desconectado. Olha aí a globalização, a facilidade de contato instantâneo, meus parabéns já estão do outro lado do mundo – argumenta o repreendido.
Não perco a chance de demonstrar as atitudes paradoxais do gabola que, por aderir às maquininhas, se acha no século 21, mas não é livre para um alô às amigas, quando está acompanhado. Aliás, sequer olha para os lados. Agora nosso tema é o ciúme... O que é esse bendito que tanto atrapalha os relacionamentos? É natural, é doença, é próprio de quem ama? E por ai vai.
Digo que o ciúme entre casais pode ser justificado, se um dos cônjuges apronta muito, gerando a desconfiança, o que facilmente decreta o fim de qualquer relação. Perdida a confiança, o melhor vaso de cristal já era.
O coitado que está na berlinda olha pra mim e sai-se com esta:
_ Vai ver eu estava com a cabeça no ar, se alguma vez não cumprimentei você.
O outro rebate em cima, fazendo todo mundo gargalhar:
_ No “ar”, não. Você estava é “aterrado”!
A coisa ferve, o “aéreo” cora.
E eu completo:
_ Pois é, você se gaba tanto de estar no século 21, globalizadinho, mas vive muito mais do que “aterrado”. Dependendo da ocasião, fica é “atrelado”, como um cãozinho na coleira, morrendo de medo da dona. Isso também é coisa de século 21?
Não sei onde fui buscar essa fala ousada. Talvez a culpa seja dos dois dedos de cerveja que os amigos serviram a esta escriba, para brindar a velha amizade.Tim-tim.
Maria Inês de Araújo Prado
minesprado@gmail.com
“Rabiscos e Minês”:minesprado.blogspot.com.br
Fev/16
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