quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Não se deve dar esmola

Não se deve dar esmola Chego do supermercado, descarrego o carro, tiro tudo das sacolinhas, guardo. Agora mereço um cafezinho com “airosa”, aquela broinha de fubá , levíssima, irresistível. Ouço campainha na casa ao lado. Ou será na minha? Espio, ninguém. Mas logo o interfone toca. Olho pela janela: uma negra esquálida, desgrenhada, sorriso nos lábios, pede desculpas por amolar. Desfia a história do leite que o sobrinho necessita, mas que o governo não entrega no postinho, da presidenta que...sabe como é... Enfim, é um SOS. Pergunto-lhe se aceitaria frutas. Não, já tem o suficiente para os sobrinhos, o básico, arroz, feijão, açúcar. Precisa mesmo é de comprar o leite especial (esqueci o nome). Peço-lhe para esperar. Raciocino. Eu acabara de pagar os tubos por uma caixinha à toa de uvas. Sem falar no sabão em pó ou líquido (do jeito que o preço disparou, logo a máquina de lavar ficará encostada). Lá fora a moça cantarola, arriada à beira do portão. Decido. Pego o trocado que tenho, envergonhada da mísera quantia que mal paga meia caixinha de uvas. A consciência machuca. Vou ao portão, estendo o trocado à moça (perguntei o nome dela por perguntar, já esqueci; onde morava? Jardim Resedás). Perguntas inúteis, uma forma de demonstrar interesse naquilo que foge à minha alçada. Foge? Será? Ela comenta que roupas usadas,, sapatos etc. também servem para vender no brechó. Explico que dei algumas para as vitimas da enchente em Águas da Prata (3/1/16). Ela, bastante consciente, diz que fiz certo, que aquela gente também precisava de ajuda. E, com um “muito obrigada, minha flor”, atravessa a rua para esmolar mais. Volto ao meu café já frio, partida em pedaços, como que culpada pela diferença estrondosa entre a minha vida e a da pobre mulher. E mais... Há poucas horas eu saíra de casa, sentindo-me esquecida neste mundo. Só que a ida às compras mudara tudo. No supermercado, um homenzarrão gentil me abrira a porta do elevador e perguntara sobre minhas caminhadas. Respondi qualquer coisa sobre a SES e a chuva, dei-lhe um “até logo” e fui direto pegar pó de café, onde uma moça espanava prateleiras, já comemorando a folga do domingo. Pois ela (que vexame, eu não sabia com quem estava falando!) também quis saber das caminhadas. Só aí me dei conta de como as pessoas prestam atenção na gente. Ridícula minha ideia de estar esquecida do mundo. Batemos o maior papo, eu e ela, representante de café. Muito sensível, falou-me da reflexão que fizera, ao ver o rio Jaguari Mirim cheio – “um rio é igualzinho à nossa vida: vai, vai, encontra pedras no caminho como aquelas que não sabemos compreender...”. Completei que nossa vida é um trem sem volta, historinha batida essa! Nossa conversa foi das caminhadas aos meus rabiscos, antes passando pelo INCRA (então, eu não assistira à reportagem na Globo?). Ao final, ela me disse que adorara conversar comigo. “Por que nunca me parou na SES?” – indaguei. Por minha vez, confidenciei que ela era a primeira pessoa com quem eu falava naquele sábado chuvoso. Espero que a esquálida pedinte faça bom uso do trocado que lhe dei, embora, decididamente, não se deva dar esmola. E também não se deva chorar de barriga cheia, nem porque estamos a falar com as paredes nem porque o telefone não toca. Somos ricos demais neste mundo de desigualdades que já nasceram com a Criação. 09/01/16 Maria Inês de Araújo Prado minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br

Um comentário:

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