quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Somos ou não somos irmãos

Somos ou não somos irmãos Você, leitor, deixaria tudo pra trás, pátria, casa, sonhos, com apenas uma trouxa a tiracolo – documentos e parcos pertences – e mais uma criança ou um idoso nas costas? Atravessaria longas distâncias de terra e água, com uma ideia a martelar – nova pátria buscar? Encararia fome, frio, deserto, mar aberto, naufrágio, escuridão, disputando corrida até a fronteira mais próxima, onde desafiaria o bloqueio para imigrantes? Difícil responder com honestidade, não? O que sente, meu leitor, diante das imagens que a mídia nos esfrega na cara todo santo dia – milhares de homens, mulheres e crianças, enfileirados, desesperados, olhar no vazio, errantes, ou encurralados diante de barreiras construídas às pressas, pois ninguém quer repartir com eles o pão e o vinho, o emprego, o teto? O que pensa, ao saber que a União Europeia decide, na calculadora, quem receberá quantos, enquanto alhures, certa porcentagem de imigrantes é bem-vinda, por razões políticas, ou seja, para garantir gente nova no país longevo, hoje sem saída senão apertar o cinto da previdência, para sustentar a velhice inoperante? Sim, imigrantes jovens são úteis para a demografia desbalanceada por burrice do homem. Segundo observadores, a atual crise migratória não era vista desde a 2ª Guerra Mundial. Pesquisas acusam que, diariamente, 10.000 pobres almas se aventuram na busca de nova chance de vida e paz longe da terra natal, em constante ebulição. E os retirantes não são apenas da Síria, mas também do Afeganistão, Iraque, Haiti, Gaza, Saara, África do Norte. É provável que uns motivem os outros, embora as travessias dramáticas dos barcos de refugiados resultem, com frequência, em naufrágios, com centenas de vítimas. Notícias relatam salvamentos milagrosos, sobretudo de crianças. Dia destes a TV exibiu um “mar” de salva-vidas encalhados na praia. E as vidas? Soçobraram no mar revolto, endereço final de milhares. Impossível esse quadro tenebroso deixar de tocar nosso coração, nossa consciência. Que se encontrem meios de amenizar essa crueldade existencial, fruto da intolerância religiosa, da disputa pelo poder, da injustiça social e do individualismo desenfreado, males que assolam este mundo cada vez mais pobre de princípios e valores. Afinal, somos ou não somos irmãos? Maria Inês de Araújo Prado minesprado@gmail.com Nov/15 Extra News - 25/11/15

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

As pernas são outras

As pernas são “outras” Bons tempos em que saíamos pelas estradas, minha menina e eu. Tudo passa, mas as experiências gostosas ficam bem guardadinhas e, quando vêm à tona, muito nos divertem. Quebram a monotonia e amenizam a vida, se estamos numa fase “pesada”. _ Mãe, por que os caminhões buzinam, quando passamos na frente deles? _ indaga a meninota inocente ainda. Naquele dia íamos para Santos, usávamos bermudas, o calorão pedia pernocas de fora. Meu carro era pelado, sem AC ou outros opcionais. Aliás, sempre foi assim, até um ano atrás, quando fui obrigada a ter carro automático, já com frescuradas de fábrica. Uma delícia, não nego. _ Filha, sabe, certos caminhoneiros gostam de mexer com mulher ao volante... _ engasguei, pois sabia que aquela explicação era oca demais para minha filha vivíssima. _ Ué, mãe, que é que tem ser homem ou mulher dirigindo? Não entendi. Criança não aceita respostas bobas. O negócio era ser clara e objetiva: _ Sabe o que é, filha? Estamos com nossas pernas à mostra. Eles fazem gracinha também por isso. _ Ah, mãe. Que gente chata! Sabe o que vamos fazer? Da próxima vez a gente traz uma toalha para jogar nas pernas, na hora que você for passar perto de caminhão...Que tal? _ Boa ideia a sua. Dá uma espiada no banco de trás, veja se tem algum casaco por aí. _ Casaco, mãe?? Com este calor? _Querida, é só pra jogar nas pernas, quando aparecer um caminhão... Não me recordo se havia ou não qualquer quebra-galhos naquele dia. Mas a partir dali sempre levávamos alguma coisa que escondesse nossas pernas inocentes. Agora, se estávamos de saia e o calor era muito, o pano ficava de lado. Passávamos a viagem puxando e esticando a dita-cuja. Dia destes, uma filha postiça e eu de motorista, papeando gostosamente na estrada. Automaticamente, aproveitei para tomar banho de sol. A gente precisa de cálcio, não é? Logo há uma ultrapassagem de caminhão, uma buzinada, um piscar de faróis. Uai, por que a buzinada? Então, caímos as duas na risada, pois minha “filhota” mencionou minhas pernocas de fora. É isso aí. Minha menina lá em cima ficou mulher, é mãe de adolescentes, os anos passaram rapidinho, minhas pernas são “outras”, mas acabo de conferir que o mundo não mudou: certos caminhoneiros, lá do alto das boleias, não podem ver motorista mulher de pernas de fora. É melhor eu providenciar logo um pano e deixá-lo bem à mão no porta-luvas, caso precise cobrir meus gambitos. Mais prático do que puxa/estica saia. Uma certeza: em nome da vitamina D e também para me livrar do calorão, não desisto de tomar um solzinho, quando estou ao volante. Nota: A Folha de S. Paulo está com a campanha #AgoraÉQueSãoElas, em que colunistas mui cavalheiros têm cedido espaço para que mulheres escribas se manifestem. Ainda bem que tenho espaço cativo (9 anos!) no Cotidiano e, por isso, não dependo desse cavalheirismo... Obrigada, Bolinha! Maria Inês de Araújo Prado minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br Piblicação Extra News - 11/11/15