domingo, 9 de agosto de 2015
Única vaidade (em memória de Danilo Bohn Prado)
Única vaidade
Todos nós temos nossas vaidades, algumas bobas, outras até que justificadas. Fazer questão de vestir a última moda ou de comprar o carro do ano, implantar cabelo, conseguir um nariz de boneca etc. é próprio de quem pouco entende das prioridades da vida. Agora, cuidar do peso, da pele, enfim, do físico em si, mas não só dele..., é obrigação. (Ter sempre em mente – cabeça oca é tédio insuportável.)
Que é gostoso ouvir que nosso cabelo é lindo, nossa pele é miúda (meu irmão assim qualificou a minha, querendo dizer “macia”) e coisas do tipo, isso é! Confete ou não, aí é que redobramos nossos cuidados, pois, no íntimo, somos todos atores carentes do aplauso alheio.
E é comum percebermos alguma vaidade bem singular. Papai tinha a sua – na mocidade exibia barba e bigode que o deixavam o máximo. Sua foto mais bela é a da Revolução de 32, ele e os irmãos, de capacete, farda e barba, formavam um trio de arrasar corações.
À medida que a vida lhe trouxe mais e mais responsabilidades, sua barba ficou literalmente de molho, ele conseguiu manter apenas o bigode. Isso por cerca de quarenta anos, quando se aposentou e foi morar no mato, um dos seus poucos sonhos.
Então, encontrou tempo para deixar crescer a preciosa barba, bem- cuidada como na mocidade, só que, de tão branquinha, despertava a curiosidade das mulheres. Lembro-me do dia em que nossa caseira perguntou-me se papai usava água-de-lavadeira na barba, fato que nos rende, até hoje, boas risadas. Mais tarde, por razões de saúde, mudou-se do sítio para a singela Águas da Prata, levando com ele a barba, é claro.
Nos últimos tempos de vida em que enfrentou cruel sofrimento físico e moral, preocupei-me em preservar essa sua única vaidade. Diziam que ela lhe conferia ares de filósofo (como grande pensador que era, mereceria mesmo o título). Periodicamente, eu chamava o paciente e atencioso Toninho para aparar, com cautela, a moldura branca da face querida que definhava, ritual que mantive até que...
Num Dia da Bandeira o Pai do Céu decidiu encerrar a luta daquele bravo combatente. Somente sua barba a doença devastadora não conseguira aniquilar.
Porém, sem consulta prévia, um desavisado qualquer, provavelmente mecanizado no ofício de preparar mais um ator para a derradeira cena, mandou para o lixo a única vaidade de meu amado pai. Desde então experimentei e continuo experimentando na pele o velho ditado: “morto não tem vontade”.
M. Inês Prado (19/11/05)
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