quarta-feira, 6 de maio de 2015
Dia das Mães e as Negras Abnegadas
Dia das Mães e as negras abnegadas
Parece-me que, no Dia das Mães, as mães brancas são mais paparicadas, não sei por quê. Nas lojas, maridos e filhos ansiosos escolhem presentes para a “rainha do lar”; nas escolas, preparativos para homenageá-las, crianças trabalhando na “surpresa” elaborada com a ajuda das “tias”. Enfim, clima de festa “branca”, sobretudo no comércio.
Mas, há que se lembrar, e como!, da mãe negra, da mãe de leite, da babá. Das Esmeraldas e Sebastianas que passam despercebidas nessa data estabelecida tanto tempo depois delas. Quantas gerações as compartilharam e por elas foram acalentadas, educadas, protegidas, alimentadas! Elas e seus vestidos compridos xadrezinhos, seus turbantes e aventais. Elas e seu canto de embalo inconfundível.
Por dentro, carregavam os resquícios da escravidão; por fora, eram símbolos de paz, vivacidade, fidelidade, submissão, doação irrestrita. Se preciso fosse, dormiam de pé, para velar um pequenino ardendo em febre, e até arriscavam a pele, para satisfazer os brancos.
“Trabalha, trabalha, nego!” Reconhecimento? Poucas o tiveram. Mesmo porque alimentavam esperanças modestas e mal sabiam de seus merecimentos. Viver sob um teto era o paraíso para elas, braço direito dos patrões, os inconscientes da valia dessas heroínas anônimas. Quantas histórias as mulheres negras ajudaram a escrever, quantos amores protegeram, quantas dores amainaram, quantas confidências levaram para o Além.
Fui sortuda: Esmeralda e Bastiana marcaram docemente minha infância. Esmeralda, negra alta, forte, madrugava em casa, em São Paulo, ajudava em tudo e, às vezes, ficava conosco, para meus pais irem ao cinema, única diversão deles. Era boa contadora de causos. Sentávamos os três no colo dela, horas a fio. Numa ocasião, fomos todos parar no chão – a cadeira não resistiu ao peso da Esmeralda... Pra explicar a cadeira quebrada foi uma tensão danada. Havia muito respeito pelos pais. Qualquer incidente causava apreensão. O que nos esperava? Um olhar sério pros cabisbaixos e pra cadeira: ‘Qual foi a arte?’ Uma desculpa da boa negra quebrava o silêncio.
Já Bastiana era pau pra toda obra, na família grande. Ora acudia uns, ora outros. Se um nenê ia nascer, Bastiana chegava antes, de trem, vinda de Santos para Ribeirão Pires ou para São Paulo, dependia da necessidade. Negra de carapinha curtíssima, olhar penetrante, trabalhadeira e amiga. Vejo-a no fogão à lenha, a mexer a sopa de feijão, ou a limpar o porco que, na véspera, grunhia no chiqueiro da Chácara Paraíso, palco de lindas roseiras onde fazíamos nossas “artes”. Poderia pintar a Bastiana sentada num canto da copa, pensativa, enquanto, em surdina, uma tia sapeca amarrava a coitada à cadeira, com as tiras do avental. Na hora em que a Bastiana se levantava, era gargalhada geral, inclusive dela. Em São Paulo, no pós 2ª guerra, ela nos socorreu por mais de mês; parece-me ouvi-la, aos berros, de madrugada, a expulsar um ladrão que forçava a porta de casa. Eta negra corajosa!
Na minha fase adulta, houve uma Áurea singular: cafuza, baixa, gordinha, carrancuda, mas bondosa, trabalhou conosco nos anos sessenta. Se o nome era devido à Lei Áurea (13 de maio de 1888), não sei. Com ela, uma analfabeta, aprendi estranha lição: a gente poderia engravidar, ter filhos e continuar virgem. Seus gêmeos viviam no Asilo Anália Franco, em Santos. A mãe-virgem morava no emprego e só via os filhos aos domingos. Áurea, infeliz, sofrida, chegou e partiu, sem mais nem menos. Sumiu no mundo, deixando seu suor no nosso dia a dia corrido.
Que você, leitor, também tenha tido o privilégio de conviver com negras maternais, abnegadas, personagens de histórias deliciosas. Saudade delas!
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
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