quarta-feira, 20 de maio de 2015

Maioridade Penal

Maioridade Penal Há anos se arrasta projeto de lei, para redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos. Várias questões se impõem, diante dessa pretensão. A primeira delas é imaginar um ser ainda em formação (há quem passe a vida sem se formar...) trancafiado numa cela, em meio a barbados de toda idade, já que nosso sistema prisional, desestruturado para amparar jovens criminosos, está falido, sob todos os aspectos. Em suma, aquele que, aos 16 anos, for para a cadeia, estará indo para mais uma escola do crime. Outra questão é que o Brasil tem a péssima política de combater efeitos e não causas. Pouco tem sido providenciado, a fim de que menores não resvalem para o mundo cão. Ao contrário. Projetos, como em relação ao crack, em São Paulo, são apenas medidas eleitoreiras, nada mais. Tanto que os jornais noticiam a recaída de boa porcentagem dos viciados. Projetos vêm e vão, como desfiles do momento, sem plateia firme a acompanhar os “modelos”. Um viciado que, num dia, conhece o estrelato, noutro dia, cai no esquecimento e volta para a realidade nua e crua. Àqueles que trazem para essa polêmica o argumento do voto aos 16 anos, digo-lhes que falam besteira, respeitada a liberdade de expressão, claro! Votar aos 16 anos é opcional e pode ser considerado um ensaio de cidadania. O jovem aprende como escolher o candidato, adquire responsabilidade e senso de respeito à opinião alheia, além de outros benefícios. Nada a ver com impor maioridade penal nessa idade em que pouquíssimos jovens têm seus caminhos delineados. Note-se que, nos dias atuais, os jovens estão permanecendo na casa paterna até mais tarde. Muitos, terminado o ensino médio, nem sequer sabem o que querem da vida, vivem à deriva, sujeitos à manipulação dos mais “experientes”. A propósito de combater causas e não consequências, leio na Folha de 17/5/2015, entrevista com o antropólogo Matthew Gutmann, em que, mais uma vez, são criticados os vagões femininos, isto é, neles só viajam mulheres, a fim de evitar o mau comportamento dos marmanjos. É mais um exemplo de medida ineficaz, pois despreza a educação e reforça a “incapacidade” do homem de se conter diante do sexo oposto. Separar homens e mulheres, nos veículos públicos é inconcebível, uma vergonha em pleno século 21. Ressalvo que o transporte privativo para mulheres nas metrópoles já virou o século e nada resolveu. Todo dia, mulheres são ultrajadas, violentadas, ofendidas física e moralmente, sem que as autoridades tomem conhecimento, pois a maioria delas teme as consequências da denúncia. É salve-se quem puder. Em suma, a maioridade penal, em certos países, como nos Estados Unidos, tende a ser aumentada de 16 para 18 anos, pois a experiência demonstrou resultados desanimadores em relação à criminalidade juvenil. O Brasil não deve ir na contramão, jogando meninos à toca do leão, o sistema penitenciário falido e desumano. Endurecimento das medidas socioeducativas, reformulando-se o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente -, programas de reabilitação e conscientização, a partir do núcleo familiar, e outros mecanismos precisam ser levados a bom termo e terem solução de continuidade, para pintarmos um retrato mais otimista da juventude brasileira. Combater causas dá trabalho, exige estudo, planejamento, investimento (sem corrupção), persistência sistemática e em longo prazo. Arrisco-me a dizer: prazo de uma geração. A juventude carece de referencial, desde a família à política. Um homenzarrão, integrante de Força Sindical, com calça arriada em plena Câmara dos Deputados é exemplo de quê? 20/5/15

quarta-feira, 13 de maio de 2015

A visita de Obama e a lição de Morgan

A visita de Obama e a lição de Morgan Nesta madrugada recebi visita inesperada- Mr. Barack Obama, em pessoa. Chegou, meio apressado, com alguns livros a tiracolo. E desandou a falar da Casa Branca, de modo impessoal e descompromissado. Sentado à cabeceira de uma mesa comprida, própria para reuniões, virava as páginas com certa ansiedade, como quem quer cumprir um protocolo e se mandar. Sentei-me na outra ponta da mesa. Éramos dois numa reunião que só poderia ser onírica. Indaguei-o sobre a questão racial, desencadeadora de sérios conflitos no território americano, sobretudo em Baltimore, MD, expandindo-se rapidamente para outros estados. Situação preocupante essa. Ele se recusou a falar desse impasse. Nisso, saído sei lá de onde, aterrissa na sala meu marido. Amante dos livros, a atitude foi de moleque que não quer ficar fora de cena. Empunhando vários exemplares, elevou um deles acima da cabeça de Obama, para que eu apreciasse gravuras, com toda a extensão da mesa a me separar delas. Mal distingui as figuras. Coisa doida! Por motivo qualquer, talvez para servir água ou coisa assim, ausentei-me da sala. Antes que lá voltasse, ouvi passadas firmes, seguidas de um bater de porta. Obama se fora. Acordei meio zonza, sem nada entender. De onde a gente tira sonhos assim tão singulares? O dia já raiava. Fui tomar meu café, um modo de espantar coisas sem pé nem cabeça e refletir também. Quando Mr. Obama foi eleito para a presidência dos Estados Unidos da América, eu estava no Tio Sam. Confesso que torci para ele e fiquei exultante com a vitória. Um negro na Casa Branca deveria mudar o rumo da história americana, e muito. Mas forças ocultas, como oposição e outras circunstâncias, costumam dobrar o idealismo. Digamos que o vencem pelo cansaço. Passo a passo, viu-se um Obama que não conseguia cumprir, na integra, suas promessas. Democrata que é, tinha e tem a parede poderosa dos republicanos a impedir suas concretizações. Quase todas as propostas do presidente trombam com a oposição, sendo a questão da saúde a primeira de muitas lutas a ser enfrentada e vencida sob protestos. Barack Obama conseguiu a reeleição, mas sua atuação política está insignificante. Já não é visto como promotor da paz, “salvador do mundo” e muito menos dos negros, eternas vitimas de discriminação nos Estados Unidos, e não só. Dia destes ganhei um novo amigo, o “Morgan”, apelido que lhe cai muito bem, pois tem o tipo e o carisma do ator Morgan Freeman, que se destacou em Conduzindo Miss Daisy (1989), Um Sonho de Liberdade (1994), Antes de Partir (2007), Invasão à Casa Branca (2013) e outros. Indago-me se, por trás desses “homens livres”, existe trajetória que inclua preconceito e luta por um lugar ao sol. Certamente que sim. No Facebook leio: “O leite é branco, o sangue é vermelho, a alma...” A cor dela fica na conclusão de cada um – colorida ou desbotada, depende. A encrenca está na película que envolve nosso corpo, mero acidente, mas importante em qualquer questão racial classificatória. Ridículo que, em razão da pele, deixemos de nos ver como irmãos. Qualquer preconceito é, sem dúvida, questão de alma. Só com muito esforço e reflexão, aliados a uma boa dose de razão, pode-se extirpá-lo dos corações, em qualquer lugar deste mundo controverso, porém belo, na essência. Obama visitou-me em plena madrugada e se mandou sem dizer adeus. Nem tive tempo de lhe recomendar: “Não desista dos seus sonhos!” Mas posso dizê-lo ao meu amigo de carne e osso, “Morgan”, que me ensina: “Casa de pobre é igual igreja, não termina nunca.” “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br minesprado@gmail.com

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Dia das Mães e as Negras Abnegadas

Dia das Mães e as negras abnegadas Parece-me que, no Dia das Mães, as mães brancas são mais paparicadas, não sei por quê. Nas lojas, maridos e filhos ansiosos escolhem presentes para a “rainha do lar”; nas escolas, preparativos para homenageá-las, crianças trabalhando na “surpresa” elaborada com a ajuda das “tias”. Enfim, clima de festa “branca”, sobretudo no comércio. Mas, há que se lembrar, e como!, da mãe negra, da mãe de leite, da babá. Das Esmeraldas e Sebastianas que passam despercebidas nessa data estabelecida tanto tempo depois delas. Quantas gerações as compartilharam e por elas foram acalentadas, educadas, protegidas, alimentadas! Elas e seus vestidos compridos xadrezinhos, seus turbantes e aventais. Elas e seu canto de embalo inconfundível. Por dentro, carregavam os resquícios da escravidão; por fora, eram símbolos de paz, vivacidade, fidelidade, submissão, doação irrestrita. Se preciso fosse, dormiam de pé, para velar um pequenino ardendo em febre, e até arriscavam a pele, para satisfazer os brancos. “Trabalha, trabalha, nego!” Reconhecimento? Poucas o tiveram. Mesmo porque alimentavam esperanças modestas e mal sabiam de seus merecimentos. Viver sob um teto era o paraíso para elas, braço direito dos patrões, os inconscientes da valia dessas heroínas anônimas. Quantas histórias as mulheres negras ajudaram a escrever, quantos amores protegeram, quantas dores amainaram, quantas confidências levaram para o Além. Fui sortuda: Esmeralda e Bastiana marcaram docemente minha infância. Esmeralda, negra alta, forte, madrugava em casa, em São Paulo, ajudava em tudo e, às vezes, ficava conosco, para meus pais irem ao cinema, única diversão deles. Era boa contadora de causos. Sentávamos os três no colo dela, horas a fio. Numa ocasião, fomos todos parar no chão – a cadeira não resistiu ao peso da Esmeralda... Pra explicar a cadeira quebrada foi uma tensão danada. Havia muito respeito pelos pais. Qualquer incidente causava apreensão. O que nos esperava? Um olhar sério pros cabisbaixos e pra cadeira: ‘Qual foi a arte?’ Uma desculpa da boa negra quebrava o silêncio. Já Bastiana era pau pra toda obra, na família grande. Ora acudia uns, ora outros. Se um nenê ia nascer, Bastiana chegava antes, de trem, vinda de Santos para Ribeirão Pires ou para São Paulo, dependia da necessidade. Negra de carapinha curtíssima, olhar penetrante, trabalhadeira e amiga. Vejo-a no fogão à lenha, a mexer a sopa de feijão, ou a limpar o porco que, na véspera, grunhia no chiqueiro da Chácara Paraíso, palco de lindas roseiras onde fazíamos nossas “artes”. Poderia pintar a Bastiana sentada num canto da copa, pensativa, enquanto, em surdina, uma tia sapeca amarrava a coitada à cadeira, com as tiras do avental. Na hora em que a Bastiana se levantava, era gargalhada geral, inclusive dela. Em São Paulo, no pós 2ª guerra, ela nos socorreu por mais de mês; parece-me ouvi-la, aos berros, de madrugada, a expulsar um ladrão que forçava a porta de casa. Eta negra corajosa! Na minha fase adulta, houve uma Áurea singular: cafuza, baixa, gordinha, carrancuda, mas bondosa, trabalhou conosco nos anos sessenta. Se o nome era devido à Lei Áurea (13 de maio de 1888), não sei. Com ela, uma analfabeta, aprendi estranha lição: a gente poderia engravidar, ter filhos e continuar virgem. Seus gêmeos viviam no Asilo Anália Franco, em Santos. A mãe-virgem morava no emprego e só via os filhos aos domingos. Áurea, infeliz, sofrida, chegou e partiu, sem mais nem menos. Sumiu no mundo, deixando seu suor no nosso dia a dia corrido. Que você, leitor, também tenha tido o privilégio de conviver com negras maternais, abnegadas, personagens de histórias deliciosas. Saudade delas! minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br