quarta-feira, 29 de abril de 2015
Criançada de Ontem e de Hoje
A criançada de ontem e de hoje
Comparo a infância de meus meninos com a da criançada de agora e fico pasma, penalizada. A infância hoje é massacrada, assassina-se um tempo que não volta mais.
Revejo meus filhos brincando de Forte Apache... Espalhavam índios, cavalos, tendas pelo chão da sala, ajeitavam-se junto às miniaturas e, horas a fio, conversavam, comandavam, relinchavam gostosamente. Era um combate sadio, um descarregar de energia e criatividade. Vivenciavam uma luta inocente, divertida, mas sem alienação nem transferência de energia negativa para a vida real.
Revejo-os, junto comigo na praia, pulando amarelinha, caracol, jogando bola, empinando pipa. Ah, como era bom! E também junto ao pai, na pescaria, quando fazíamos piquenique lá no Alto da Serra, com direito à mesinha e tudo.
Ouço um deles, no nosso quintal, com pose de Ronnie Von, fazendo a pá de lixo de microfone, cantando para os vizinhos de casa. Ouço ainda as palmas dos amiguinhos...
Até nas brincadeiras de rua tudo era mais saudável, embora sempre haja algumas recordações negativas, inevitáveis em toda infância.
Hoje, como a meninada passa seus dias? Na companhia de brinquedos sofisticados e telinhas. Ali, não conversam nem criam. Tudo já vem pronto. O comando nas mãos inocentes faz de cada pimpolho o todo-poderoso, sensação que se transfere, com frequência assustadora, para a vida real. “Se eu domino o jogo, domino o mundo” – parece ser o pensamento da miudagem (gosto do termo português).
A meninada come e dorme com as telinhas a tiracolo. Se antes a TV era a vilã que bagunçava o convívio familiar, sobretudo as refeições, agora são as maquininhas de aparência inocente, porém com força de muralhas entre pais e filhos, para não dizer, entre todos os membros da família, já que, não raro, todos estão presentes apenas de corpo. As mentes vivem imantadas pelos jogos e redes virtuais. Vez ou outra, a comunicação entre eles se faz via internet, mesmo que estejam ombro a ombro, à mesa de um restaurante, por exemplo. A foto com o nome sofisticado de selfie ganha espaço, agora acompanhada do tal pau de selfie, mais um apetrecho para encher a bolsa da mulherada e o bolso do comerciante esperto, sempre de olho no produto que “é da ora”.
Não é à toa que a miudagem fica abobada, ao dar de frente, ao vivo e em cores, com coelhos, galináceos e outros bichinhos “normais” na infância de meus meninos. Fico extremamente feliz, quando observo uma cena em que pais e filhos aparecem assim, juntos, em brincadeiras, ou interagindo com a natureza – fauna e flora - , muitas vezes até alimentando animaizinhos, pescando, andando de charrete ou a cavalo.
Por experiência própria, tenho certeza de que a criançada que vivencia a infância com os familiares guardará, para sempre, cenas preciosas, ao passo que a pimpolhada das “telinhas” amargará, no futuro, um telão em branco, a título da infância mal vivida.
PS.: Por questão de justiça, devo penitenciar-me das críticas acima: graças às telinhas, “falo” mais com meus netos, tesouros da vida de qualquer avó.
minesprado@gmail.com.br
“Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br Extranews – 15/4/15
Nascimento e Morte
_ Mas você veio sozinha? – é o que ouço, constantemente, nas últimas décadas.
_ Vim sim. Afinal, nascemos e morremos sozinhos, não è? – retruco, nem sempre com toda a boa vontade do mundo.
Essa indagação me irrita, até parece que estou ali, cometendo um pecado mortal. Quando digo “ali”, pode ser qualquer lugar: teatro, cinema, velório, baile, almoço, jantar, aniversário, consultório médico, hospital, praça e Banda Dona Gabriela, desfile, excursão, hotel, boteco, avião, viação interestadual, rodovias, ônibus londrino, museu americano, Câmara Municipal etc., tanto faz. Com tal explanação pode ser que eu seja julgada antissocial, neurótica ou sei lá. Nada a ver e, deixo claro: isso não me preocupa nem um tico. Adoro estar entre amigos, amo conhecer pessoas de qualquer nível socioeconômico, sobretudo de outras culturas, seja no Brasil, seja no exterior. Na Folha de S. Paulo há uma enquete semanal: “Fui e voltaria” ou “Fui e não voltaria”. Alguns leitores devem conhecer essa matéria. Muitas vezes, a resposta é positiva, pois a pessoa foi a algum lugar e afirma, com todo o entusiasmo, que lá voltaria; outras, a resposta é categórica - foi e não voltaria. Claro que sempre há justificativas para as respostas, mas quem sabe o motivo seja a companhia errada. Não sei se o leitor concorda comigo: em certas situações, se estamos desacompanhados, principalmente em viagens, há a chance de curtir muito mais o momento, o local, explorar a situação à vontade, inclusive fazer amigos inusitados e até para o resto da vida. Esse encontro pode acontecer tanto no supermercado, no hospital, na loja, no meio do mato ou num táxi londrino, certo? Assim, vejo a reação de certas gentes como sintoma de insegurança e/ou preconceito. Para elas, é quase um sacrilégio uma mulher solita, onde quer que seja. Interessante que, raramente, alguém questiona um homem por estar sozinho. Ao contrário, é “normal”. Pode até ser que, em relação ao sexo oposto, o cidadão seja alvo de estranhamento. “De certo não gosta de mulher, é gay!” e outras ignorâncias. Mas seu aparente isolamento não atrai tanta curiosidade como o da mulher. Em certas ocasiões, mulher desacompanhada é ímã para todo tipo de observação, para não dizer reprovação. Ridículo isso, em pleno século 21, em que o elemento feminino ocupa cargos antes só atribuídos ao sexo “forte”. Recentemente, li: “Ministra Maria Elizabeth Rocha, primeira mulher a ocupar o cargo de presidente do Superior Tribunal Militar.” Resumindo: se, no nascimento e na “última grande lição” - a morte -, momentos únicos e indelegáveis, somos alunos solitários, parece lógico e natural que uma mulher esteja, bela e formosa, sozinha, onde quer que seja, sem ninguém se achar no direito de ali meter a colher... minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br Publicação Extranews - 22/4/15
_ Vim sim. Afinal, nascemos e morremos sozinhos, não è? – retruco, nem sempre com toda a boa vontade do mundo.
Essa indagação me irrita, até parece que estou ali, cometendo um pecado mortal. Quando digo “ali”, pode ser qualquer lugar: teatro, cinema, velório, baile, almoço, jantar, aniversário, consultório médico, hospital, praça e Banda Dona Gabriela, desfile, excursão, hotel, boteco, avião, viação interestadual, rodovias, ônibus londrino, museu americano, Câmara Municipal etc., tanto faz. Com tal explanação pode ser que eu seja julgada antissocial, neurótica ou sei lá. Nada a ver e, deixo claro: isso não me preocupa nem um tico. Adoro estar entre amigos, amo conhecer pessoas de qualquer nível socioeconômico, sobretudo de outras culturas, seja no Brasil, seja no exterior. Na Folha de S. Paulo há uma enquete semanal: “Fui e voltaria” ou “Fui e não voltaria”. Alguns leitores devem conhecer essa matéria. Muitas vezes, a resposta é positiva, pois a pessoa foi a algum lugar e afirma, com todo o entusiasmo, que lá voltaria; outras, a resposta é categórica - foi e não voltaria. Claro que sempre há justificativas para as respostas, mas quem sabe o motivo seja a companhia errada. Não sei se o leitor concorda comigo: em certas situações, se estamos desacompanhados, principalmente em viagens, há a chance de curtir muito mais o momento, o local, explorar a situação à vontade, inclusive fazer amigos inusitados e até para o resto da vida. Esse encontro pode acontecer tanto no supermercado, no hospital, na loja, no meio do mato ou num táxi londrino, certo? Assim, vejo a reação de certas gentes como sintoma de insegurança e/ou preconceito. Para elas, é quase um sacrilégio uma mulher solita, onde quer que seja. Interessante que, raramente, alguém questiona um homem por estar sozinho. Ao contrário, é “normal”. Pode até ser que, em relação ao sexo oposto, o cidadão seja alvo de estranhamento. “De certo não gosta de mulher, é gay!” e outras ignorâncias. Mas seu aparente isolamento não atrai tanta curiosidade como o da mulher. Em certas ocasiões, mulher desacompanhada é ímã para todo tipo de observação, para não dizer reprovação. Ridículo isso, em pleno século 21, em que o elemento feminino ocupa cargos antes só atribuídos ao sexo “forte”. Recentemente, li: “Ministra Maria Elizabeth Rocha, primeira mulher a ocupar o cargo de presidente do Superior Tribunal Militar.” Resumindo: se, no nascimento e na “última grande lição” - a morte -, momentos únicos e indelegáveis, somos alunos solitários, parece lógico e natural que uma mulher esteja, bela e formosa, sozinha, onde quer que seja, sem ninguém se achar no direito de ali meter a colher... minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br Publicação Extranews - 22/4/15
O Beijo das Divas
O beijo das divas
Fernanda Montenegro e Natalia Timberg protagonizaram um beijo cheio de carinho, mas que está dando o que falar. Personagens da novela globesca – Babilônia -, elas encaram mais um desafio, cientes da reação de uma camada da sociedade que precisa aprender a lidar com a autenticidade das relações.
Beijo na boca sempre é uma manifestação que pode implicar amor ou simplesmente sexo (exceto nos países em que faz parte do cumprimento). Isso não é da nossa conta. O que pode acontecer é o beijo ser em público, o que demonstra pouca noção de privacidade. Afinal, há coisas que são íntimas, não precisamos expor à curiosidade alheia e às críticas ácidas.
É lindo ver um casal trocando carinho, mas é constrangedor assistir a atos muito íntimos. É como se estivéssemos devassando a vida do outro, fazendo papel da “janela indiscreta” (filmão de 1954, com James Stewart e Grace Kelly) .
A polêmica toda é porque o beijo das divas tem caráter homossexual, o que escandaliza parte de espectadores que, refestelados em seus sofás, junto com a miudagem (como dizem os portugueses), não quer “essas coisas” nas suas casas. Ora, não quer, basta apertar um botão, mudar de canal ou desligar a tevê. Ou estabelecer limites para a criançada – lugar de pirralhos não é em frente à telinha, assistindo à novela de gente grande. É no meio dos brinquedos, da boa leitura, da lição de casa, dos amigos. E mais: o lugar deles deveria ser, também, longe dos jogos e filmes violentos.
A opção sexual é personalíssima. Não nos cabe meter a colher. Merece respeito, mesmo sem aceitação. Aliás, toda opção, fruto do livre arbítrio, tem que ser respeitada. O piloto que, segundo conclusão das investigações, jogou o avião contra os Alpes franceses, a fim de dar cabo da vida, exerceu a liberdade de escolha, que deve ser acatada. Entretanto, não era seu direito levar à morte todos os tripulantes e passageiros que, claro, nada tinham a ver com a atitude suicida dele. Entra aí, com plena justificativa, nossa indignação e nosso lamento, ante de uma mente doentia e solitária, capaz de tamanha barbaridade.
Àqueles que não têm respeito pela preferência alheia, é bom enfatizar que, dentro da própria família, podem existir questões de homossexualidade, às quais não devemos dar as costas, sob pena de se constituírem mundos à parte, na mesma casa, ou até de vidas serem perdidas, devido ao preconceito, à incompreensão e à intolerância.
Ao que parece, as divas Fernanda e Natália querem dar arremate às respectivas carreiras, dizendo, triunfalmente: “Protagonizamos de tudo, sem perder nossa dignidade.”
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
Publicação Extranews - 8/4/15
Briga de Foice
Briga de foice
Se há algo irritante é tentar, quinhentas vezes, sem sucesso, abrir alguma coisa de que se necessite com urgência, como uma garrafa d’água geladinha, quando se está morto de sede. As benditas tampas da maioria das embalagens de hoje desafiam todas as leis da força. “É questão de jeito” – palpite infeliz. E o desajeitado como faz?
Há tempos, escrevi sobre a dificuldade de abrir saquinhos plásticos e outras coisas mais. E nada mudou. Entra ano sai ano e latas, garrafas, sacos, tubos, papel higiênico, tudo continua a debochar da nossa paciência, ou melhor, dos nossos dedos.
Dia destes, fui abrir uma latinha de Coca e quebrei aquela linguinha que deve ser puxada com o maior cuidado, para não dar banho nos outros. Precisei pedir ajuda a um amigo, envergonhada pelos dedos desastrados. Cometo o mesmo pecado, com lata de sardinha – a linguinha quebra; então tenho que me valer do abridor, melecando a mão no óleo “cheiroso”... Dependendo da hora, olho bem pra lata e a devolvo ao armário. Aliás, faço isso com muita coisa que, já sei, vai provocar meu mau-jeito.
E rolha das garrafas de vinho? Você põe um vinho branco seco para gelar, enquanto assa um peixe no capricho. O peixe pronto, o cheirinho a lhe provocar água na boca, você pega o vinho já gelado e o saca-rolha. Tenho um que adoro, pois não exige tanto esforço e ainda garante a rolha sã e salva, para depois vedar a sobra do vinho. Um porém – a rolha deve ser de boa qualidade, caso contrário esfarela ou fica encalhada no saca-rolha. Aí entra o desafio. Outro dia, topei com uma rolha fajuta, mas consegui tirá-la bonitinha. Só que não conseguia retirá-la do saca-rolha. Apoie-o na pia, espetei uma faca na rolha, para dar firmeza à operação, nada! Por fim, imaginem que cena mais ridícula e desajuizada: segurei a rolha com meus dentes, com a ponta do saca-rolhas “encarando-me”, fui girando o bendito, até que saquei a malandra. Já pensaram eu arrebentar a boca com um saca-rolha? Que explicação daria no Pronto Socorro desta terrinha? Aliás, com a boca arrebentada, não poderia explicar nada.
Tenho bronca de garrafa “pet”. Quando peço uma água já me vitimizo:”Por favor, abre pra mim?” O nó é quando não tenho pra quem pedir. Tarde destas me bateu uma vontade doida de Coca com limão. É raríssimo ter refrigerante em casa, mas havia sobrado algum do meu niver. Animei-me, cortei “meu” limão, peguei uma Coca geladinha, hermeticamente fechada. “Força nessa mão, Maria Inês!” Nem com pano nem sem pano, a porcaria da tampa se mexia. “Melhor pôr de volta na geladeira, a meninada toma quando vier por aqui.” Não, não ia desistir. Deitei a garrafa na mesa de cirurgia (ops, na pia), com “boca” virada para a parede (banho de coca, jamais!), e simplesmente serrei a bendita tampa, até que cedesse. Quando percebi o barulhinho do ar saindo, ah, que vitória. Com a ponta da faca fiz o resto da operação “abre pet”. E matei minha vontade e sede, sem vergonha de ser feliz.
Agora, pergunto ao paciente leitor que, talvez, ache que desperdicei este espaço com bobagens: “Neste mundo de conflitos terríveis, desde guerras a terremotos, passando pelas balas perdidas que fazem vítimas a toda hora, é cabível ter que guerrear com coisinhas mal projetadas, para usufruir uma mera sardinha, uma bebida ou coisa assim?”
Cada um se vira como pode. É tragicômica essa briga de foice, mas fazer o quê?
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
Publicação Extranews, 29/4/15
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