segunda-feira, 26 de janeiro de 2015
Virote
Virote
O povo baiano tem, decididamente, algo de muito especial – vive a vida, sem pressa. Aliás, excelente a trova de Sergio Bernardo:
“O baiano odeia pressa e avisa, ao se machucar – se tiver que pôr compressa, que seja bem devagar.”
Você está na praia e bate a sede. Cadê o moço do coco? Ah, lá vem ele.
_Bom dia, moço, uma água de coco, por favor.
_ Olhe, dona, a minha acabou, mas busco uma rapidinho.
Pode contar que esse rapidinho levará, pelo menos, meia hora.
O baiano atravessa a avenida, ele e seu carrinho de mão. Vai longe, até a barraca de uma colega. Enche o carrinho de coco e volta, na maior tranquilidade. Nem passa pela sua cabeça que sede tem pressa.
Volta, ajeita os cocos na barraca dele. Escolhe um no capricho, pega a faca, faz uns cortes, segundo o ritual que só ele entende, até exibir a polpa branquinha que rodeia o espaço que ele, artista, cava como ninguém. Põe o canudinho para a turista chupar a água hidratante e muito nutritiva, segundo os entendidos. Então, oferece o coco geladinho à turista, com quem papeia, como se fosse velho conhecido.
_Moço, vocês são tão calmos, que coisa boa. Todo dia, faça sol ou chuva, aqui estão, aguentando a freguesia ou a calmaria, não é?
_ Ah, moça, baiano é assim, A gente trabalha de qualquer jeito. Até no virote.
_ Virote? Que é isso, moço?
_ Pois não sabe? _ele ri gostoso _ Virote é virar a noite, bebendo etc. e tal, e, cedinho, vir trabalhar numa boa. A gente se diverte, mas não deixa de trabalhar não. Isso aqui é a minha vida _ faz um gesto largo, abraçando a areia e o vasto mar azul e calmo.
Dali a pouco, é a vez do vendedor de queijo coalho. Ah, delícia das delícias! E se você sente que sua pressão está baixa, devido ao calor, ali está o melhor remédio.
_ Vai um queijinho aí, moça?
_ Pode ser um, mas bem tostadinho...
O morenão sarado ajeita um fogareiro improvisado na areia, na verdade um caldeirãozinho todo amassado, atiça a brasa, põe o espeto de queijo sobre o fogo e vai girando, girando, até ficar no ponto.
_ Pronto, moça. Tá bom assim ou quer mais passado?
_Obrigada, moço. Está do jeito que gosto. Muito bom! _ responde, passando cinco reais pro rapaz, já mordendo com gosto o queijo amorenado e molinho.
E lá se vai o baiano, num passo largado, perfazendo quilômetros a vender queijo. A rotina não lhe rouba a paciência e o bom humor.
É, o baiano sabe levar a vida. Festeiro, seu calendário é recheado o ano todo. Acolhedor, risonho, parece saber que, se tem que viver, que seja da melhor forma possível. Ou, como se diz, de modo inteligente. Se bem que o que é inteligente pra uns não o é pra outros. Mas isso é muito filosófico pra estragar o sabor do queijo coalho que, neste instante, me dá água na boca.
Melhor pensar no Vinicius, no Caymi e em tantos outros que, baianos de coração ou de berço, tanto se inspiraram nas maravilhas da Bahia e, na base do virote, por lá deixaram pegadas que a areia não apagará jamais.
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
minesprado@gmail.com
Jan./15
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