domingo, 18 de janeiro de 2015
Ares de Itapuã
Ares de Itapuã
Estes rabiscos têm cheiro de Vinicius de Moraes e Gesse, cuja foto de 1974 está aqui diante de mim. Num folder, toda a descrição poética da casa em que o poeta viveu com a amada Gesse:
“Aí está, Amiga, a casa/Pronta, a porta aberta, a mesa/Posta: uma casa feita/De canções cantadas por todo o Brasil/Com abatimento para estudantes/Aí está ela, Amada, projetada sobre o oceano, e cuja quietude/ É perturbada pelo marulho constante/Das ondas que espadanam rendas brancas/Nas negras rochas de Itapuã: a pedra que ronca/Em língua tupi. Jamilson Pedra/ E Silvio Robatto, os arquitetos.” (trecho do folder)
“A Casa di Vina”, restaurada, localiza-se na praia de Itapuã e hoje é o restaurante do Mar Brasil Hotel, vizinho do poetinha.
Em ares praianos, o pensamento mal se fixa em algum tema. Sempre noto isso, mas nunca entendi muito bem o porquê. Na verdade a gente fica igual passarinho, voando pra lá e pra cá, mesmo ao mirar o horizonte, onde mar e céu protagonizam o beijo eterno. Ou, como quer Vinicius: ”Os olhos pousados nos horizontes azuis do mar-oceano [...]”
E falando em passarinho, é divertido tomar café da manhã, com um olho nos coqueiros ou na praia e outro em alguns espertinhos tentando pescar migalhas de um prato por recolher. Jeitosos nas investidas, logo conseguem o que querem e lá se vão para outras áreas.
A leitura do jornal está atrasada. Confesso que passo batido pelas manchetes que se repetem: corrupção, delação, prisões e todo o menu que o leitor conhece. Recuso-me a engolir tanta coisa indigesta e repetitiva. Ainda ontem ou hoje o Carlos Heitor Cony, colaborador da Folha, escreveu que assuntos não faltam. Eu completo: talvez falte é vontade de chover no molhado, cair na mesmice. E ficar triste.
Coincidência ou não, troquei a leitura dos jornais pelo “Romance sem palavras”, desse excepcional cronista. Desconhecia a obra publicada em 1999 pela Companhia das Letras. Foi uma grata surpresa que me esperava nas estantes do saguão do hotel. Surpresa não só por não a conhecer, mas pelo tema do romance: no final da década de 60, a militância política entrelaça as vidas de Beto, Iracema e João Marcos, que, trinta anos mais tarde, continuam a se encontrar.
O enredo tem traços autobiográficos, pois Cony foi também vítima da ditadura, esteve preso, foi exilado e testemunhou muito do que, hoje, está sendo desencavado pela Comissão da Verdade. Por isso mesmo, ele tem se manifestado, amiúde, a respeito da loucura de quem pretende ver restabelecida a ordem no país, através de governança militar. Ele e outros que provaram do fel julgam que somente aqueles que não conviveram com o “regime” cometem o equívoco atabalhoado de ver solução em tal caminho.
Assim, com essa leitura, me penitencio por desprezar os jornais. De resto, me delicio com um pouco de tudo que a Bahia oferece, com acréscimo da companhia valiosa dos netos a um pulinho daqui, ora na praia, ora jogando varetas ou fazendo cruzadas, caminhada, ora no dolce far niente.
Um sopro dos ares de Itapuã pra todo mundo da terrinha.
Dez,/14
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
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