quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

A rena e o Alzheimer

A rena e o Alzheimer Três da matina. Ela cantarola um bolero, depois de um belo banho, leite morno e todo o ritual que cumpre, não importa a hora. O calor está infernal. Liga o ventilador. A chuva que caíra horas antes nada refrescara. Ainda bem que fora dançar. Já que era para suar, que fosse dançando. Como acaba de ler no Facebook, “a música é a melhor sobremesa da vida”. Está prestes a apagar a luz do quarto, quando nota que há dois sons no quarto: um, do ventilador, mas o outro? Apura os ouvidos. O som de motorzinho vem do maleiro do closet. Mas que absurdo é esse? Algo acionado ali, como? Pensa na cozinha. Parede com parede, quem sabe seja o barulho da geladeira em funcionamento que repercuta no silêncio da noite. Sabe que não dormirá com mais de um zummmm; o do ventilador já basta. Tem que descobrir a causa do tal zum. Nunca fora mulher de aguardar, de braços cruzados, a solução das coisas. Além disso, pinta outra preocupação: seria o prenúncio de uma explosão. Lembra o comentário infeliz de um pintor que trabalhara na obra da casa dela: “ Dona, com tanta grade, se tiver um incêndio aqui, a senhora não terá como escapar!” Ora bolas, que palpite infeliz! Ela odiava grades, mas a realidade a obrigara a instalá-las na casa toda. Sujeito pessimista aquele! O perfil dela não é, decididamente, de ficar na incerteza. Tem que descobrir o que está causando o tal barulho. Depois de ir à cozinha, conferir o “sono profundo” da geladeira, volta ao quarto, desliga o ventilador e interruptores, mas nada! O zum infernal persiste. Pega a escadinha de quatro degraus – aquela que os filhos já pediram para não usar - , monta-a junto ao closet, sobe. O barulho está ali no nariz dela, vem de um saco que ela apalpa e identifica um enfeite natalino, algo de pelúcia, só não lembra o quê. Joga o saco no chão. O barulho cessa incontinenti. Desce da escada, sacode o saco. Uma rena malandra, bem colorida, dá as caras. A tampa do buraco embaixo da engenhoca se abre, deixando à mostra as pilhas que a acionam. Ufa! O enigma está decifrado, embora mal explicado. Será que a rena quisera se vingar dela, por não ter saído da toca, no último natal? Ela retira as pilhas, recordando o tempo enorme que desperdiçara, havia mais de ano, na tentativa de tirá-las do compartimento, com uma chavinha da espessura duma agulha. Volta a rena mal comportada ao saco. Sobe de novo a escada, ajeita o pacote e pronto: que aquela coisa “made in China” durma em paz até um próximo natal. Quatro da matina. Deita-se, lamentando não haver ninguém por perto, para rir com ela. Cada uma que lhe acontece! E sempre fora de hora! Aliviada por ter calado a rena, conclui que, por ora, ainda não era vítima do “alemão”. A prova era cabal: passado mais de um ano, a cena da rena coloridíssima, de pernas pro ar, e da briga inútil de mãos desajeitadas com a chavinha versus parafuso mínimo, para retirada das pilhas arteiras, estava vivíssima na sua cabeça. Na ocasião, ela perdera a parada. Agora, não. minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br Jan./15

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