sexta-feira, 11 de dezembro de 2015
BEBUM
Bebum
Numa segunda-feira, logo cedo, precisei comparecer a uma repartição pública. Na hora aprazada – 8 da matina - lá estava eu, louca para me livrar de mais uma amolação. Tudo porque dias antes meu carro, comportadamente estacionado, quietinho, inocente, sofrera uma chapuletada na traseira, enquanto esta rabiscadora participava do “Agora é hora”, programa do Luiz Antonio Pradella, na Rádio Piratininga.
“Ter”, ainda que uma simples magrela, é ter problemas. Do jeito que anda o trânsito cada vez mais maluco, na base do “salve-se quem puder”, ocorrências várias, mais ou menos graves, todo santo dia envolvem veículos de qualquer natureza. Nenhum escapa. E seus usuários idem, ora como vítimas, ora como causadores de desatinos que dificilmente assumem – danos materiais, físicos, mortes etc.
Incidentes e acidentes trazem, no mínimo, muita caceteação e desgaste. São uma reviravolta na rotina, já bombardeada com limitações decorrentes da nossa condição de jovens septuagenários... Qualquer coisa que interfira no dia a dia nos põe à deriva, perdidinhos, com vontade de nos enfiar num canto e deixar o mundo rolar. Mas a cabeça cobra ação. Há coisas que dependem da gente e que não podem esperar. Todo mundo sabe que qualquer problema de trânsito nos joga no emaranhado da burocracia de DPs, no ‘simpático” 0800 da seguradora, na pericia pra inglês ver, na espera inútil de telefonema do culpado e muito mais. Haja paciência! Mas devemos agradecer por não nos jogar no hospital, não é, caro leitor?
Se nossas pernocas estão bambas, azar nosso. Ninguém pergunta nem quer saber. E de pernas bambas (ainda), ali estava eu a madrugar para fazer minha parte, só Deus sabe como, e dar conta das providências pertinentes à situação que atingiu meu possante. Ainda sob os efeitos de um susto danado, às 8 em ponto, vi-me diante de um funcionário muito gentil, humano, mas...bebum. Bafo de pinga é inconfundível. E logo de manhã, parece pior, revira qualquer estômago. Ar puro, por favor!
Suponho que aquele bebum passe o dia entre goles e trabalho, numa boa. Como, não sei. Mas, certamente, não com pernas bambas. Embebido em álcool, talvez sofra menos com seu oficio monótono e as lamúrias daqueles que ele, tranquilo, atende com toda a boa vontade do mundo. Será que o resultado do trabalho dele é eficiente? Sei não.
***
Aos que prestigiam estes rabiscos, meu abraço fraterno, com votos de Feliz Natal.
Maria Inês de Araújo Prado
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”: minesprado.blospot.com.br
Dez./15
EXTRA NEWS 9/12/15
quinta-feira, 26 de novembro de 2015
Somos ou não somos irmãos
Somos ou não somos irmãos
Você, leitor, deixaria tudo pra trás, pátria, casa, sonhos, com apenas uma trouxa a tiracolo – documentos e parcos pertences – e mais uma criança ou um idoso nas costas? Atravessaria longas distâncias de terra e água, com uma ideia a martelar – nova pátria buscar? Encararia fome, frio, deserto, mar aberto, naufrágio, escuridão, disputando corrida até a fronteira mais próxima, onde desafiaria o bloqueio para imigrantes? Difícil responder com honestidade, não?
O que sente, meu leitor, diante das imagens que a mídia nos esfrega na cara todo santo dia – milhares de homens, mulheres e crianças, enfileirados, desesperados, olhar no vazio, errantes, ou encurralados diante de barreiras construídas às pressas, pois ninguém quer repartir com eles o pão e o vinho, o emprego, o teto?
O que pensa, ao saber que a União Europeia decide, na calculadora, quem receberá quantos, enquanto alhures, certa porcentagem de imigrantes é bem-vinda, por razões políticas, ou seja, para garantir gente nova no país longevo, hoje sem saída senão apertar o cinto da previdência, para sustentar a velhice inoperante? Sim, imigrantes jovens são úteis para a demografia desbalanceada por burrice do homem.
Segundo observadores, a atual crise migratória não era vista desde a 2ª Guerra Mundial. Pesquisas acusam que, diariamente, 10.000 pobres almas se aventuram na busca de nova chance de vida e paz longe da terra natal, em constante ebulição.
E os retirantes não são apenas da Síria, mas também do Afeganistão, Iraque, Haiti, Gaza, Saara, África do Norte. É provável que uns motivem os outros, embora as travessias dramáticas dos barcos de refugiados resultem, com frequência, em naufrágios, com centenas de vítimas. Notícias relatam salvamentos milagrosos, sobretudo de crianças. Dia destes a TV exibiu um “mar” de salva-vidas encalhados na praia. E as vidas? Soçobraram no mar revolto, endereço final de milhares.
Impossível esse quadro tenebroso deixar de tocar nosso coração, nossa consciência. Que se encontrem meios de amenizar essa crueldade existencial, fruto da intolerância religiosa, da disputa pelo poder, da injustiça social e do individualismo desenfreado, males que assolam este mundo cada vez mais pobre de princípios e valores. Afinal, somos ou não somos irmãos?
Maria Inês de Araújo Prado
minesprado@gmail.com
Nov/15
Extra News - 25/11/15
quinta-feira, 12 de novembro de 2015
As pernas são outras
As pernas são “outras”
Bons tempos em que saíamos pelas estradas, minha menina e eu. Tudo passa, mas as experiências gostosas ficam bem guardadinhas e, quando vêm à tona, muito nos divertem. Quebram a monotonia e amenizam a vida, se estamos numa fase “pesada”.
_ Mãe, por que os caminhões buzinam, quando passamos na frente deles? _ indaga a meninota inocente ainda.
Naquele dia íamos para Santos, usávamos bermudas, o calorão pedia pernocas de fora. Meu carro era pelado, sem AC ou outros opcionais. Aliás, sempre foi assim, até um ano atrás, quando fui obrigada a ter carro automático, já com frescuradas de fábrica. Uma delícia, não nego.
_ Filha, sabe, certos caminhoneiros gostam de mexer com mulher ao volante... _ engasguei, pois sabia que aquela explicação era oca demais para minha filha vivíssima.
_ Ué, mãe, que é que tem ser homem ou mulher dirigindo? Não entendi.
Criança não aceita respostas bobas. O negócio era ser clara e objetiva:
_ Sabe o que é, filha? Estamos com nossas pernas à mostra. Eles fazem gracinha também por isso.
_ Ah, mãe. Que gente chata! Sabe o que vamos fazer? Da próxima vez a gente traz uma toalha para jogar nas pernas, na hora que você for passar perto de caminhão...Que tal?
_ Boa ideia a sua. Dá uma espiada no banco de trás, veja se tem algum casaco por aí.
_ Casaco, mãe?? Com este calor?
_Querida, é só pra jogar nas pernas, quando aparecer um caminhão...
Não me recordo se havia ou não qualquer quebra-galhos naquele dia. Mas a partir dali sempre levávamos alguma coisa que escondesse nossas pernas inocentes. Agora, se estávamos de saia e o calor era muito, o pano ficava de lado. Passávamos a viagem puxando e esticando a dita-cuja.
Dia destes, uma filha postiça e eu de motorista, papeando gostosamente na estrada. Automaticamente, aproveitei para tomar banho de sol. A gente precisa de cálcio, não é? Logo há uma ultrapassagem de caminhão, uma buzinada, um piscar de faróis. Uai, por que a buzinada? Então, caímos as duas na risada, pois minha “filhota” mencionou minhas pernocas de fora.
É isso aí. Minha menina lá em cima ficou mulher, é mãe de adolescentes, os anos passaram rapidinho, minhas pernas são “outras”, mas acabo de conferir que o mundo não mudou: certos caminhoneiros, lá do alto das boleias, não podem ver motorista mulher de pernas de fora. É melhor eu providenciar logo um pano e deixá-lo bem à mão no porta-luvas, caso precise cobrir meus gambitos. Mais prático do que puxa/estica saia. Uma certeza: em nome da vitamina D e também para me livrar do calorão, não desisto de tomar um solzinho, quando estou ao volante.
Nota: A Folha de S. Paulo está com a campanha #AgoraÉQueSãoElas, em que colunistas mui cavalheiros têm cedido espaço para que mulheres escribas se manifestem. Ainda bem que tenho espaço cativo (9 anos!) no Cotidiano e, por isso, não dependo desse cavalheirismo... Obrigada, Bolinha!
Maria Inês de Araújo Prado
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br
Piblicação Extra News - 11/11/15
quarta-feira, 28 de outubro de 2015
Agora é Hora - programa de mil e uma utilidades
“Agora é Hora” – programa de mil e uma utilidades
25 de setembro é o Dia Nacional do Rádio, um dos meios mais populares de comunicação. Seja ele um simples aparelhinho movido à pilha ou à energia, sua utilidade é indiscutível, inclusive para espantar a solidão. Óbvio que o aparelho depende de emissoras que, se forem de boa qualidade, melhor ainda.
Em 22 de novembro de 1963 foi um radinho de pilha sobre minha geladeira que deu a triste notícia do assassinato do inesquecível presidente americano, John F. Kennedy, em Dallas, Texas. Minha geração jamais esquecerá onde e o que fazia naquele momento em que a tragédia foi anunciada. Jamais, repito!
Lembro-me agora de um paradidático que, anos a fio, fez sucesso entre os estudantes – “O cadáver ouve rádio”, de Marcos Rey (1983). Na trama, é o som dum rádio ligado numa obra abandonada que leva à descoberta do cadáver, personagem principal da história. Aliás, pedreiro que se preza anda com radinho a tiracolo. Assim, além de ficar por dentro das últimas notícias, decora músicas, canta, assobia, suando a camisa numa boa.
O avanço da tecnologia não reduziu o exército de ouvintes nem a multiplicação de emissoras. Sobretudo nas cidades interioranas e, mais que isso, nas zonas rurais, é impossível imaginar a vida, sem um rádio fixo ou portátil, ligado dia e noite.
Nesta nossa terrinha, a Rádio Piratininga970AM, cujo slogan é “a rádio da família”, destaca-se como a emissora mais popular da região, pois abrange diversos programas de interesse público. O mais inovador deles – o “Agora é Hora”, capitaneado por Luís Antônio Pradella, já faz sucesso entre jovens e adultos.
O Pradelinha, como é carinhosamente chamado, e seus convidados, têm sido felizes na seleção de bate-papos descontraídos. O “Agora é Hora” acontece de 2ª a 6ª feira, no horário das 13:15 às 13:50, com temas variados, como educação, tecnologia, família, Lei Maria da Penha, música, direitos trabalhistas, saúde e outros, todos muito atraentes, captando audiência significativa e, o melhor, participativa: telefonemas e mensagens WhatsApp chovem durante a programação.
É preciso ousar, se quisermos fazer a diferença. A competitividade e a globalização têm força incrível: quem não ousa perde o bonde... E, ao contrário do que se pensa, ousadia e humildade podem conviver lado a lado, de tal forma que quem ousa deve estar aberto a sugestões e críticas construtivas. Nesse sentido, o Pradelinha se demonstra extremamente receptivo. Portanto, caros leitores, sintonizem ou acessem a Rádio Piratininga 970AM e confiram o “Agora é Hora”, programa de mil e uma utilidades. Ah, garanto-lhes que telefonemas e palpites serão sempre bem-vindos.
minesprado@gmail.com
Maria Inês de Araújo Prado
Out/15
quinta-feira, 8 de outubro de 2015
Avós e mestres que o digam
Avós e mestres que o digam
Vou às compras, após um bate-papo sobre Família, Educação e Tecnologia, na Rádio Piratininga – programa “Agora é hora”. Logo mais, saio do supermercado, entro no carro, dou a partida. No mesmo instante, outro é estacionado grudado ao meu. A porta de trás é aberta e bate na “minha” lataria – uma senhora tenta sair do possante da filha. Sim, filha, pois ordena à mãe, que desce seguida de uma garotinha:
_ Segura ela, mãe! – assim, sem um “por favor”, berra e repete a ordem.
A grosseria me chama a atenção. Uma moça avantajada, o que combina com a grosseria, salta pela porta do motorista, com ares de dona do mundo e... da mãe.
Como fica a educação daquela criança? Se a mãe berra com a idosa, a menina “pode” berrar também. Se a avó bate com a porta na lataria dum carro, ela, neta, pode muito bem sair por aí, batendo porta e também riscando o que estiver no caminho dela.
Não estou num cantinho da casa dessa criança, para ver como as coisas se passam lá. Talvez a família, congregada ou desagregada, ensine-a que berrar é feio, que estragar coisas é pecado mortal, sabe-se lá o que mais. Porém, exemplo que é bom, nada. Pobre cabecinha vítima dos desmandos dos adultos.
“A mesma mão que afaga, educa.” Essa afirmação é supimpa para pais e mães, e não só, pois serve para todo adulto que lida com a criançada, inclusive mestres. É essencial ser amoroso, porém firme, até na hora de educar. E a educação parte do exemplo.
Ainda com a cabeça na cena, lembro-me dos estragos da educação controvertida, em que o pai fala uma coisa, a mãe, outra, e os avós, outras... O comer chocolate antes das refeições é um exemplo bem concreto. O pai se omite, a mãe proíbe, os avós dão a guloseima às escondidas. Afinal, quem a criança vai seguir? Óbvio que os avós, embora o pequeno ou a pequena possa se sentir culpado (a) por trair a mãe.
Caberiam aqui inúmeras situações que deixam a criançada perdidinha. Comprar tudo aquilo que a criança pede é comum, sobretudo no caso de pais separados. Evidentemente, trata-se de compras que “compram” a criança. Muitas vezes, um dos genitores tem posses e se regala, regalando os filhos. Quem sofre com isso? A prole.
Sinceramente, confesso meu alívio por, bem ou mal ou mais ou menos, já ter passado da fase de educar filhos (às vezes ainda me escapa algum puxão de orelhas). Quanto aos netos, procuro transmitir certos valores durante nossa curtição despretensiosa. Se jogamos cartas, esclareço que jamais aceitem jogar a dinheiro: uma coisa é brincar de jogar “buraco”, outra é ter o vício do jogo. Se fazemos a leitura do Devocional, reflito com eles, trocamos ideias. Se estamos à mesa do almoço, aí confesso que sou chata mesmo: explico o melhor jeito de sentar, para evitar corcunda; como descansar os talheres; o porquê de comer certos alimentos etc. Se hoje me acharem chata, mais pra frente compreenderão essa chatice, provavelmente quando chegar a vez de lidarem com a educação dos pimpolhos deles. Tudo é cíclico.
Distribuir sementes em campo amoroso é fantástico. Avós e mestres que o digam.
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
minesprado@gmail.com
Outubro/15
quinta-feira, 10 de setembro de 2015
38ª Semana Guiomar Novaes - Flores para Olga Kiun
Depois de muita expectativa, a Semana Guiomar Novaes (1º a 7 de setembro) nos brindou com dois espetáculos que superaram os demais, embora todos de boa qualidade. Na abertura, a Companhia de Ópera Curta nos deliciou com O Barbeiro de Sevilha. Além da execução instrumental de indiscutível qualidade, interpretação e vozes fantásticas nos tocaram sob todas as formas, incluídos aí o riso fácil e as gargalhadas. Desopilei o fígado no teatro, o que me fez dormir gostoso naquela noite.
Mas credito à pianista Olga Kiun o destaque maior. Ela, notável, extasiou-nos com sua exímia interpretação, aliada a extremo carisma, dádiva de poucos. Como a artista bem enfatizou, sendo russa apresentaria compositores conterrâneos, os modernistas – Rachmaninoff e Prokofiev. As peças, que incluíram boa parcela de Romeu e Julieta e também as estações do ano na Rússia, foram didaticamente explicadas pela pianista, decepcionada com a falta do programa. Assim, vivenciamos cada nota trabalhada por mãos de agilidade e leveza impressionantes, cuja familiaridade com o piano é cultivada desde os seis anos de Olga.
Todo artista talentoso deve ser prestigiado. Olga merecia plateia concorrida. Não foi o que aconteceu. As frisas do teatro ficaram solitárias. Perder a oportunidade de música refinada é perder joia rara. Nossa cultura permanece capenga nos valores.
Após duas horas de puro deleite, aplausos reiterados. Tanto que Olga voltou ao palco para um brinde a mais. Mas faltou o arremate para que ela se fosse, levando não só nossas palmas, mas flores. Ela merecia esse carinho, assim como merecia o teatro lotado. Tudo isso me incomodou de tal maneira que contive meu ímpeto de lhe dirigir um agradecimento sincero, pela noite belíssima que nos proporcionou. Sem exagero, talvez até lhe beijasse as mãos divinais.
Estou ainda com esta indagação: será que projetei em Olga o que esperaria que acontecesse comigo, fosse eu uma Olga? Não sei. Mas que ela deveria sair do palco com um belo ramalhete nos braços e um cavalheiro a conduzi-la, disso tenho certeza. Além de ser de bom-tom por parte dos organizadores da Semana, seria gesto marcante no core da artista. Olga, com sua magia, combina com flores. Aquele palco teve o privilégio de ser pisado por ela, porém, nós, ouvintes privilegiados, ficamos com a vergonha da omissão de cortesia inerente a qualquer recital – flores para a pianista!
E pensar que há quem as receba, a torto e a direito, sem jamais ter regado uma...
M. Inês de Araújo Prado minesprado@gmail.com Set/15 Extranews de 9/9/15
M. Inês de Araújo Prado minesprado@gmail.com Set/15 Extranews de 9/9/15
quarta-feira, 2 de setembro de 2015
Com muito orgulho
Com muito orgulho
Dia destes, em passeio pelo Facebook, observei que há inúmeras Maria Inês Prado, que não é meu nome completo.
Nome curtinho é uma delícia, não é, caro leitor? Sobretudo se vivemos pondo nossa assinatura aqui e ali. Em compensação, pouca gente acumula tantos apelidos, ao longo da vida, como acontece comigo: Manê, Manês, Manezita, Maneca, Manequinha e o mais recente – Minês - que decorre da minha condição de internauta. Isso, sem mencionar os pejorativos, como Baiaca, Polaca, “presentes” de um tio já falecido. Quem mandou ter sido menina gorda?
Nomes e epítetos rendem um compêndio. Eles tanto podem causar prazer como dor. Também coloco aí os sobrenomes, pois alguns são como uma carga no lombo, motivo de chacota, vergonha; outros, ensejam equívocos, porque comuns demais: Silva, Sousa, Santos.
Como professora e advogada tive e tenho contato com constrangimentos causados por certos nomes. O bullying, expressão mais ou menos corriqueira hoje, sempre acontece quando se tem um nome ou sobrenome diferentes e, sobretudo, se dão margem a trocadilhos. “Pinto” é problemático. Aqueles que têm o hábito de conferir obituários colecionam lista de nomes esquisitos e/ou engraçados, objetos de muita gozação.
Por essas e outras, é bom que os pais pensem muito bem, quando da escolha de um nome para a criança que virá ao mundo. Como, hoje, saber o sexo do bebê que se carrega na barriga é a regra, há tempo para a decisão que pode, no futuro, fazer alguém mais feliz ou deixá-lo infeliz pro resto da vida. Afinal um nome bonito só traz satisfação. Claro que qualquer um, quando adulto, pode requerer, com justificativa, a alteração do nome ou sobrenome, desde que encare a trabalheira que envolve um processo judicial.
A existência de homônimos é, também, uma pedra no sapato. Certa vez advoguei para um cidadão que estava profundamente irritado com um homônimo que lhe causava confusão em tudo, até para retirar novo CPF. Tentei, justifiquei, mas nada consegui. O juiz entendeu que não havia provas suficientes de que o nome do meu cliente era motivo de prejuízo. A decepção foi grande, porém, entendi a decisão do magistrado, já que o interessado não oferecera provas cabais – documentos, testemunhas - para elucidação do caso.
De volta ao meu próprio umbigo... Descobrir que tenho homônimas nas redes sociais me dá certa preocupação. Assim, antes de algum dissabor, abro alas para Maria Inês de Araújo Prado, com muito orgulho! Aliás, nome honrado é meio caminho andado, certo?
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
minesprado@gmail.com
Ago/15
Extranews de 2/9/15
domingo, 9 de agosto de 2015
Única vaidade (em memória de Danilo Bohn Prado)
Única vaidade
Todos nós temos nossas vaidades, algumas bobas, outras até que justificadas. Fazer questão de vestir a última moda ou de comprar o carro do ano, implantar cabelo, conseguir um nariz de boneca etc. é próprio de quem pouco entende das prioridades da vida. Agora, cuidar do peso, da pele, enfim, do físico em si, mas não só dele..., é obrigação. (Ter sempre em mente – cabeça oca é tédio insuportável.)
Que é gostoso ouvir que nosso cabelo é lindo, nossa pele é miúda (meu irmão assim qualificou a minha, querendo dizer “macia”) e coisas do tipo, isso é! Confete ou não, aí é que redobramos nossos cuidados, pois, no íntimo, somos todos atores carentes do aplauso alheio.
E é comum percebermos alguma vaidade bem singular. Papai tinha a sua – na mocidade exibia barba e bigode que o deixavam o máximo. Sua foto mais bela é a da Revolução de 32, ele e os irmãos, de capacete, farda e barba, formavam um trio de arrasar corações.
À medida que a vida lhe trouxe mais e mais responsabilidades, sua barba ficou literalmente de molho, ele conseguiu manter apenas o bigode. Isso por cerca de quarenta anos, quando se aposentou e foi morar no mato, um dos seus poucos sonhos.
Então, encontrou tempo para deixar crescer a preciosa barba, bem- cuidada como na mocidade, só que, de tão branquinha, despertava a curiosidade das mulheres. Lembro-me do dia em que nossa caseira perguntou-me se papai usava água-de-lavadeira na barba, fato que nos rende, até hoje, boas risadas. Mais tarde, por razões de saúde, mudou-se do sítio para a singela Águas da Prata, levando com ele a barba, é claro.
Nos últimos tempos de vida em que enfrentou cruel sofrimento físico e moral, preocupei-me em preservar essa sua única vaidade. Diziam que ela lhe conferia ares de filósofo (como grande pensador que era, mereceria mesmo o título). Periodicamente, eu chamava o paciente e atencioso Toninho para aparar, com cautela, a moldura branca da face querida que definhava, ritual que mantive até que...
Num Dia da Bandeira o Pai do Céu decidiu encerrar a luta daquele bravo combatente. Somente sua barba a doença devastadora não conseguira aniquilar.
Porém, sem consulta prévia, um desavisado qualquer, provavelmente mecanizado no ofício de preparar mais um ator para a derradeira cena, mandou para o lixo a única vaidade de meu amado pai. Desde então experimentei e continuo experimentando na pele o velho ditado: “morto não tem vontade”.
M. Inês Prado (19/11/05)
quinta-feira, 6 de agosto de 2015
Do malão eu abriria mão
Do malão eu abriria mão
No Dia do Amigo, 20/7, à véspera de viagem por este mundinho afora:
_ Tchau, vou arrumar minha valise, amanhã cedo pego a estrada – disse-me um amigo do outro lado do fio.
_ Tchau, boa viagem! E eu também arrumo minhas coisas, só que, numa valise, mal cabe um par de sapatos meus , tem que ser mala mesmo – brinquei.
Valise - há mil anos não ouvia essa expressão. Médicos usavam valises, famílias as entulhavam com remédios e afins. Mas tudo muda e a forma de acomodarmos a tralha de viagem também teve mudanças significativas.
Para os itens de toalete não se fala mais em frasqueira, aquela belezinha de couro, com alça para segurá-la elegantemente, toda forrada por dentro e com encaixes para a badulaqueira que pudesse quebrar (vidros); hoje o que se chama de “nécessaire” é uma ofensa às frasqueiras lindas, combinando com nossa roupa. A minha frasqueira é sobrevivente dos anos 60. De um vermelho escuro, ornava com o azul marinho e branco que me vestia da cabeça aos pés, quando, sonhadora, saí para a lua de mel.
As malas de couro finíssimo, em que a roupa ficava passadinha, foram substituídas por feiuras descartáveis: a cada viagem, é mala nova ou conserto no sapateiro, este feliz com a alta procura por serviços que, antes, não tinha: pôr zíper novo, remendos, costurar rasgos (nos aeroportos, as benditas esteiras, onde a bagagem despachada cai aos trancos e barrancos, são as inimigas número um das malas). Nas viagens de hoje, quem quiser andar decentemente vestido, é obrigado a usar roupa que não amasse ou, então, andar de ferro a tiracolo, aqueles pequeninos e dobráveis (rs).
Felizmente, ainda não passei pelo vexame de mala estourada em praça pública, mas já vi muita gente em apuros, pelo zíper arrebentado ou algum lado da mala rasgado, deixando tudo à mostra, inclusive peças intimas. Um horror. Bem verdade que já tive mala de couro escancarada nos trilhos da ferrovia Santos/Ribeirão Pires (anos 50), graças a um irmão afoito que, ao tentar pô-la no bagageiro do trem, deixou-a cair janela afora, diante dos olhos esbugalhados de um meu fã de adolescência. Eu queria morrer!
Se antes uma viagem de avião ou navio era efeméride (isso mesmo!), homens de terno e gravata, chapéu, mulheres de vestido, luvas, hoje tênis e jeans são a regra. E mala leve, por ordem expressa da lei, que varia mais do que o nosso “invernico”. Se a mala de mão pesar mais do que o conteúdo – já aconteceu comigo –, você escuta: “A senhora deveria ter despachado essa mala.” Quase respondo: “Só se for a mala vazia.”
Mas, voltando à valise. Qual mulher consegue viajar, levando suas coisinhas em uma valise? Mesmo que seja por um dia, jamais a gente faz esse milagre. Sempre precisamos de, no mínimo, uma boa sacola, certo? Imagine para quinze dias, um mês! Um malão lotado é pouco.
Há tempos, rabisquei esta frase de meu saudoso pai, um dos poucos homens que conheci que compreendia os ônus da mulherada: “Se, em outra encarnação, eu nascesse mulher, daria um tiro na cabeça.” De fato, ele achava muito complicada a vida do (ex) sexo “frágil” .
Concordo, plenamente, com papai. Uma “valise”, com duas mudas de camisa, cueca, meia, lenço, mais materialzinho de higiene essencial (“vaidade” fica pra trás), pasta, escova, sabonete, gilete, pente. Pronto, qualquer homem se vira bem com a roupa do corpo e mais essa lista minguada. Pijama, chinelos? Ah, na época de calor nem precisa, certo?
Toda mulher gostaria que sua tralha coubesse, não numa valise que já é querer demais, porém numa malinha 55x35x25. Isso só mesmo por milagre. Por mim, juro de pés juntos que, do desgaste de fazer malão, eu abriria mão.
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
minesprado@gmail.com
Extranews de 5 de agosto de 2015
quarta-feira, 1 de julho de 2015
UAIPI
Viva o Uaipi
O brasileiro costuma achar que a vida, lá fora, é um paraíso. É comum encontrar gente aconselhando o outro a ir para os States, eleito por muitas gerações nossas como país de realização profissional e enriquecimento fácil. Ledo engano, a partir do princípio que, nos Estados Unidos, só consegue progresso quem põe a mão na massa pra valer, topa começar lavando louça, carro, banheiro, pajeando bebês. É preciso ter humildade, aceitar trabalhos que o jovem forasteiro nem sempre engole, sobretudo se tiver estudo e for oriundo da classe média, impasse difícil diante de tanto preconceito arraigado neste Brasil.
Mas ponho de lado o assunto da ascensão pessoal, para falar das riquezas deste solo gentil e farto, dentre as quais destaco a boa e velha mandioca, também conhecida por aipim, uaipi, macaxeira, mandioca doce, mansa, amarga, brava, pão-de-pobre.
Esta semana cozinhei um tanto de mandioca e congelei uma parte. Comi-a com sal e queijo ralado, pus alguma na sopa, uma delícia! Até que me lembrei da congelada.
Era sábado, dia de coisas gostosas. Olhei para aqueles pedaços prontos pra um prato saboroso. Ah, fritos ficariam tão bons! A ideia me fez água na boca. Mas o cheiro de fritura me arrepia. Hesitei, ponderei prós e contras, pensei no fogão limpinho e até na balança acusatória. Enfim, queria motivos que me demolissem da ideia de fritar mandioca. Mas qual! Venceu a água na boca. Enchi de óleo uma frigideira, forrei uma travessa com papel toalha e mãos à obra.
Meu almoço foi o “pão-de-pobre”, nome injusto para um banquete – aipim em pedaços finos,dourados, sequinhos - regado a vinho tinto do Paraná, hum! Saboreei tudo devagar, enquanto meditava sobre nossa facilidade para comprar, em qualquer portinha, mandioca e tantas coisas saudáveis, como banana, laranja, alface, batata. É simples ter uma refeição bem brasileira: arroz, feijão, mandioca, verdura, pronto, eis o sustento da família, com gasto mínimo e muita satisfação.
Depois do lauto almoço, tive vontade de saber mais sobre o aipim. A pesquisa valeu. Vamos lá.
A mandioca é nativa da América do Sul, sendo que o arbusto pode atingir até 3 metros de altura. Pertence à espécie manihot esculenta, da família da euphorbiaceae – denominação pomposa, não acha, caro leitor? Se todo brasileiro decorasse esses vocábulos, talvez desse mais valor à macaxeira, alimento versátil e acessível a todo bolso. Com ela se preparam alimentos supimpas: frita, purê, escondidinho, pão, bolo, bolinho, farinha para farofa ou tapioca etc. E também bebidas, como cauim e tiquira.
Raiz e folhas da manihot esculenta são fonte de carboidratos, proteínas e vitaminas. Na África, o uaipi é usado no combate à desnutrição.
Lembra-se, leitor, da época em que era chique oferecer estrogonofe “feito” por madames que mal encostavam a barriga no fogão? Pois acho que seria chique servir mandioca em qualquer banquete, não apenas a brasileiros, mas a estrangeiros que aqui aportam. Fica minha sugestão para os bufês desta terra farta por natureza. Viva o uaipi!
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com
minesprado@gmail.com
Publicação no Extranews - 1/7/15
quarta-feira, 10 de junho de 2015
Conselho de macaca-velha
Bateram na minha bunda – a moça grosseira reclama para o jovem policial.
O brasileiro se expressa ambiguamente a toda hora, ou seja, a ofendida pode estar falando da traseira do veiculo dela ou do próprio bumbum, concorda, leitor?
Nós, conterrâneos, entendemos tudo direitinho, lemos nas entrelinhas. Mas os que vêm de fora? Será que compreendem esse linguajar? A questão é preocupante, pois um mal-entendido pode gerar muita confusão.
Querem ver? Anos atrás eu estava num shopping enorme, em Virgínia, junto a Washington – Distrito de Columbia, capital dos Estados Unidos. Sou avessa a shoppings, porém precisava fazer hora, até que meu filho saísse do trabalho e fosse me buscar.
Passei um tempão andando pra lá e pra cá, entrei em lojas, vi vitrines, indaguei, treinei meu inglês enferrujado. Tudo enferruja, se não é usado...
Para não sair de mãos vazias, comprei umas echarpes pras amigas e uma pra mim, de lãzinha, made in Italy. Fosse agora, seria “made in China”. Impressionante o que os EU importam; difícil adquirir algo feito lá, sobretudo roupas. Dá raiva, pois os produtos americanos costumam ser bons.
Como cheguei ao shopping (Tysons, se não me engano) pela manhã, na hora do almoço, estava com fome. Americano não almoça. É um snack, lanche rápido, na base do sanduiche ou chips e olhe lá!. Não sou muito de lanche, então decidi conferir a pizza americana. Entrei num lugar apinhado, pedi um suco de laranja (orange juice) e um pedaço de pizza. Este estava horroroso, massa grossa, nada a ver com a que servem aqui – a do “Bedrock”,por exemplo, finíssima, servida na pedra, divina! Enquanto engolia a pasta medonha, empurrando-a com o suco, observava ao redor – mania de cronista- , o pessoal atropelando a vida, falando e mastigando ao mesmo tempo, tudo numa correria muito louca. Provavelmente, gente no intervalo do trabalho. Para gringo, “Time is money.” , ou seja, “tempo é dinheiro”.
Com a pizza atravessada na garganta, dei mais umas voltas, de olho no relógio. Meu filho me pegaria lá pelas 7 da noite, na Califórnia Pizzaria, localizada junto à entrada do shopping. Para quem tem receio de se perder, ali é ponto de referência ideal, mesmo porque, enquanto espera, a gente pode sentar a uma mesinha externa, ler um bom livro, escrever, ver o mundo girar.
Lá pelas tantas, eu estava no terceiro andar. Então, com preguiça de olhar no mapa de localização que existe por todo lado, resolvi perguntar a um funcionário de loja (clerk) como eu fazia para chegar à California Pizzaria. A resposta não poderia ser mais absurda:
_ You must go to the airport to fly to California… (Você precisa ir ao aeroporto, para voar para a Califórnia.)
Contive o riso, expliquei-lhe que queria saber de uma pizzeria no térreo. De certo, quando o abordei, ele só captara a palavra “Califórnia”, acabou entendendo, explicou-me onde pegar o elevador, e ok. Lá me fui, rindo da big confusão e louca para compartilhá-la com meu filho que chegou logo mais, encontrando-me sentadinha na “Califórnia”, rabiscando as experiências do dia no Tysons.
Veja, caro leitor, a comunicação ambígua, porque admite dupla interpretação, pode criar muita encrenca! Assim, todo cuidado é pouco, ao se expressar no dia a dia. E conselho de macaca velha: se estiver fora do Brasil, cuidado redobrado na sua fala. Minesprado Publicação no EXTRANEWS - 9/6/2015
quarta-feira, 3 de junho de 2015
Duros na Queda
Duros na queda
Estive “dengosa” e juro: foi como se todas as doenças do mundo me atacassem com unhas e dentes, sem piedade. A cada um, dois dias, sintomas diferentes: enjoo, intestino atrapalhado, dor nas pernas, na coluna e cabeça, nos ouvidos, cansaço extremo. Minhas costas reclamavam, como se eu tivesse lavado mil “trens”. E mais febrão (este só por uma semana). Em resumo, a coisa é complicada, a gente sofre um bombardeio.
Li que a vacina da dengue estará no mercado em 2016. Tomara, pois é moléstia que nos põe sob sérios riscos e pode se repetir; ninguém fica imune, após a primeira dengue. Por ora, o tratamento se resume a hidratação e repouso.
Ah, a alteração do paladar é medonha: a boca fica pegajosa, água, arroz, feijão, tudo tem o mesmo sabor, sendo que, para mim, café e verdura ficaram intoleráveis. Quem me conhece sabe que amo o “ouro verde”, o cheirinho dele é um imã, sinto-o longe. E sabe, também, que não passo sem meus “matinhos” – alface, rúcula, agrião, almeirão.
Pra completar, o mais preocupante: a dengue mexe até com os miolos, pois a cabeça fica cansada, as ideias fogem, um inferno para o escriba. Passei apertada. Não sei se o leitor percebeu isso nos meus últimos rabiscos para o Extranews.
É bom saber que a recuperação é lenta, não se fica ok. de uma hora pra outra. Os gambitos vão se firmando lerdamente, o sabor volta a passo de tartaruga, o cansaço dá trégua, mas, vez ou outra, diz “presente”. Só que cada um reage a esses desafios de um jeito. Passei quinze dias meio de molho, mas não deixei meus afazeres de lado, ao contrário, fiz suco de inhame, sopa (coisa que desce fácil), lavei roupas, fui a laboratórios e consultas já agendadas há séculos. Enfim, sou dura na queda e decidi que não iria tombar à custa de um mosquitinho arteiro.
Costumo tomar a vacina da gripe todo ano, na CAASP. Aí fiquei na dúvida – tomo não tomo. Indaguei daqui e de lá, e dei meu braço para picar, estendida numa cadeira de dentista! Só quando senti a picada me dei conta do mico. Eu entrara no local da vacinação – um consultório odontológico – e, simplesmente, achei que ia tratar dos dentes. Maluquice! Sem graça, me desculpei com a enfermeira, expliquei que estava distraída por culpa da dengue. Muito gentil, ela indagou se eu havia tomado soro etc. e tal. Eu, hein?? Me tratei na minha casa. Enfiar-me em ambulatórios de emergência não é comigo. Só de pensar naquela sala cheia, todo mundo doente e, pior, falando de doença, aí morro antes da hora.
Bem, achei que o mosquito sem-vergonha e que faz tantos estragos merecia umas linhas. Onde e “onde” ele me picou nunca saberei. Uma mulher, encafifada com uns sintomas do marido, fez-me a pergunta:
“Onde a senhora pegou dengue?”
“Minha filha, ninguém pode lhe dar essa reposta, só o mosquito.” – retruquei, rindo.
Semana passada decidi mandar pra longe a tal da dengue. Fui dançar. No começo, as pernas estavam lerdas, mas, após um aquecimento, mandei ver, como se diz por aí. Dancei a noite toda e amanheci ótima, pronta pra dengos de verdade, nada mais.
Não pretendo ensinar ao leitor dengoso o tratamento que funcionou pra mim. Mas uma coisa é certa: só fazem conosco o que permitimos que façam. O mosquito de nome pomposo – aedes aegypti - quer, sim, nos derrotar, mas temos que ser “duros na queda” e, sobretudo (isso é sério!), cuidar muito bem da saúde, da alimentação, das doenças pré-existentes e, claro, da própria casa. Como o leitor deve saber, a pessoa que já está carunchada com outros males, como diabetes, hipertensão etc., corre mais risco de morte do que aquela que se mantém saudável, no cotidiano. Por isso, fique alerta!
“Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br
minesprado@gmail.com
Publicação no EXTRANEWS - 3/6/15
quarta-feira, 20 de maio de 2015
Maioridade Penal
Maioridade Penal
Há anos se arrasta projeto de lei, para redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos. Várias questões se impõem, diante dessa pretensão.
A primeira delas é imaginar um ser ainda em formação (há quem passe a vida sem se formar...) trancafiado numa cela, em meio a barbados de toda idade, já que nosso sistema prisional, desestruturado para amparar jovens criminosos, está falido, sob todos os aspectos. Em suma, aquele que, aos 16 anos, for para a cadeia, estará indo para mais uma escola do crime.
Outra questão é que o Brasil tem a péssima política de combater efeitos e não causas. Pouco tem sido providenciado, a fim de que menores não resvalem para o mundo cão. Ao contrário. Projetos, como em relação ao crack, em São Paulo, são apenas medidas eleitoreiras, nada mais. Tanto que os jornais noticiam a recaída de boa porcentagem dos viciados. Projetos vêm e vão, como desfiles do momento, sem plateia firme a acompanhar os “modelos”. Um viciado que, num dia, conhece o estrelato, noutro dia, cai no esquecimento e volta para a realidade nua e crua.
Àqueles que trazem para essa polêmica o argumento do voto aos 16 anos, digo-lhes que falam besteira, respeitada a liberdade de expressão, claro! Votar aos 16 anos é opcional e pode ser considerado um ensaio de cidadania. O jovem aprende como escolher o candidato, adquire responsabilidade e senso de respeito à opinião alheia, além de outros benefícios. Nada a ver com impor maioridade penal nessa idade em que pouquíssimos jovens têm seus caminhos delineados. Note-se que, nos dias atuais, os jovens estão permanecendo na casa paterna até mais tarde. Muitos, terminado o ensino médio, nem sequer sabem o que querem da vida, vivem à deriva, sujeitos à manipulação dos mais “experientes”.
A propósito de combater causas e não consequências, leio na Folha de 17/5/2015, entrevista com o antropólogo Matthew Gutmann, em que, mais uma vez, são criticados os vagões femininos, isto é, neles só viajam mulheres, a fim de evitar o mau comportamento dos marmanjos. É mais um exemplo de medida ineficaz, pois despreza a educação e reforça a “incapacidade” do homem de se conter diante do sexo oposto. Separar homens e mulheres, nos veículos públicos é inconcebível, uma vergonha em pleno século 21. Ressalvo que o transporte privativo para mulheres nas metrópoles já virou o século e nada resolveu. Todo dia, mulheres são ultrajadas, violentadas, ofendidas física e moralmente, sem que as autoridades tomem conhecimento, pois a maioria delas teme as consequências da denúncia. É salve-se quem puder.
Em suma, a maioridade penal, em certos países, como nos Estados Unidos, tende a ser aumentada de 16 para 18 anos, pois a experiência demonstrou resultados desanimadores em relação à criminalidade juvenil. O Brasil não deve ir na contramão, jogando meninos à toca do leão, o sistema penitenciário falido e desumano.
Endurecimento das medidas socioeducativas, reformulando-se o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente -, programas de reabilitação e conscientização, a partir do núcleo familiar, e outros mecanismos precisam ser levados a bom termo e terem solução de continuidade, para pintarmos um retrato mais otimista da juventude brasileira.
Combater causas dá trabalho, exige estudo, planejamento, investimento (sem corrupção), persistência sistemática e em longo prazo. Arrisco-me a dizer: prazo de uma geração. A juventude carece de referencial, desde a família à política. Um homenzarrão, integrante de Força Sindical, com calça arriada em plena Câmara dos Deputados é exemplo de quê?
20/5/15
quarta-feira, 13 de maio de 2015
A visita de Obama e a lição de Morgan
A visita de Obama e a lição de Morgan
Nesta madrugada recebi visita inesperada- Mr. Barack Obama, em pessoa.
Chegou, meio apressado, com alguns livros a tiracolo. E desandou a falar da Casa Branca, de modo impessoal e descompromissado. Sentado à cabeceira de uma mesa comprida, própria para reuniões, virava as páginas com certa ansiedade, como quem quer cumprir um protocolo e se mandar.
Sentei-me na outra ponta da mesa. Éramos dois numa reunião que só poderia ser onírica. Indaguei-o sobre a questão racial, desencadeadora de sérios conflitos no território americano, sobretudo em Baltimore, MD, expandindo-se rapidamente para outros estados. Situação preocupante essa. Ele se recusou a falar desse impasse.
Nisso, saído sei lá de onde, aterrissa na sala meu marido. Amante dos livros, a atitude foi de moleque que não quer ficar fora de cena. Empunhando vários exemplares, elevou um deles acima da cabeça de Obama, para que eu apreciasse gravuras, com toda a extensão da mesa a me separar delas. Mal distingui as figuras. Coisa doida!
Por motivo qualquer, talvez para servir água ou coisa assim, ausentei-me da sala. Antes que lá voltasse, ouvi passadas firmes, seguidas de um bater de porta. Obama se fora. Acordei meio zonza, sem nada entender. De onde a gente tira sonhos assim tão singulares?
O dia já raiava. Fui tomar meu café, um modo de espantar coisas sem pé nem cabeça e refletir também.
Quando Mr. Obama foi eleito para a presidência dos Estados Unidos da América, eu estava no Tio Sam. Confesso que torci para ele e fiquei exultante com a vitória. Um negro na Casa Branca deveria mudar o rumo da história americana, e muito.
Mas forças ocultas, como oposição e outras circunstâncias, costumam dobrar o idealismo. Digamos que o vencem pelo cansaço. Passo a passo, viu-se um Obama que não conseguia cumprir, na integra, suas promessas. Democrata que é, tinha e tem a parede poderosa dos republicanos a impedir suas concretizações. Quase todas as propostas do presidente trombam com a oposição, sendo a questão da saúde a primeira de muitas lutas a ser enfrentada e vencida sob protestos.
Barack Obama conseguiu a reeleição, mas sua atuação política está insignificante. Já não é visto como promotor da paz, “salvador do mundo” e muito menos dos negros, eternas vitimas de discriminação nos Estados Unidos, e não só.
Dia destes ganhei um novo amigo, o “Morgan”, apelido que lhe cai muito bem, pois tem o tipo e o carisma do ator Morgan Freeman, que se destacou em Conduzindo Miss Daisy (1989), Um Sonho de Liberdade (1994), Antes de Partir (2007), Invasão à Casa Branca (2013) e outros. Indago-me se, por trás desses “homens livres”, existe trajetória que inclua preconceito e luta por um lugar ao sol. Certamente que sim.
No Facebook leio: “O leite é branco, o sangue é vermelho, a alma...” A cor dela fica na conclusão de cada um – colorida ou desbotada, depende. A encrenca está na película que envolve nosso corpo, mero acidente, mas importante em qualquer questão racial classificatória. Ridículo que, em razão da pele, deixemos de nos ver como irmãos.
Qualquer preconceito é, sem dúvida, questão de alma. Só com muito esforço e reflexão, aliados a uma boa dose de razão, pode-se extirpá-lo dos corações, em qualquer lugar deste mundo controverso, porém belo, na essência.
Obama visitou-me em plena madrugada e se mandou sem dizer adeus. Nem tive tempo de lhe recomendar: “Não desista dos seus sonhos!” Mas posso dizê-lo ao meu amigo de carne e osso, “Morgan”, que me ensina: “Casa de pobre é igual igreja, não termina nunca.”
“Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br minesprado@gmail.com
quarta-feira, 6 de maio de 2015
Dia das Mães e as Negras Abnegadas
Dia das Mães e as negras abnegadas
Parece-me que, no Dia das Mães, as mães brancas são mais paparicadas, não sei por quê. Nas lojas, maridos e filhos ansiosos escolhem presentes para a “rainha do lar”; nas escolas, preparativos para homenageá-las, crianças trabalhando na “surpresa” elaborada com a ajuda das “tias”. Enfim, clima de festa “branca”, sobretudo no comércio.
Mas, há que se lembrar, e como!, da mãe negra, da mãe de leite, da babá. Das Esmeraldas e Sebastianas que passam despercebidas nessa data estabelecida tanto tempo depois delas. Quantas gerações as compartilharam e por elas foram acalentadas, educadas, protegidas, alimentadas! Elas e seus vestidos compridos xadrezinhos, seus turbantes e aventais. Elas e seu canto de embalo inconfundível.
Por dentro, carregavam os resquícios da escravidão; por fora, eram símbolos de paz, vivacidade, fidelidade, submissão, doação irrestrita. Se preciso fosse, dormiam de pé, para velar um pequenino ardendo em febre, e até arriscavam a pele, para satisfazer os brancos.
“Trabalha, trabalha, nego!” Reconhecimento? Poucas o tiveram. Mesmo porque alimentavam esperanças modestas e mal sabiam de seus merecimentos. Viver sob um teto era o paraíso para elas, braço direito dos patrões, os inconscientes da valia dessas heroínas anônimas. Quantas histórias as mulheres negras ajudaram a escrever, quantos amores protegeram, quantas dores amainaram, quantas confidências levaram para o Além.
Fui sortuda: Esmeralda e Bastiana marcaram docemente minha infância. Esmeralda, negra alta, forte, madrugava em casa, em São Paulo, ajudava em tudo e, às vezes, ficava conosco, para meus pais irem ao cinema, única diversão deles. Era boa contadora de causos. Sentávamos os três no colo dela, horas a fio. Numa ocasião, fomos todos parar no chão – a cadeira não resistiu ao peso da Esmeralda... Pra explicar a cadeira quebrada foi uma tensão danada. Havia muito respeito pelos pais. Qualquer incidente causava apreensão. O que nos esperava? Um olhar sério pros cabisbaixos e pra cadeira: ‘Qual foi a arte?’ Uma desculpa da boa negra quebrava o silêncio.
Já Bastiana era pau pra toda obra, na família grande. Ora acudia uns, ora outros. Se um nenê ia nascer, Bastiana chegava antes, de trem, vinda de Santos para Ribeirão Pires ou para São Paulo, dependia da necessidade. Negra de carapinha curtíssima, olhar penetrante, trabalhadeira e amiga. Vejo-a no fogão à lenha, a mexer a sopa de feijão, ou a limpar o porco que, na véspera, grunhia no chiqueiro da Chácara Paraíso, palco de lindas roseiras onde fazíamos nossas “artes”. Poderia pintar a Bastiana sentada num canto da copa, pensativa, enquanto, em surdina, uma tia sapeca amarrava a coitada à cadeira, com as tiras do avental. Na hora em que a Bastiana se levantava, era gargalhada geral, inclusive dela. Em São Paulo, no pós 2ª guerra, ela nos socorreu por mais de mês; parece-me ouvi-la, aos berros, de madrugada, a expulsar um ladrão que forçava a porta de casa. Eta negra corajosa!
Na minha fase adulta, houve uma Áurea singular: cafuza, baixa, gordinha, carrancuda, mas bondosa, trabalhou conosco nos anos sessenta. Se o nome era devido à Lei Áurea (13 de maio de 1888), não sei. Com ela, uma analfabeta, aprendi estranha lição: a gente poderia engravidar, ter filhos e continuar virgem. Seus gêmeos viviam no Asilo Anália Franco, em Santos. A mãe-virgem morava no emprego e só via os filhos aos domingos. Áurea, infeliz, sofrida, chegou e partiu, sem mais nem menos. Sumiu no mundo, deixando seu suor no nosso dia a dia corrido.
Que você, leitor, também tenha tido o privilégio de conviver com negras maternais, abnegadas, personagens de histórias deliciosas. Saudade delas!
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
quarta-feira, 29 de abril de 2015
Criançada de Ontem e de Hoje
A criançada de ontem e de hoje
Comparo a infância de meus meninos com a da criançada de agora e fico pasma, penalizada. A infância hoje é massacrada, assassina-se um tempo que não volta mais.
Revejo meus filhos brincando de Forte Apache... Espalhavam índios, cavalos, tendas pelo chão da sala, ajeitavam-se junto às miniaturas e, horas a fio, conversavam, comandavam, relinchavam gostosamente. Era um combate sadio, um descarregar de energia e criatividade. Vivenciavam uma luta inocente, divertida, mas sem alienação nem transferência de energia negativa para a vida real.
Revejo-os, junto comigo na praia, pulando amarelinha, caracol, jogando bola, empinando pipa. Ah, como era bom! E também junto ao pai, na pescaria, quando fazíamos piquenique lá no Alto da Serra, com direito à mesinha e tudo.
Ouço um deles, no nosso quintal, com pose de Ronnie Von, fazendo a pá de lixo de microfone, cantando para os vizinhos de casa. Ouço ainda as palmas dos amiguinhos...
Até nas brincadeiras de rua tudo era mais saudável, embora sempre haja algumas recordações negativas, inevitáveis em toda infância.
Hoje, como a meninada passa seus dias? Na companhia de brinquedos sofisticados e telinhas. Ali, não conversam nem criam. Tudo já vem pronto. O comando nas mãos inocentes faz de cada pimpolho o todo-poderoso, sensação que se transfere, com frequência assustadora, para a vida real. “Se eu domino o jogo, domino o mundo” – parece ser o pensamento da miudagem (gosto do termo português).
A meninada come e dorme com as telinhas a tiracolo. Se antes a TV era a vilã que bagunçava o convívio familiar, sobretudo as refeições, agora são as maquininhas de aparência inocente, porém com força de muralhas entre pais e filhos, para não dizer, entre todos os membros da família, já que, não raro, todos estão presentes apenas de corpo. As mentes vivem imantadas pelos jogos e redes virtuais. Vez ou outra, a comunicação entre eles se faz via internet, mesmo que estejam ombro a ombro, à mesa de um restaurante, por exemplo. A foto com o nome sofisticado de selfie ganha espaço, agora acompanhada do tal pau de selfie, mais um apetrecho para encher a bolsa da mulherada e o bolso do comerciante esperto, sempre de olho no produto que “é da ora”.
Não é à toa que a miudagem fica abobada, ao dar de frente, ao vivo e em cores, com coelhos, galináceos e outros bichinhos “normais” na infância de meus meninos. Fico extremamente feliz, quando observo uma cena em que pais e filhos aparecem assim, juntos, em brincadeiras, ou interagindo com a natureza – fauna e flora - , muitas vezes até alimentando animaizinhos, pescando, andando de charrete ou a cavalo.
Por experiência própria, tenho certeza de que a criançada que vivencia a infância com os familiares guardará, para sempre, cenas preciosas, ao passo que a pimpolhada das “telinhas” amargará, no futuro, um telão em branco, a título da infância mal vivida.
PS.: Por questão de justiça, devo penitenciar-me das críticas acima: graças às telinhas, “falo” mais com meus netos, tesouros da vida de qualquer avó.
minesprado@gmail.com.br
“Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br Extranews – 15/4/15
Nascimento e Morte
_ Mas você veio sozinha? – é o que ouço, constantemente, nas últimas décadas.
_ Vim sim. Afinal, nascemos e morremos sozinhos, não è? – retruco, nem sempre com toda a boa vontade do mundo.
Essa indagação me irrita, até parece que estou ali, cometendo um pecado mortal. Quando digo “ali”, pode ser qualquer lugar: teatro, cinema, velório, baile, almoço, jantar, aniversário, consultório médico, hospital, praça e Banda Dona Gabriela, desfile, excursão, hotel, boteco, avião, viação interestadual, rodovias, ônibus londrino, museu americano, Câmara Municipal etc., tanto faz. Com tal explanação pode ser que eu seja julgada antissocial, neurótica ou sei lá. Nada a ver e, deixo claro: isso não me preocupa nem um tico. Adoro estar entre amigos, amo conhecer pessoas de qualquer nível socioeconômico, sobretudo de outras culturas, seja no Brasil, seja no exterior. Na Folha de S. Paulo há uma enquete semanal: “Fui e voltaria” ou “Fui e não voltaria”. Alguns leitores devem conhecer essa matéria. Muitas vezes, a resposta é positiva, pois a pessoa foi a algum lugar e afirma, com todo o entusiasmo, que lá voltaria; outras, a resposta é categórica - foi e não voltaria. Claro que sempre há justificativas para as respostas, mas quem sabe o motivo seja a companhia errada. Não sei se o leitor concorda comigo: em certas situações, se estamos desacompanhados, principalmente em viagens, há a chance de curtir muito mais o momento, o local, explorar a situação à vontade, inclusive fazer amigos inusitados e até para o resto da vida. Esse encontro pode acontecer tanto no supermercado, no hospital, na loja, no meio do mato ou num táxi londrino, certo? Assim, vejo a reação de certas gentes como sintoma de insegurança e/ou preconceito. Para elas, é quase um sacrilégio uma mulher solita, onde quer que seja. Interessante que, raramente, alguém questiona um homem por estar sozinho. Ao contrário, é “normal”. Pode até ser que, em relação ao sexo oposto, o cidadão seja alvo de estranhamento. “De certo não gosta de mulher, é gay!” e outras ignorâncias. Mas seu aparente isolamento não atrai tanta curiosidade como o da mulher. Em certas ocasiões, mulher desacompanhada é ímã para todo tipo de observação, para não dizer reprovação. Ridículo isso, em pleno século 21, em que o elemento feminino ocupa cargos antes só atribuídos ao sexo “forte”. Recentemente, li: “Ministra Maria Elizabeth Rocha, primeira mulher a ocupar o cargo de presidente do Superior Tribunal Militar.” Resumindo: se, no nascimento e na “última grande lição” - a morte -, momentos únicos e indelegáveis, somos alunos solitários, parece lógico e natural que uma mulher esteja, bela e formosa, sozinha, onde quer que seja, sem ninguém se achar no direito de ali meter a colher... minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br Publicação Extranews - 22/4/15
_ Vim sim. Afinal, nascemos e morremos sozinhos, não è? – retruco, nem sempre com toda a boa vontade do mundo.
Essa indagação me irrita, até parece que estou ali, cometendo um pecado mortal. Quando digo “ali”, pode ser qualquer lugar: teatro, cinema, velório, baile, almoço, jantar, aniversário, consultório médico, hospital, praça e Banda Dona Gabriela, desfile, excursão, hotel, boteco, avião, viação interestadual, rodovias, ônibus londrino, museu americano, Câmara Municipal etc., tanto faz. Com tal explanação pode ser que eu seja julgada antissocial, neurótica ou sei lá. Nada a ver e, deixo claro: isso não me preocupa nem um tico. Adoro estar entre amigos, amo conhecer pessoas de qualquer nível socioeconômico, sobretudo de outras culturas, seja no Brasil, seja no exterior. Na Folha de S. Paulo há uma enquete semanal: “Fui e voltaria” ou “Fui e não voltaria”. Alguns leitores devem conhecer essa matéria. Muitas vezes, a resposta é positiva, pois a pessoa foi a algum lugar e afirma, com todo o entusiasmo, que lá voltaria; outras, a resposta é categórica - foi e não voltaria. Claro que sempre há justificativas para as respostas, mas quem sabe o motivo seja a companhia errada. Não sei se o leitor concorda comigo: em certas situações, se estamos desacompanhados, principalmente em viagens, há a chance de curtir muito mais o momento, o local, explorar a situação à vontade, inclusive fazer amigos inusitados e até para o resto da vida. Esse encontro pode acontecer tanto no supermercado, no hospital, na loja, no meio do mato ou num táxi londrino, certo? Assim, vejo a reação de certas gentes como sintoma de insegurança e/ou preconceito. Para elas, é quase um sacrilégio uma mulher solita, onde quer que seja. Interessante que, raramente, alguém questiona um homem por estar sozinho. Ao contrário, é “normal”. Pode até ser que, em relação ao sexo oposto, o cidadão seja alvo de estranhamento. “De certo não gosta de mulher, é gay!” e outras ignorâncias. Mas seu aparente isolamento não atrai tanta curiosidade como o da mulher. Em certas ocasiões, mulher desacompanhada é ímã para todo tipo de observação, para não dizer reprovação. Ridículo isso, em pleno século 21, em que o elemento feminino ocupa cargos antes só atribuídos ao sexo “forte”. Recentemente, li: “Ministra Maria Elizabeth Rocha, primeira mulher a ocupar o cargo de presidente do Superior Tribunal Militar.” Resumindo: se, no nascimento e na “última grande lição” - a morte -, momentos únicos e indelegáveis, somos alunos solitários, parece lógico e natural que uma mulher esteja, bela e formosa, sozinha, onde quer que seja, sem ninguém se achar no direito de ali meter a colher... minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br Publicação Extranews - 22/4/15
O Beijo das Divas
O beijo das divas
Fernanda Montenegro e Natalia Timberg protagonizaram um beijo cheio de carinho, mas que está dando o que falar. Personagens da novela globesca – Babilônia -, elas encaram mais um desafio, cientes da reação de uma camada da sociedade que precisa aprender a lidar com a autenticidade das relações.
Beijo na boca sempre é uma manifestação que pode implicar amor ou simplesmente sexo (exceto nos países em que faz parte do cumprimento). Isso não é da nossa conta. O que pode acontecer é o beijo ser em público, o que demonstra pouca noção de privacidade. Afinal, há coisas que são íntimas, não precisamos expor à curiosidade alheia e às críticas ácidas.
É lindo ver um casal trocando carinho, mas é constrangedor assistir a atos muito íntimos. É como se estivéssemos devassando a vida do outro, fazendo papel da “janela indiscreta” (filmão de 1954, com James Stewart e Grace Kelly) .
A polêmica toda é porque o beijo das divas tem caráter homossexual, o que escandaliza parte de espectadores que, refestelados em seus sofás, junto com a miudagem (como dizem os portugueses), não quer “essas coisas” nas suas casas. Ora, não quer, basta apertar um botão, mudar de canal ou desligar a tevê. Ou estabelecer limites para a criançada – lugar de pirralhos não é em frente à telinha, assistindo à novela de gente grande. É no meio dos brinquedos, da boa leitura, da lição de casa, dos amigos. E mais: o lugar deles deveria ser, também, longe dos jogos e filmes violentos.
A opção sexual é personalíssima. Não nos cabe meter a colher. Merece respeito, mesmo sem aceitação. Aliás, toda opção, fruto do livre arbítrio, tem que ser respeitada. O piloto que, segundo conclusão das investigações, jogou o avião contra os Alpes franceses, a fim de dar cabo da vida, exerceu a liberdade de escolha, que deve ser acatada. Entretanto, não era seu direito levar à morte todos os tripulantes e passageiros que, claro, nada tinham a ver com a atitude suicida dele. Entra aí, com plena justificativa, nossa indignação e nosso lamento, ante de uma mente doentia e solitária, capaz de tamanha barbaridade.
Àqueles que não têm respeito pela preferência alheia, é bom enfatizar que, dentro da própria família, podem existir questões de homossexualidade, às quais não devemos dar as costas, sob pena de se constituírem mundos à parte, na mesma casa, ou até de vidas serem perdidas, devido ao preconceito, à incompreensão e à intolerância.
Ao que parece, as divas Fernanda e Natália querem dar arremate às respectivas carreiras, dizendo, triunfalmente: “Protagonizamos de tudo, sem perder nossa dignidade.”
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
Publicação Extranews - 8/4/15
Briga de Foice
Briga de foice
Se há algo irritante é tentar, quinhentas vezes, sem sucesso, abrir alguma coisa de que se necessite com urgência, como uma garrafa d’água geladinha, quando se está morto de sede. As benditas tampas da maioria das embalagens de hoje desafiam todas as leis da força. “É questão de jeito” – palpite infeliz. E o desajeitado como faz?
Há tempos, escrevi sobre a dificuldade de abrir saquinhos plásticos e outras coisas mais. E nada mudou. Entra ano sai ano e latas, garrafas, sacos, tubos, papel higiênico, tudo continua a debochar da nossa paciência, ou melhor, dos nossos dedos.
Dia destes, fui abrir uma latinha de Coca e quebrei aquela linguinha que deve ser puxada com o maior cuidado, para não dar banho nos outros. Precisei pedir ajuda a um amigo, envergonhada pelos dedos desastrados. Cometo o mesmo pecado, com lata de sardinha – a linguinha quebra; então tenho que me valer do abridor, melecando a mão no óleo “cheiroso”... Dependendo da hora, olho bem pra lata e a devolvo ao armário. Aliás, faço isso com muita coisa que, já sei, vai provocar meu mau-jeito.
E rolha das garrafas de vinho? Você põe um vinho branco seco para gelar, enquanto assa um peixe no capricho. O peixe pronto, o cheirinho a lhe provocar água na boca, você pega o vinho já gelado e o saca-rolha. Tenho um que adoro, pois não exige tanto esforço e ainda garante a rolha sã e salva, para depois vedar a sobra do vinho. Um porém – a rolha deve ser de boa qualidade, caso contrário esfarela ou fica encalhada no saca-rolha. Aí entra o desafio. Outro dia, topei com uma rolha fajuta, mas consegui tirá-la bonitinha. Só que não conseguia retirá-la do saca-rolha. Apoie-o na pia, espetei uma faca na rolha, para dar firmeza à operação, nada! Por fim, imaginem que cena mais ridícula e desajuizada: segurei a rolha com meus dentes, com a ponta do saca-rolhas “encarando-me”, fui girando o bendito, até que saquei a malandra. Já pensaram eu arrebentar a boca com um saca-rolha? Que explicação daria no Pronto Socorro desta terrinha? Aliás, com a boca arrebentada, não poderia explicar nada.
Tenho bronca de garrafa “pet”. Quando peço uma água já me vitimizo:”Por favor, abre pra mim?” O nó é quando não tenho pra quem pedir. Tarde destas me bateu uma vontade doida de Coca com limão. É raríssimo ter refrigerante em casa, mas havia sobrado algum do meu niver. Animei-me, cortei “meu” limão, peguei uma Coca geladinha, hermeticamente fechada. “Força nessa mão, Maria Inês!” Nem com pano nem sem pano, a porcaria da tampa se mexia. “Melhor pôr de volta na geladeira, a meninada toma quando vier por aqui.” Não, não ia desistir. Deitei a garrafa na mesa de cirurgia (ops, na pia), com “boca” virada para a parede (banho de coca, jamais!), e simplesmente serrei a bendita tampa, até que cedesse. Quando percebi o barulhinho do ar saindo, ah, que vitória. Com a ponta da faca fiz o resto da operação “abre pet”. E matei minha vontade e sede, sem vergonha de ser feliz.
Agora, pergunto ao paciente leitor que, talvez, ache que desperdicei este espaço com bobagens: “Neste mundo de conflitos terríveis, desde guerras a terremotos, passando pelas balas perdidas que fazem vítimas a toda hora, é cabível ter que guerrear com coisinhas mal projetadas, para usufruir uma mera sardinha, uma bebida ou coisa assim?”
Cada um se vira como pode. É tragicômica essa briga de foice, mas fazer o quê?
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
Publicação Extranews, 29/4/15
quarta-feira, 25 de março de 2015
A ficha ainda não caiu (Extranews: 25/3/2015)
A ficha ainda não caiu
Expressão que vive no cotidiano, quando há morte por causa não natural, como violência, suicídio, acidente, “a ficha ainda não caiu”, dita por um familiar ou amigo próximo do morto, significa que a realidade ainda não foi digerida, assimilada.
Mas será que, referir-se desse modo à perda irreparável, não é banalizá-la demais? Se bem que, hoje, é comum a notícia de morte estúpida ser veiculada, discretamente, como se sua importância fosse nenhuma. Afinal, é “só” mais alguém que se vai. Só morre quem, está vivo, não é? Depois de certo alarido e especulações, a vida continua. A tragédia vai pra gaveta, a solidariedade escasseia e ponto final. O mesmo acontece com boa parcela dos inquéritos e processos decorrentes desses casos.
Semana passada, fiquei muito triste com o suicídio de três jovens, por enforcamento – um, em São João da Boa Vista, e os outros, em cidades vizinhas. Com a vida toda em aberto, por que fugiram dela? Insegurança, desamor, drogas ou, como se levantou a hipótese, influência de algum jogo virtual? Seja lá o que for, é extremamente grave a perda de botões mal desabrochados. A comunidade (fala-se tanto nela!) deveria mobilizar-se, para prevenir vidas ceifadas assim. Talvez falte diálogo nas famílias, talvez a atenção esteja desviado para o afã de acumular bens materiais, em detrimento de cultivar confiança e amor entre pais e filhos. Não sei.
A propósito, um funcionário do cemitério desta terrinha desabafa: “Falta vara de marmelo pra essa criançada. Hoje, ninguém pode com os filhos: trancam-se no quarto, com as telinhas, fazendo sabe-se deus o quê, e ninguém tira eles de lá. Dá nisso! No meu tempo, a vara de marmelo funcionava em casa e na escola. Hoje, é a professora que não presta, a escola que é ruim. Qualquer coisa é Conselho Tutelar! Tem que baixar a maioridade penal para 12 anos; fez coisa errada, vai pra cadeia e pronto!”
A coisa está feia: uns jovens tiram a própria vida, outros, perdem-na bestamente. Há dias, a Folha de São Paulo, trouxe notícia escondida no Cotidiano: uma idosa sentada à porta e um garoto que empinava pipa foram vítimas de balsa perdidas, numa zona do Rio, onde há conflitos diários entre traficantes e policiais. Fatos como esse se tornaram “arroz com feijão”, mal são notícia na imprensa e na TV, pois não vendem jornal nem vitaminam Ibope.
Por outro lado, é estranho que condenados à morte causem manifestações diversas, tanto nas pessoas como nos meios de comunicação: o fato de um brasileiro estar à espera de execução na Indonésia merece destaque frequente, nos jornais e nas conversas. Em compensação, mortos por bala perdida podem se multiplicar, que mal atraem repórteres ou cutucam a consciência alheia. Já a execução de um brasileiro sempre é manchete, pois retrata a impotência política, diante da soberania de outro país.
Em qualquer morte trágica, é comum repórteres idiotizados indagarem às pessoas enlutadas: “Como se sente, diante da perda de x?” E lá vem a resposta: ”A ficha ainda não caiu.” Na verdade, a indagação é imprópria, pois óbvio que vidas perdidas causam muita dor; não menos imprópria a resposta. Há dores que nenhuma palavra explica.
Que a ficha não caia, quando se obtém reprovação no vestibular ou se perde o voo, tudo bem. Mas, em relação ao vazio e à dor deixados pela morte, a expressão é infeliz.
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br
quinta-feira, 19 de março de 2015
Colírio para as mulheres (Extranews de 11/3/15)
Colírio pras mulheres
A sessão de hidro está animada. Conversas cruzadas, risos entremeados com o comando da fessora, ou melhor, da fisioterapeuta sorridente, mas enérgica na medida certa. Quando a turma pensa que a profissional simpática e eficiente está noutro planeta, lá vem ela:
_ Dona Maricota, já fez pra trás, pra frente, abriu pros lados?
Essas chamadas dão um breque geral no papo, logo retomado:
_ Ué, o “colírio” não veio hoje, por quê? Quando ele vem, isso aqui é festa...
_ Colírio? Que história é essa? Me contem – pede uma madurona atenta.
_ Ah, sabe aquele cidadão assim e assado, seu fulano? Pois dona Zita fala que ele é um “colírio” pros olhos dela – explica a fisio, aproveitando que, naquele dia, só há mulheres fazendo hidro.
Fantasia, não tem idade. Nenhum jovem que ouvisse tal comentário acreditaria que aquelas brincalhonas ainda têm interesse e admiração pelo sexo oposto e que, nos próprios sonhos, fazem viagens incríveis. Que riem como mocinhas entusiasmadas, contando sobre o primeiro paquera, o primeiro namorico.
Para algumas cabeças estreitas, as meninas-velhas são assanhadas, retardadas e talvez contaminadas pelo “alemão” (esclerose já caiu em desuso). Esses eternos críticos de tudo e de todos nada entendem da alma feminina. São nulos em psicologia e em todas as ciências que explicam algo tão simples: mulher só envelhece por fora. Mulher, por dentro, é mulher a vida inteira, apenas mais seletiva. Seu coração tem paixão latente, seu cérebro é capaz de devaneios incríveis, seus desejos estão vivos, embora mais tranquilos.
A mulher de agora, bem mais informada e autoconfiante do que a do século passado, só não compreende muito bem os meninos-idosos de hoje. Questiona, por exemplo, qual o diálogo que rola entre um senhorzão e uma garota que poderia ser filha ou neta dele. Muita gente argumentará: “Você acha que eles querem saber de altos papos, querem discutir política, islamismo, família etc. com uma ‘gata”? Ah, como você é tola! Eles querem é outra coisa...” É assim: a mulher madura que cai na asneira de comentar esse descompasso de idade em inúmeros pares é debochada, tachada de preconceituosa, despeitada e outros adjetivos pesados. Mas que é uma doideira um cara de setenta com uma garota de vinte, isso é. Claro que gosto não se discute, respeita-se.
O mês de março chegou. O Dia da Mulher vem aí. Flores, pra ela! Uma lembrancinha, um cartão no capricho, uma surpresa, qualquer coisa simples a faz feliz. E não deve ser somente no dia 8 de março, porque todo santo dia é dia dela, seja ela casada,descasada, solteirona, mãe, avó, tia. Toda mulher tem uma pitada de Amélia: ela lava, passa, cozinha, limpa, faz dengos pra todo mundo, chamego pro marido, companheiro ou seja lá o que for, é voluntária, benemérita, catequista, profissional liberal, empregada dos outros e muito mais. É bom reforçar que todas encontram brecha para sonhar com um “colírio” que pinte por aí, em qualquer lugar: hidro, supermercado, telhado do vizinho, velório, teatro, sala de espera, filmes, novelas.
Uma certeza: ninguém e nada alterará este fato: mulher nasce e morre mulher, a menos que ela mude de ideia e queira ser “ele”. E viva ela!
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br
Senhoras e senhores bailarinos - publicação Extranews -18/3/15
Senhoras e senhores bailarinos
Diz-se que “a alma de bailarina é feita de poesia”, será? Penso nos antigos bailes, com nostalgia e vontade de ressuscitá-los, inová-los.
Era rico o tempo dos salões de mármore, com orquestras espetaculares e gente feliz a bailar. Era romântico o arrasta-pé na roça, com sanfona e viola caipira! Pena que essa maravilha já era. A realidade de hoje precisa de trato, para que a dança de salão, remédio para corpo e alma, não morra. Por ora, os bailes pedem socorro.
Os pés de valsa viraram o século, agarrados a um passado que incluía bailinho familiar, noite curta (às 23 horas, todo mundo em casa), meninas com irmão ou primo a tiracolo, até ganharem certa autonomia, após o debút. Já os garotos faziam tudo mais cedo, eram os “tais” e pegavam no nosso pé o tempo todo.
Bailes de gente grande só após os dezoito anos. Quantos suspiros pela vontade de estar neles! A pressa era muita, não se sabia que o tempo voa e os cabelos branqueiam.
E cá estamos nos bailes da velha guarda, frequentados também por alguma moçada que curte samba, bolero, rancheira, salsa, valsa, forró e outras delicias. Só que esses bailes agonizam, por falta das brincadeiras que os animavam e atraiam vasto público.
De uma das brincadeiras, guardo passagem memorável: num baile, foi anunciado que as damas escolheriam seu par. Minha cabeça fez uma seleção relâmpago. Determinada a tirar um pé de valsa nota dez, mal dado o sinal para o inicio da dança, saí feito um raio na direção do eleito. Na verdade, não confiava no meu potencial; achei que perderia a corrida para outras damas, já que o sujeito era muito requisitado. Pois, acreditem, fui a primeirona. Pena que essa inovação morreu na praia. E outras danças mais bem sucedidas também foram pro brejo. A das damas segurando uma rosa ou sombrinha, que passavam para outras damas, desfazendo os pares, era ótima. Quando a música acabava, a dama que sobrasse com a flor ou a sombrinha na mão teria que encarar, sozinha, um frevo. A dança do sino era uma pândega: pares em roda imensa, com um sineiro no centro. A orquestra tocava, com interrupções abruptas, para troca de pares, na sequência da roda. Nessa dança, havia um cavalheiro que, ao topar comigo, dizia: “Lá vem o breque!”. Isso porque o tal gostava de “agarrar”; então, eu lhe dava um chega pra lá, fincando o dedão esquerdo no ombro dele. Essa dança era divertida, pois quem bobeasse na troca, sobrava; mas também deixava a gente ansiosa, pela expectativa de dançar com alguém predileto. Numa cidade mineira, era famosa a dança da vassoura: no fim da música, o cavaleiro que ficasse com a vassoura na mão, pagava multa. Os sovinas voavam pelo salão, trocando vassoura por dama que mal escolhiam.
Época formidável! Todo baile acabava com gosto de quero mais...
Ao desenterrar “causos” que provocam tanta saudade, dou-lhes uma dica:
_ Retomem essas brincadeiras, senhoras e senhores bailarinos!
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
sábado, 28 de fevereiro de 2015
O cidadão e a Câmara Municipal
O cidadão e a Câmara Municipal
Para os brasileiros, 2015 começa agora. Foram-se as férias, a correria para matriculas e compra de material escolar, a dor de cabeça com IPVA.Outros “Is” logo chegam, Foram-se o carnaval e a ressaca. Fica o saldo da gastança. Agora é entrar nos trilhos e bom trabalho, antes que o ano acabe e não se tenha saído do lugar.
E como tudo tem que andar, as câmaras municipais também retomam as sessões semanais. Aqui na terrinha, às segundas-feiras, os vereadores se reúnem para a sessão ordinária, como representantes do povo. Mas cadê o povo? Um pulo à prefeitura local, lá pelas 19h30, justifica minha indagação. Apenas uns gatos pingados no auditório.
Nas ruas, reclamações de cidadãos chovem o tempo todo. Dedo em riste, acusam os edis de nada fazerem em prol do bem comum. Fofocas sobre eles correm a cidade, multiplicadas, distorcidas, levianas. Será que essa atitude tem a ver com cidadania?
Cidadania é sinônimo de direitos e deveres; ex.: todo individuo tem direito à saúde, mas tem o dever de manter a moradia dele em condições que não favoreçam a procriação do aedes aegypti, conhecido como o mosquito-da-dengue. Os cuidados devem ser permanentes, para o bem do próprio indivíduo, de sua família e da comunidade em que vive.
Num regime democrático, são inúmeros os direitos e deveres do cidadão que exigem exercício e reivindicação, em nome da cidadania. No campo político, ser eleitor e votar não basta. É preciso muito mais do que choramingar no ombro de um vereador amigo, a fim de obter “favores”. O eleitor deve esmiuçar o perfil do candidato em quem pretender investir o voto. Se seu candidato for eleito, é preciso acompanhar, com lupa, seu desempenho na defesa dos interesses públicos. Para isso, o comparecimento às sessões da câmara municipal é imprescindível. Verificar o comparecimento e a atuação do vereador junto a seus pares, observar os assuntos em discussão, os deferimentos ou indeferimentos etc. é comportamento esperado de todo eleitor que pretenda exigir o retorno positivo do voto.
A meu ver, o sujeito que vota e se acomoda deveria ter a decência/coerência de ficar de boca fechada, sem nada reclamar. É cabível comportar-se como o aluno que não acompanha as aulas e, depois, rouba o tempo do professor, com perguntas indevidas, em prejuízo dos colegas? É justo alunos aplicados não tirarem dúvidas, por culpa de um “vagau”?
Fica, neste espaço, uma sugestão: cada bairro organize um grupo de eleitores que, em rodízio, compareçam sistematicamente às sessões do legislativo e anotem os temas em pauta, bem como se inscrevam, para apresentar reivindicações, em nome da comunidade, exercendo, ainda, o direito de cobrança das promessas feitas em campanha e de outras assumidas em plenário.
Afinal, “não se pode deixar barato” o valor do nosso voto.
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
minesprado@gmail.com.br
Fev./15
Publicação EXTRANEWS de 28/2/15
sábado, 21 de fevereiro de 2015
Vida longa ao Extranews
Vida longa ao Extranews
Todo mundo tem suas fraquezas. Uma das tantas que carrego é o medo de mudanças. Só que, com tantos anos no lombo, devo ter aprendido algumas lições. Uma delas é que mudanças são companheiras inseparáveis da vida, sejam elas quais forem.
Às vezes me questiono se esse medo tem a ver com a profissão de meu saudoso pai – bancário – e as transferências que forçavam a família a frequentes mudanças de casa: ora residíamos em Santos, ora, em São Paulo. Por isso, um dos meus irmãos era paulistano. E mudança de casa puxa mil mudanças, como a de escola, outro medo meu.
Evidentemente que esse vaivém nos levou a morar de todo jeito, às vezes bem, outras nem tanto. Em São Paulo, por exemplo, moramos num sobradinho simpático, mas sombrio, o que obrigava a secar roupas a ferro (memórias de menina, aos 4 anos). Em Santos, vivemos algum tempo num sobradão perto da praia, do qual já falei aqui, mas também moramos num apartamento na rua Sete de Setembro, região do Mercado Municipal (Bacia do Macuco), onde o cheiro de peixe impregnava tudo. O apartamento ficava em cima da agência em que papai era gerente. Tínhamos isenção de aluguel. Essa vantagem permitiu que a família numerosa tivesse vida razoável, materialmente, mas não restou saudade daquele cheiro de peixe “24 horas” e da rua mal frequentada, devido à proximidade com o cais.
Mas deixemos de lado as mudanças de casa e falemos de outras bem mais significativas: as causadas por perdas, ou melhor, pelas lambadas da vida. Para encará-las, sem que nos verguem, é preciso ter boa reserva de forças e fé.
E é em razão de perda irreparável que nasce o Extranews. Eu diria que nosso combativo Bolinha canalizou sua dor, transformando-a em algo positivo, não só para ele, mas para toda a comunidade sanjoanense: um tabloide abrangente, colorido, moderno e, o melhor, grátis. Sei que chegar ao Extranews exigiu esforço hercúleo, sob todos os prismas. Mas estou certa de que o passo de gigante dado pelo nosso comandante provoca o inesquecível sorriso de quem tanto o amou e o quer em constante evolução. Porque amar é querer o bem do outro, para sempre e além desta passagem meteórica.
Assim, tenho orgulho de participar desta nova empreitada e o melhor, sem receio da mudança. O novo, quando traz ganhos evidentes, é um incentivo para o aprimoramento da criatividade.
Como colunista do “Cotidiano” desde 2006, inauguro a nona pasta com minhas colaborações, agora sob o título deste novo semanário. Vida longa ao Extranews!
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
minesprado@gmail.com
21/2/2015
segunda-feira, 26 de janeiro de 2015
Virote
Virote
O povo baiano tem, decididamente, algo de muito especial – vive a vida, sem pressa. Aliás, excelente a trova de Sergio Bernardo:
“O baiano odeia pressa e avisa, ao se machucar – se tiver que pôr compressa, que seja bem devagar.”
Você está na praia e bate a sede. Cadê o moço do coco? Ah, lá vem ele.
_Bom dia, moço, uma água de coco, por favor.
_ Olhe, dona, a minha acabou, mas busco uma rapidinho.
Pode contar que esse rapidinho levará, pelo menos, meia hora.
O baiano atravessa a avenida, ele e seu carrinho de mão. Vai longe, até a barraca de uma colega. Enche o carrinho de coco e volta, na maior tranquilidade. Nem passa pela sua cabeça que sede tem pressa.
Volta, ajeita os cocos na barraca dele. Escolhe um no capricho, pega a faca, faz uns cortes, segundo o ritual que só ele entende, até exibir a polpa branquinha que rodeia o espaço que ele, artista, cava como ninguém. Põe o canudinho para a turista chupar a água hidratante e muito nutritiva, segundo os entendidos. Então, oferece o coco geladinho à turista, com quem papeia, como se fosse velho conhecido.
_Moço, vocês são tão calmos, que coisa boa. Todo dia, faça sol ou chuva, aqui estão, aguentando a freguesia ou a calmaria, não é?
_ Ah, moça, baiano é assim, A gente trabalha de qualquer jeito. Até no virote.
_ Virote? Que é isso, moço?
_ Pois não sabe? _ele ri gostoso _ Virote é virar a noite, bebendo etc. e tal, e, cedinho, vir trabalhar numa boa. A gente se diverte, mas não deixa de trabalhar não. Isso aqui é a minha vida _ faz um gesto largo, abraçando a areia e o vasto mar azul e calmo.
Dali a pouco, é a vez do vendedor de queijo coalho. Ah, delícia das delícias! E se você sente que sua pressão está baixa, devido ao calor, ali está o melhor remédio.
_ Vai um queijinho aí, moça?
_ Pode ser um, mas bem tostadinho...
O morenão sarado ajeita um fogareiro improvisado na areia, na verdade um caldeirãozinho todo amassado, atiça a brasa, põe o espeto de queijo sobre o fogo e vai girando, girando, até ficar no ponto.
_ Pronto, moça. Tá bom assim ou quer mais passado?
_Obrigada, moço. Está do jeito que gosto. Muito bom! _ responde, passando cinco reais pro rapaz, já mordendo com gosto o queijo amorenado e molinho.
E lá se vai o baiano, num passo largado, perfazendo quilômetros a vender queijo. A rotina não lhe rouba a paciência e o bom humor.
É, o baiano sabe levar a vida. Festeiro, seu calendário é recheado o ano todo. Acolhedor, risonho, parece saber que, se tem que viver, que seja da melhor forma possível. Ou, como se diz, de modo inteligente. Se bem que o que é inteligente pra uns não o é pra outros. Mas isso é muito filosófico pra estragar o sabor do queijo coalho que, neste instante, me dá água na boca.
Melhor pensar no Vinicius, no Caymi e em tantos outros que, baianos de coração ou de berço, tanto se inspiraram nas maravilhas da Bahia e, na base do virote, por lá deixaram pegadas que a areia não apagará jamais.
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
minesprado@gmail.com
Jan./15
quarta-feira, 21 de janeiro de 2015
Eu sou brasileira
Eu sou brasileira
Quando determinado assunto invade a mídia, tal qual epidemia sem controle, você tem duas opções: deixar-se contaminar ou fazer greve de leitura de jornais e de noticiários televisivos.
Os escribas demonstram submissão, como se fosse obrigatório abordar e discutir , para não ficar à margem do que está no topo da mídia: agora é a hora e a vez de “Je suis Charlie” .
Por mim, digo apenas “Eu sou brasileira”, respeito a liberdade de expressão,conquista da qual nenhuma democracia pode abrir mão, o que não deve ser confundido com aplausos irrestritos a abordagens ofensivas, que acirram ânimos e provocam respostas funestas.
Sabe-se que a característica da charge é a ironia, a crítica de personalidades eminentes, porém o preço de extrapolar o bom senso pode ser alto, como aconteceu, agora, na França: profissionais assassinados friamente, por aqueles que se autodenominam vingadores dos ofendidos. E como violência puxa violência, o mundo assiste a uma série de fatos lastimáveis e irracionais, atrelados ao primeiro, disseminando o horror mundo afora.
Papa Francisco aí está, pregando a parcimônia, a paz, a vivência racional e equilibrada. Ao mesmo tempo, num ato de humildade, deixa claro que ele, como nós, é humano e tem reações próprias da nossa condição imperfeita: se ofendessem a mãe dele, sua reação seria um bom soco no ofensor. Ele, que não é hipócrita, pois pratica o que prega, não traz à baila a passagem de “darmos a outra face”. Por que o mundo vira as costas para os rogos de Francisco e se deixa levar pela brutalidade e ignorância?
É sabido que publicações têm o objetivo de tiragens homéricas, mas a que preço? Se Charlie Hebdo já vendia bastante, venderá mais ainda agora, pois, à consternação de suas perdas junta-se a determinação de injuriar, ridicularizar, provocar, como se onipotente fosse. O povo solidário se ajoelha ante a tragédia sofrida pelo jornal francês, sem se dar conta de que provocações a grupos extremistas, não dispostos a reflexões embasadas na regra “do vale tudo” na liberdade de expressão, têm consequências funestas e ilimitadas.
Estranho que o Brasil tenha tanta legislação com foco na homofobia, homossexualidade, racismo e outras, se boa parcela dos críticos de plantão dispensa a sensatez na liberdade de expressão. E quem não a aceita deve estar preparado e ser responsável pelas consequências.
“Eu sou brasileira” e a favor da premissa: o respeito é peremptório em qualquer situação, sobretudo na discordância.
M. Inês Prado
Jan/15
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
minesprado@gmail.com
domingo, 18 de janeiro de 2015
Ares de Itapuã
Ares de Itapuã
Estes rabiscos têm cheiro de Vinicius de Moraes e Gesse, cuja foto de 1974 está aqui diante de mim. Num folder, toda a descrição poética da casa em que o poeta viveu com a amada Gesse:
“Aí está, Amiga, a casa/Pronta, a porta aberta, a mesa/Posta: uma casa feita/De canções cantadas por todo o Brasil/Com abatimento para estudantes/Aí está ela, Amada, projetada sobre o oceano, e cuja quietude/ É perturbada pelo marulho constante/Das ondas que espadanam rendas brancas/Nas negras rochas de Itapuã: a pedra que ronca/Em língua tupi. Jamilson Pedra/ E Silvio Robatto, os arquitetos.” (trecho do folder)
“A Casa di Vina”, restaurada, localiza-se na praia de Itapuã e hoje é o restaurante do Mar Brasil Hotel, vizinho do poetinha.
Em ares praianos, o pensamento mal se fixa em algum tema. Sempre noto isso, mas nunca entendi muito bem o porquê. Na verdade a gente fica igual passarinho, voando pra lá e pra cá, mesmo ao mirar o horizonte, onde mar e céu protagonizam o beijo eterno. Ou, como quer Vinicius: ”Os olhos pousados nos horizontes azuis do mar-oceano [...]”
E falando em passarinho, é divertido tomar café da manhã, com um olho nos coqueiros ou na praia e outro em alguns espertinhos tentando pescar migalhas de um prato por recolher. Jeitosos nas investidas, logo conseguem o que querem e lá se vão para outras áreas.
A leitura do jornal está atrasada. Confesso que passo batido pelas manchetes que se repetem: corrupção, delação, prisões e todo o menu que o leitor conhece. Recuso-me a engolir tanta coisa indigesta e repetitiva. Ainda ontem ou hoje o Carlos Heitor Cony, colaborador da Folha, escreveu que assuntos não faltam. Eu completo: talvez falte é vontade de chover no molhado, cair na mesmice. E ficar triste.
Coincidência ou não, troquei a leitura dos jornais pelo “Romance sem palavras”, desse excepcional cronista. Desconhecia a obra publicada em 1999 pela Companhia das Letras. Foi uma grata surpresa que me esperava nas estantes do saguão do hotel. Surpresa não só por não a conhecer, mas pelo tema do romance: no final da década de 60, a militância política entrelaça as vidas de Beto, Iracema e João Marcos, que, trinta anos mais tarde, continuam a se encontrar.
O enredo tem traços autobiográficos, pois Cony foi também vítima da ditadura, esteve preso, foi exilado e testemunhou muito do que, hoje, está sendo desencavado pela Comissão da Verdade. Por isso mesmo, ele tem se manifestado, amiúde, a respeito da loucura de quem pretende ver restabelecida a ordem no país, através de governança militar. Ele e outros que provaram do fel julgam que somente aqueles que não conviveram com o “regime” cometem o equívoco atabalhoado de ver solução em tal caminho.
Assim, com essa leitura, me penitencio por desprezar os jornais. De resto, me delicio com um pouco de tudo que a Bahia oferece, com acréscimo da companhia valiosa dos netos a um pulinho daqui, ora na praia, ora jogando varetas ou fazendo cruzadas, caminhada, ora no dolce far niente.
Um sopro dos ares de Itapuã pra todo mundo da terrinha.
Dez,/14
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
minesprado@gmail.com.br
quinta-feira, 15 de janeiro de 2015
A rena e o Alzheimer
A rena e o Alzheimer
Três da matina. Ela cantarola um bolero, depois de um belo banho, leite morno e todo o ritual que cumpre, não importa a hora. O calor está infernal. Liga o ventilador. A chuva que caíra horas antes nada refrescara. Ainda bem que fora dançar. Já que era para suar, que fosse dançando. Como acaba de ler no Facebook, “a música é a melhor sobremesa da vida”.
Está prestes a apagar a luz do quarto, quando nota que há dois sons no quarto: um, do ventilador, mas o outro? Apura os ouvidos. O som de motorzinho vem do maleiro do closet. Mas que absurdo é esse? Algo acionado ali, como? Pensa na cozinha. Parede com parede, quem sabe seja o barulho da geladeira em funcionamento que repercuta no silêncio da noite. Sabe que não dormirá com mais de um zummmm; o do ventilador já basta. Tem que descobrir a causa do tal zum. Nunca fora mulher de aguardar, de braços cruzados, a solução das coisas.
Além disso, pinta outra preocupação: seria o prenúncio de uma explosão. Lembra o comentário infeliz de um pintor que trabalhara na obra da casa dela: “ Dona, com tanta grade, se tiver um incêndio aqui, a senhora não terá como escapar!” Ora bolas, que palpite infeliz! Ela odiava grades, mas a realidade a obrigara a instalá-las na casa toda. Sujeito pessimista aquele!
O perfil dela não é, decididamente, de ficar na incerteza. Tem que descobrir o que está causando o tal barulho. Depois de ir à cozinha, conferir o “sono profundo” da geladeira, volta ao quarto, desliga o ventilador e interruptores, mas nada! O zum infernal persiste. Pega a escadinha de quatro degraus – aquela que os filhos já pediram para não usar - , monta-a junto ao closet, sobe. O barulho está ali no nariz dela, vem de um saco que ela apalpa e identifica um enfeite natalino, algo de pelúcia, só não lembra o quê. Joga o saco no chão. O barulho cessa incontinenti. Desce da escada, sacode o saco. Uma rena malandra, bem colorida, dá as caras. A tampa do buraco embaixo da engenhoca se abre, deixando à mostra as pilhas que a acionam. Ufa! O enigma está decifrado, embora mal explicado. Será que a rena quisera se vingar dela, por não ter saído da toca, no último natal?
Ela retira as pilhas, recordando o tempo enorme que desperdiçara, havia mais de ano, na tentativa de tirá-las do compartimento, com uma chavinha da espessura duma agulha. Volta a rena mal comportada ao saco. Sobe de novo a escada, ajeita o pacote e pronto: que aquela coisa “made in China” durma em paz até um próximo natal.
Quatro da matina. Deita-se, lamentando não haver ninguém por perto, para rir com ela. Cada uma que lhe acontece! E sempre fora de hora!
Aliviada por ter calado a rena, conclui que, por ora, ainda não era vítima do “alemão”. A prova era cabal: passado mais de um ano, a cena da rena coloridíssima, de pernas pro ar, e da briga inútil de mãos desajeitadas com a chavinha versus parafuso mínimo, para retirada das pilhas arteiras, estava vivíssima na sua cabeça. Na ocasião, ela perdera a parada. Agora, não.
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
Jan./15
sábado, 10 de janeiro de 2015
Inocência conspurcada
Inocência conspurcada
Nem tudo que é legal é moral. Assim, nos Estados Unidos o comércio de armas é facilitado pela legislação, de tal modo que não causa estranheza o cidadão comum exibir uma, desde que tenha porte de arma. É raro detectar famílias que não possuem arma de fogo em casa. Daí tantos crimes envolvendo jovens e crianças, pois o fácil acesso a tais artefatos é o ponto de partida para desatinos e/ou acidentes irreversíveis.
Nos último dia de 2014, o Jornal da Globo noticiou que, nos Estados Unidos, um garotinho de apenas dois anos assassinara a mãe, com um revólver que estava na bolsa dela. Segundo consta, mãe e filho estavam no supermercado, quando o menino, sentado no carrinho de compras, retirou da bolsa da mãe uma arma e atirou. Simples, não? A reportagem observa que a moça tinha porte de arma. E agora?
Dia seguinte, o 1º do Ano, busquei notícias nos jornais e nada encontrei. Talvez seja intencional a política americana evitar a divulgação de tragédias como a acima relatada. Acredito que haja uma lista imensa de casos com acidentes graves ou homicídios culposos (sem intenção de matar), envolvendo armamento encontrado na maioria das residências americanas. Sob o pretexto do direito à defesa, a legislação por lá parece intocável, quase um tabu.
Não tenho a mínima ideia de quem seja esse pequeno infeliz, cuja vida começa de modo absurdamente trágico: é um matricida! Como se fará seu desenvolvimento, a partir do instante fatídico em que pegou um objeto letal como pegaria um chocalho? Ao balear a mãe, a imagem ficará impregnada nos seus neurônios pelo resto da vida. Como lidará com isso? Como a sociedade reagirá? Será, apenas, mais um número no registro infinito de mortes acidentais por arma de fogo? Fatalidade, dirão alguns. Não, não é: ao portar uma arma de fogo, pronta para seu acionada, assume-se o risco de ser partícipe ou conivente em fatos irreparáveis.
Longe de mim por meu nariz onde não sou chamada; o americano me recomendaria: “Don’t put your nose, please!”. Mas, já que a terra do Tio Sam preza tanto os Direitos Humanos, deveria, com urgência, reformar as leis sobre tal questão.
Causa arrepios imaginar um bebê (poucos anos atrás, assim se considerava uma criança de dois anos) como protagonista involuntário de cena dantesca, tendo a inocência conspurcada pelo matricídio, por culpa exclusiva da estupidez do adulto que não vacila em possuir arma, porque tem amparo legal. A indignação é tamanha que não encontra eco no meu vocabulário. E, tenho certeza, em nenhuma cabeça razoavelmente centrada. Que Deus ajude esse pequeno, vítima da insensatez alheia!
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
Jan/15
Assinar:
Postagens (Atom)