sábado, 6 de dezembro de 2014

É "da hora"

É “da hora” Seresta e muito mais, em estação ferroviária, combina com poesia, é lazer garantido. Com ar fresco, luar, plateia descontraída, fica melhor ainda. E lá estávamos nós. Afinal, o futuro está encolhendo rapidinho, há que se aproveitar tudo de bom ao nosso alcance. Só que nada é perfeito. Logo após o inicio do evento, minha amiga e eu ficamos incomodadas com gente conversadeira por perto. Então, revezamos olhares feios para trás. Tentativa vã. Como estávamos ali para curtir música – conversa só nos intervalos –, resolvemos mudar de lugar. Fomos pro lado oposto, certas de nos livrarmos do blá-blá-blá inconveniente. Mera ilusão, pois lá outro grupo também papeava e ria alto. Que chatice a falta de educação! Eu havia notado um cidadão de pé, perto do local em que nos instalamos. Música vai, música vem, eis que o sujeito senta-se ao meu lado. E ai eu é que, contrariada, tive que conversar, ou melhor, responder a perguntas. De onde eu era, qual meu nome, se era viúva, tinha filhos, netos, se tinha problema na perna etc. O sujeito se animou, o questionário não tinha fim. Dei a entender que não era hora de papear. “Estou falando baixinho”, justificou ele. Cai na asneira de dizer que meu problema não era na perna, mas no pé. Pra quê! Aí que choveram indagações: caiu, quebrou? Expliquei em duas palavras e fixei o olhar na apresentação, deixando claro que não queria papo nenhum. Pior ainda. Ele desandou a propor a cura do meu pé, com reza, arruda, alecrim, água. Será que eu não acreditava em Nossa Senhora Aparecida? Claro que sim, mostrei-lhe a medalha herdada de meu amado pai. “Olhe, já curei mais de mil pessoas e não cobro nada, viu? Três sessões e você fica boa” _ insistiu ele. Eu disse que não havia tempo, que logo viajaria, mas que rezasse por mim. Que burrada! Ele agarrou-se à brecha: “Não, tem que ser pessoalmente. Garanto, curo seu pé, assim você viaja sem dor...” A toda hora eu pedia: “Psiu! Agora não pode conversar...” Inútil. Puxava outro assunto. Até que passou a falar da vida dele, do que fazia, dos jipes e motos que tinha e do que gostava: fazer trilha, pular de asa delta, paraquedas, esportes radicais. Por fim, ousou: _ Olhe, vamos dar um rolê, amanhã, andar de moto? É “da hora”! Não acreditei no que estava ouvindo. Em plena seresta, eu, uma setuagenária, sendo convidada a dar um rolê? E de moto? Ele garantiu que teria cuidado, iríamos devagarzinho, apreciando a natureza... Será que pareço assim tão simplória? Só me livrei desse apuro quando o público foi convidado a cantar e dançar. O tagarela quis me levar para um bolerão. Não topei, falei que preferia outros ritmos. Entre parênteses: ele havia dito que dançava qualquer coisa. Enfim, a única saída para não continuar a ouvir uma ladainha maluca foi dançar tudo que veio após o bolero. Como previ, ele não dançava nada, pulava feito cabrito. Entretanto, fingi que estava satisfeita com o par, dancei todas, procurando impor certa distância. Pelo menos, escapei das propostas de reza, rolê e de outras coisas “da hora”. Como se diz: eu mereço! Sim, mereço rir muito das “graças” desta vida. Afinal, viver com seriedade o tempo todo faz mal. Mas não tenho dúvida que esses lances tragicômicos se encaixam direitinho na verdade pescada no Face: “A música me dá a calma que o mundo tira.” Em tempo, faço justiça: o carinha é cavalheiro, segura a cadeira pra dama não sentar no chão e até ajeita o casaco que a gente joga nas costas pra não se resfriar... Atchim! minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br Dez./14 Publicação no Extra : 6/12/14