domingo, 2 de novembro de 2014

Fios do cotidiano

Fios do cotidiano Fios, no sentido literal, sempre me irritam. Refiro-me àqueles imprescindíveis para a conexão das tantas engenhocas que movimentam o nosso viver: enrolados, embolados, no rés do chão, atrapalhando a limpeza da casa, desafiam qualquer bom humor. Nem preciso dizer como ficamos, se estamos com pressa para ligar algo e a coisa não funciona. Justo na hora da urgência, o fio faz graça, dá problema ou está embaraçado. Ainda bem que pilhas e baterias vêm desbancando os desajeitados, mas cheios de empáfia. Creio que, em toda família, há amantes dos fios, aqueles que adoram ligar um monte de aparelhos e acessórios pela casa toda, não importa se no quarto, na sala, onde for. Fujo dessa gente e, se pinta alguém com a sugestão de ligar mais alguma novidade na minha casa, já sabe minha reação: um não categórico. Os fios que tenho bastam para treinar a paciência. Embora a ojeriza a fios, há anos rabisquei um poema sobre os tantos fios da vida – e são inúmeros – e suas funções positivas ou negativas. Admirei-me com a lista deles. Fiquei tão entusiasmada que saiu um poema quilométrico, o qual foi inscrito em concurso literário da Academia de Letras da terrinha (à época eu não era acadêmica, mas frequentadora assídua das suas sessões) . Minha tia e mestra, poetisa das boas, Ivanira Bohn Prado, alertou-me que havia tempos poema longo não tinha chance nos concursos. Traduzindo: Já era. Mas, ao contrário do previsto, Fio e fios foi bem classificado. Claro que a surpresa foi grande e a satisfação maior ainda, minha, dela e de todos que acompanhavam meus voos. Dos tantos fios que pus no “épico”, destaco o fio da teia de aranha e o fio da vida. Embora meu pavor de aranhas, reconheço-as como artistas primorosas. Observar uma teia é estar diante de uma obra inigualável. A delicadeza da trama, a logística da expansão, a escolha do local, às vezes inóspito aos nossos olhos, tudo é admirável! Sem esquecer que a teia é também artimanha para capturar alguns coitadinhos para o banquete das arteiras. Quanto ao fio supremo, o cordão umbilical, é indispensável, não só como veículo de nutrição, mas como segurança para a gênese do ser. Arrepia pensar que ali corre o alimento para o pleno desenvolver do feto, mas que qualquer avaria no bendito cordel pode ensejar má formação e até morte por estrangulamento. Que fio singular esse! Arrepia também a ideia de que, uma vez cortado, deixa à mercê do mundo um pequeno mortal indefeso. Creio que, nesse exato momento, iniciam-se os desafios maiores desta vida. O corte do cordão inaugura o rol infinito de pedriscos e pedras a encararmos vida afora. Pensando bem, é luta diuturna. Fica aqui uma amostra de Fio e fios II lugar – IX Concurso de Poesia, Conto e Crônica da ALSJBV -2002 Condutor da luz, da treva, Da pipa, da bomba, Fio aéreo, fio-terra. Fio natural, Pleno de seiva, Que mantém a vida De qualquer mortal. Fio dos fios, O da teia, Obra de arte, Construção sutil. Teia de aranha, Teia de intrigas, Esta artimanha Das mais antigas. minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br Publicação no Edição Extra de 1º/11/14

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