domingo, 30 de novembro de 2014
Prenda minha
Prenda minha
Sempre que posso, assisto à missa afro, na Igreja de São Benedito, parte da programação do Dia da Consciência Negra aqui na terrinha. O clima é alegre, colorido, ritmo peculiar adaptado a cânticos religiosos. Ambiente acolhedor, singelo, que vem ao encontro do meu pensar – sinto-me bem em igrejas sem ostentação.
É muito prazeroso e proveitoso o convívio com a cultura especifica de cada etnia, pois, ao apreciar seus hábitos, ampliamos nosso saber. E mais, a participação de eventos, quaisquer que sejam, proporciona-nos a chance de conhecer pessoas interessantes, especiais.
Neste ano, a missa afro teve o horário alterado para as 20h15, o que surpreendeu muita gente. Às 19 h a igreja já estava com plateia razoável, pois o horário convencional seria às 19h30. Para mim, essa postergação foi lucro. Sentei-me ao lado de duas irmãs gaúchas, e logo o papo rolou solto, só interrompido no início da celebração.
Fiz questão de anotar alguns tópicos da nossa conversa amigável, pois as moças simpáticas e dadas me ensinaram muitas coisas. Como se diz – vivendo e aprendendo.
Vejam, muitas vezes, truncamos certas noções e até passamos a vida com mil distorções, por ignorância ou por preguiça de buscar esclarecimentos nas fontes. Hoje, mais do que nunca, isso é imperdoável. A par dos velhos dicionários, a internet aí está, bastando alguns toques, para termos um leque de informações sobre qualquer tema.
No meu caso, aproveitei o encontro com as meninas gaúchas, para várias indagações, já que a avó delas conviveu, um bom tempo, com a família de Getúlio Vargas. De início, eu quis saber o significado de “prenda” que, para mim, é mimo, presente, algo que se ganha, por exemplo, nos eventos beneficentes, participando de rifas, sorteios, e também nas festas juninas.
A questão é que um namorado meu me chamava de “minha prendinha”, justificando que o sonho dele era ter uma namorada de rabo de cavalo... Passados anos, o termo fica mais claro, ampliei meu saber: “prenda” é a namorada do gaúcho, é também o par dele na dança; usa, sim, o cabelo preso ou meio preso, para não ficar descabelada durante os volteios.
“Vou-me embora, vou-me embora, prenda minha, tenho muito que fazer, tenho de ir para o rodeio, prenda minha, nos campos do bem querer...” (Paixão Cortes, 87 anos, gaúcho agrônomo, folclorista, pesquisador, autor de várias obras, como “Manual de Danças Gaúchas”)
E no blá-blá-blá com as irmãs carismáticas satisfiz outras curiosidades. A dança tão divertida e precisa, que eu, meio envergonhada, chamava de dança dos pauzinhos, denomina-se “chula”. É dança exclusivamente masculina, uma espécie de desafio. Da mesma forma, a “dança dos facões”. Ah, um casal “pilchado” é o que veste traje típico gaúcho, sendo que a “bombacha , calça fofa usada pelo cavalheiro, é de origem árabe.
Começada a missa, a “aula” sobre gauchismos terminou. Então, meus olhos passaram à análise da procissão de entrada: jovens brancos e afrodescendentes vestidos de branco e que, mais tarde, fariam bela apresentação de capoeira. Próximo ao altar, um coro feminino em traje estilizado, na base de blusa branca e saia colorida, colares e outros adereços.
Durante as leituras, frisou-se a importância dos movimentos que combatem a discriminação do negro. Falou-se de Zumbi dos Palmares, razão maior do Dia da Consciência Negra, pois o líder dos palmarinos na resistência à escravidão morreu em 20 de novembro de 1695. A Lei Nº 12.519, de 10/11/11 tornou oficial a data. Na homilia, como era de se esperar, o celebrante reforçou a relevância da igualdade.
Chegado o ofertório, outra procissão adentrou a igreja, carregando iguarias típicas, as oferendas;logo mais, elas seriam servidas ao público. A celebração encerrou-se com o “Canto das Três Raças” ( Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro),que a saudosa Clara Nunes interpretava como ninguém:
“Ninguém ouviu um soluçar de dor no canto do Brasil, um lamento triste sempre ecoou, desde que o índio guerreiro foi pro cativeiro e de lá cantou. Negro entoou um canto de revolta pelos ares, no Quilombo dos Palmares, onde se refugiou...”
Em seguida, a capoeira e o ponto alto do evento - a confraternização. Ali se percebe que “todos somos irmãos”. Em filas organizadas, com cessão de lugar para os mais velhos, acontecem reencontros, novas amizades, papo informal. Então, todos partilham o banquete: feijoada, cuscuz, canjiquinha, arroz doce, bolo, delícias preparadas por mãos amorosas.
Delicioso o saldo da noite: além de conferir culturas diversas, dirimi dúvidas com gaúchas gentis e abiscoitei novos saberes. Confesso que vim pra casa com gosto de “quero mais”. Por isso, entrei a madrugada no PC, pesquisando costumes gaúchos, ao som de Prenda minha.
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês:minesprado.blogspot.com.br
Nov./14
publicaçõa no Ed. Extra de 29/11/14
sábado, 15 de novembro de 2014
O 15 de Novembro e a viola caipira
O 15 de Novembro e a viola caipira
Faz tempo, ando sem vontade de escrever a respeito de datas cívicas. Motivos há, mas é bobagem gastar o verbo com eles. Preocupa-me, sim, o que cada um de nós pode fazer, para ajudar este Brasil e tornar o povo, por natureza de bem com a vida, mais satisfeito com a realidade que o cerca.
Ontem, 11 de novembro, o Theatro Municipal esteve lotado, graças à maravilhosa apresentação da Orquestra Paulistana de Viola Caipira., fundada em 1997 pelo maestro Rui Torneze, sob o apoio didático do Instituto São Gonçalo de Estudos Caipiras. A orquestra trouxe metade dos seus mais de sessenta integrantes, devido ao palco do nosso teatro não comportar o grupo todo.
O repertório riquíssimo passeia gostosamente pela música caipira de raiz e vai muito além – música erudita, world music, new age e MPB. O programa eclético foi aberto com o Hino Nacional, verdadeiro cartão de visita, seguido da Ave Maria, Chora Viola, Viola Quebrada (Mário de Andrade), Ária da 4ª Corda, de Bach, Reciclagem, Fogão de Lenha, Tocando em Frente, Pé de Ipê, El Condor, Meu Primeiro Amor, Trenzinho Caipira (Villa Lobos/Ferreira Gullar), Ponteio (Edu Lobo), Brasileirinho, além de um arranjo mesclando música caipira e música portuguesa. A declamação de Ode à Viola (Rolando Boldrin) antecedeu o bis.
O que tem a ver a Proclamação da República com esse evento que enriquece as comemorações da “Pérola Centenária”, epíteto que dei ao nosso teatro?
Muito. Em plena terça-feira, ali estava uma plateia participativa e atenta, feliz pela oportunidade de conjugar cultura e lazer, esquecida dos problemas do cotidiano, dos preços que não cessam de subir, da seca que castiga parte do país, do descaso com os serviços essenciais, das novelas políticas, como corrupção em várias instituições, sendo a Petrobrás a top. Talvez, Ponteio (1971) suscitasse algumas reflexões ...
Estou certa de que, se naqueles momentos mágicos, o público, embevecido, fosse perguntado se quer a volta da ditadura militar, o confronto de irmãos nas ruas, manifestações na base do vandalismo etc., ninguém diria “sim”.
Somos uma república federativa de peso. As chances de o Brasil ocupar posição de destaque, sem maquilagem, no panorama mundial não é utopia. Podemos, sim, ser referência, em todos os aspectos. Basta a conscientização de que o bem comum é soberano. Interesses escusos devem ser repelidos, através das urnas, cuja apuração tem que ser respeitada. Acirrar ânimos é sinal de desamor e inconsequência. É querer ver o circo pegar fogo e rir da desgraça alheia.
Como geração que virou o século, afirmo que blackouts, racionamento, insegurança, medo do outro (segundo J.Simmel, “somos todos irmãos”) etc. não é cardápio que se sirva em recôndito nenhum deste mundo. Será que manchetes diárias a nos oferecer amostras das desgraças que campeiam por tantos povos em guerra permanente, inclusive civil, não bastam? Será preciso degustá-las, saborear dor e sangue?
Consola-me não estar sozinha, mas em concordância com vários articulistas e cientistas políticos conceituados.
Dia destes assisti a um vídeo na internet, em que um sujeito explica, com muita didática, nossa história política, desde Dom Pedro I, mencionando a influência da maçonaria. Estudar a história, para entender o presente, é importante. Porém, na prática, qual o benefício de apontar o dedo, sem sair do lugar? O Brasil precisa de gente positiva e determinada que assuma os remos, até que a nação alcance o porto seguro. Dali, altaneira, singrará pelos mares, não para subjugar povos, mas para estabelecer laços fraternos de todo naipe, com fulcro na respeitabilidade.
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
Nov./14
domingo, 2 de novembro de 2014
Fios do cotidiano
Fios do cotidiano
Fios, no sentido literal, sempre me irritam. Refiro-me àqueles imprescindíveis para a conexão das tantas engenhocas que movimentam o nosso viver: enrolados, embolados, no rés do chão, atrapalhando a limpeza da casa, desafiam qualquer bom humor. Nem preciso dizer como ficamos, se estamos com pressa para ligar algo e a coisa não funciona. Justo na hora da urgência, o fio faz graça, dá problema ou está embaraçado. Ainda bem que pilhas e baterias vêm desbancando os desajeitados, mas cheios de empáfia.
Creio que, em toda família, há amantes dos fios, aqueles que adoram ligar um monte de aparelhos e acessórios pela casa toda, não importa se no quarto, na sala, onde for. Fujo dessa gente e, se pinta alguém com a sugestão de ligar mais alguma novidade na minha casa, já sabe minha reação: um não categórico. Os fios que tenho bastam para treinar a paciência.
Embora a ojeriza a fios, há anos rabisquei um poema sobre os tantos fios da vida – e são inúmeros – e suas funções positivas ou negativas. Admirei-me com a lista deles. Fiquei tão entusiasmada que saiu um poema quilométrico, o qual foi inscrito em concurso literário da Academia de Letras da terrinha (à época eu não era acadêmica, mas frequentadora assídua das suas sessões) . Minha tia e mestra, poetisa das boas, Ivanira Bohn Prado, alertou-me que havia tempos poema longo não tinha chance nos concursos. Traduzindo: Já era. Mas, ao contrário do previsto, Fio e fios foi bem classificado. Claro que a surpresa foi grande e a satisfação maior ainda, minha, dela e de todos que acompanhavam meus voos.
Dos tantos fios que pus no “épico”, destaco o fio da teia de aranha e o fio da vida.
Embora meu pavor de aranhas, reconheço-as como artistas primorosas. Observar uma teia é estar diante de uma obra inigualável. A delicadeza da trama, a logística da expansão, a escolha do local, às vezes inóspito aos nossos olhos, tudo é admirável! Sem esquecer que a teia é também artimanha para capturar alguns coitadinhos para o banquete das arteiras.
Quanto ao fio supremo, o cordão umbilical, é indispensável, não só como veículo de nutrição, mas como segurança para a gênese do ser. Arrepia pensar que ali corre o alimento para o pleno desenvolver do feto, mas que qualquer avaria no bendito cordel pode ensejar má formação e até morte por estrangulamento. Que fio singular esse! Arrepia também a ideia de que, uma vez cortado, deixa à mercê do mundo um pequeno mortal indefeso. Creio que, nesse exato momento, iniciam-se os desafios maiores desta vida. O corte do cordão inaugura o rol infinito de pedriscos e pedras a encararmos vida afora. Pensando bem, é luta diuturna.
Fica aqui uma amostra de Fio e fios
II lugar – IX Concurso de Poesia, Conto e Crônica da ALSJBV -2002
Condutor da luz, da treva,
Da pipa, da bomba,
Fio aéreo, fio-terra.
Fio natural,
Pleno de seiva,
Que mantém a vida
De qualquer mortal.
Fio dos fios,
O da teia,
Obra de arte,
Construção sutil.
Teia de aranha,
Teia de intrigas,
Esta artimanha
Das mais antigas.
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
Publicação no Edição Extra de 1º/11/14
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