sábado, 18 de outubro de 2014

Francisco e o novo tempo

Francisco e o novo tempo Se acabássemos com a hipocrisia, tudo neste mundo ficaria mais fácil. As polêmicas que rodeiam certos temas, como aborto, homossexualismo, drogas, seriam minimizadas, sobrando espaço para ações efetivas de apoio, orientação e coibição justa de tudo que não é lícito. De modo geral, os cidadãos que acusam, julgam, futricam são aqueles que se imaginam a salvo de situações ofensivas à moralidade (deles, claro!). São eles que se horrorizam diante de certas posturas institucionais, como a abertura da igreja católica, ao oferecer seu regaço àqueles marginalizados pela sociedade – homossexuais e divorciados. Hipócritas entendem cristianismo como andar absolutamente na linha, nada mais. Saiu da linha ou não disfarçou o desvio de conduta, é pária. Tenho muita vontade de indagar aos falsos moralistas se escorraçariam uma filha, por gravidez precoce ou se a acolheriam, com um viva à perspectiva de gente nova na família. Também gostaria de saber se um filho ou filha homossexual teria guarida ou seria alvo de desamor e vergonha. E mais: se um membro da família envolvido com o inferno das drogas teria respaldo ou ficaria relegado à sarjeta? Na teoria é até fácil responder a tais propostas. E na prática? Você, leitor, ajudaria sua filha a ir a uma espelunca qualquer para se livrar de uma vida que mal se inicia? Para não dizer mal iniciada, indefesa, alvo da tirania da sociedade. Estaria ali segurando a mão de sua filha, enquanto invadem o corpo dela, criminosamente? Claro que, se você tem posses, talvez proporcione o aborto em condições Vips... O importante é que os amigos não suspeitem dessa mácula na família. Agora, de véu e grinalda, barriguinha ainda discreta, tudo fica lindo e válido, digno de festança, não é? Um filho ou filha poderia lhe confessar o amor por alguém do mesmo sexo? Você compreenderia esse afeto, daria sua bênção ao par que pode ter lições valiosas para partilhar e até ser parâmetro para outros que sofrem rejeição, verdadeiros órfãos da vida? Você incentivaria um homossexual a se assumir? Dar-lhe-ia apoio e carinho? E quanto ao usuário de droga? Sabemos, por experiência própria ou de ouvir falar, que é uma barra ter um drogado dentro do lar, pois a insegurança e o medo estão presentes vinte e quatro horas. Se o filho ou a filha com vício sai com os amigos, as condições em que retornará ao lar – se retornar – são uma incógnita. Nunca se sabe. Poderá estar normal, alterado (a), com a agressividade à tona, ou caindo pelas paredes, face descorada, olhar embaçado, falar desconexo, um farrapo humano. Você talvez tenha que correr com ele ou ela, para um pronto-socorro, sem pejo nenhum. E pior, um médico talvez aconselhe a internação urgente daquele ente querido, ora um quase desconhecido que se rebelará contra você. E se houver envolvimento com traficante, se você perceber que coisas estão sumindo da sua casa, você irá à policia? Denunciar um filho ou filha é dolorido demais. Porém, mais dolorido é perdê-lo para o submundo, caminho sem volta. Caro leitor, nestas décadas bem ou mal vividas, mas certamente proveitosas, graças aos ensinamentos que me trouxeram, já vi de tudo. Confesso que a dor de mãe, leoa na proteção da prole, é indescritível. Que homens de boa vontade se proponham a sair da hipocrisia e busquem soluções cristãs, sob os auspícios do papa Francisco e de outros olhares compassivos, para questões impossíveis de serem varridas para debaixo do tapete, como aborto, homossexualismo, drogas, uniões não convencionais e outras. minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br Out./14

sábado, 11 de outubro de 2014

Eleições 2014

Eleições 2014 “Somos todos responsáveis por essa situação, já que os que governam e os que fazem leis foram eleitos por nós.”, afirma Ferreira Gullar, em Somos todos responsáveis- Folha de S. Paulo, E10, de 5/10/14. Meus leitores devem ter estranhado que, na última semana, eu falasse de pomba, putrefação etc., abstendo-me de focar meus rabiscos nas eleições. Foi intencional. O que não significa que esteja alienada, em meio à doce vida. Muito pelo contrário. Que eu lembre, desde que me tornei eleitora, nunca havia participado tanto do clima eleitoral como desta vez. Assisti a quase todos os debates e também à boa parte da propaganda política. Estou antenada no que acontece Brasil afora. E assim persisto, mesmo porque o 2º turno para presidente e alguns governadores já foi anunciado. Entretanto, no 1º turno, determinei-me a exercer o direito de voto facultativo, graças aos meus mais de setenta anos. Não compareci às urnas, não por comodismo nem por não ter mais a obrigação legal. Foi por convicção de que o voto no “menos pior”- expressão esdrúxula que cansa os ouvidos - não bate com minha consciência. Além disso, endosso a reflexão de Ferreira Gullar. Afinal, reclamamos do resultado da nossa própria omissão, descaso, ao não exercer a plena cidadania, pois dá trabalho e dor de cabeça. E exercício de cidadania é atitude contínua, persistente, sem férias. A denúncia de coisa errada, por exemplo, é custosa, em todos os aspectos, exige coragem e compromisso. A leviandade tem que passar longe dessa questão. Exige também que tenha começo, meio e fim. Não pode ser atitude momentânea que logo cai no “deixa pra lá”. Aproveitando as queixas veiculadas nesta semana, indago: Quem se preocupou em denunciar a distribuição extemporânea de santinhos? Quem se preocupou em apontar a irregularidade de cavaletes de propaganda política postados ou caídos nos canteiros centrais de avenidas, pondo em risco a segurança dos pedestres e do trânsito? E mais: aqueles que fizeram a lição direitinho, cumprindo todo o ritual da votação, será que assistiram aos debates entre os candidatos e às sabatinas exibidas pela mídia, para se prepararem minimamente para o voto consciente? Ah, que coisa chata a TV, só debates, horário político obrigatório, propaganda eleitoral! Dias antes da eleição, fiz questão de checar o trânsito no Facebook e constatei que fica bem mais concorrido nesses horários. Ao contrário do horário das novelas, quando a rede fica deserta ... Nosso sistema político necessita de reforma urgente, de tal modo que deixe de ser motivo de chacota e do famoso “política é sujeira”. Há que se levar a sério o que é sério, para despertar o interesse dos cidadãos de bem, aqueles que se preocupam com um futuro melhor para as gerações mais novas. Política tem que deixar de ser meio de vida, em que famílias inteiras se banqueteiam custeadas pelos cofres públicos, destino maior do nosso suor. O voto deve ser facultativo, pois, assim, os políticos terão preocupação efetiva de cativar o eleitor, para que ele vote por prazer e não por imposição legal. Assim, o candidato a cargo político dançará o miudinho “amiúde” e não apenas em período eleitoral. A reeleição, o festival de inaugurações de obras maquiadas em ano de eleição e outros atravancadores do nosso sistema político têm que ser sepultados. Longe de mim qualquer apologia de infração às leis e ao direito. Apenas, cansei de flagrar voto manipulado, quando trabalhei em secção eleitoral. Lá, pessoas “de poucas letras”, empunhando um papelucho, adentravam a sala de votação, nervosas, atrapalhadas, para seguirem “a sugestão” do patrão ou da patroa. Uma vergonha a exploração da ingenuidade daquela gente humilde. Em contrapartida, o voto do brasileiro letrado se caracteriza pelo individualismo, pois despreza o bem comum e os interesses dos miseráveis. O professor vota no candidato que favorece o magistério, o empresário... Aos menos favorecidos, órfãos de tudo, resta seguir os patrões, para manter o emprego, ou, se livres de relação empregatícia, escolher o político/partido paternalista. Assim, porque nos falta educação para atuação efetiva no processo político, com razão Ferreira Gullar: somos todos responsáveis pelo status quo. Para finalizar, uma curiosidade: Como será o número de equilibrismo num circo político (Câmara Federal) composto por cerca de trinta (30) partidos? minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br Publicação no Edição Extra de 11/10/14

sábado, 4 de outubro de 2014

Soberba inútil

O jardim amanhece triste. Num canto sob o buxinho, cinzenta, inerte, a ave abatida. Pezinhos ressecados indicam que já deve estar ali há mais de um dia. Quis jazer discreta, sem alarido, escondida no sofrimento. Decido que não mexerei nela. Mais tarde, provavelmente na manhã seguinte. É algo bem desagradável ter que removê-la para o lixo. Assim como é desagradável ter que fazer visitas a doentes, comparecer a funerais e outras atividades inerentes à vida em sociedade. A gente não foge de certas obrigações dolorosas, mas bem que gostaria. Como preferiria ignorar a pomba, sim, é uma pomba morta no meu jardim. E tenho que dar jeito nela, pois logo o mau cheiro empesteará a casa e a vizinhança. A manhã seguinte chega. Penso que, por mágica, a pomba não esteja mais lá. Um gato ou outro animal bem pode ter me livrado daquele desafio. Mas, não. Os despojos da ave me aguardam. Mãos à obra, pois não há ninguém a quem eu possa delegar a tarefa ingrata. Pego um rodo e um saco de lixo e enfrento o inevitável. Com jeito, trabalho com o rodo, de tal maneira que emborque a pobrezinha diretamente no saco. Mal mexo nela e o fedor invade minhas narinas. Prendo a respiração. Tenho a sorte de boa pontaria. Acerto o manejo do rodo de tal maneira que, num segundo, os restos mortais da coitadinha, na companhia dos que a fazem de banquete, já estão ensacados. Dou um nó bem apertado na boca do saco e levo-o à lixeira. O rastro da putrefação me segue. Acabo de constatar o óbvio, ou seja, uma pequena amostra do fim de qualquer animal morto: putrefato, sendo consumido por vermes, a não ser que seja cremado. Meu pensamento dá um salto: pula da pomba para a literatura. “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.” – Machado de Assis assim destinou seu Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881). Dedicatória singular essa. Se foi ato de humildade, se foi sadomasoquismo, se foi marketing, só Machado sabe. Parodiando o fundador da Academia Brasileira de Letras (1897), ensaio a dedicatória de um pretenso livro meu: “À labareda que primeiro lamber as carnes frias do meu cadáver, dedico estes rabiscos.” E já adianto aos leitores que não se trata de sadomasoquismo nem pieguice. É, sim, soberba inútil. minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br Out./14