sábado, 9 de agosto de 2014

Patente de pai

Patente de pai Se pudesse criar uma patente de pai, eu o faria rapidinho. Inscreveria meu saudoso pai, Danilo Bohn Prado, como produto único. Dizem que filha idealiza o pai como modelo de homem. Até concordo, mas isso não me abala. Mesmo porque distingo o que ele tinha de fantástico (até no nome: Bohn) e o que tinha de quase bom, pois algumas arestas precisavam ser ajeitadas. Pouca coisa a mexer, para ele ser “dez”. Paciência, meu pai tinha de sobra. Pequenina, convivi com esse retrato consubstanciado na confecção anual de balões, em agrado à amada junina, mamãe. Eram perfeitos, delicados, papel de seda com dobrinhas milimetricamente calculadas, cola na dose certa, decoração criativa – a cada primavera de mamãe, dizeres diferentes no conteúdo e na forma. Como à época não havia proibição, soltá-los era uma festa. A paciência permeou a vida dele toda. Talvez porque fosse exímio adestrador e pescador, era capaz de passar horas a fio, sentado, calado, em vigília, ao lado de um doente da família. Meus “pepinos” de saúde foram amenizados por sua presença amorosa. Também lhe devo lições que me acompanham vida afora, como enxugar o vão dos dedos do pé com rolinho de papel higiênico e segurar o queixo, para não dormir de boca aberta... Na hora dos pesadelos escolares, ensinou-me a deslindar problemas de matemática: “Um tanque tem duas torneiras, uma despeja tantos litros por hora, outra..., em quanto tempo o tanque estará cheio?” Assim, deixou-me afiada para o terrível exame de admissão ao ginásio. Outro retrato de paciência: embalar nenês no carrinho ou segurar-lhes a mãozinha, até que dormissem, ou ensiná-los a andar, no que passava horas, sem nenhum sinal de cansaço; fazer-lhes garrafinhas do gomo da laranja, oferecer-lhes uvas descascadas e sem semente e muito mais. Segurança da presença silenciosa. Meu pai não precisava dizer absolutamente nada, para transmitir confiança, acolhida, apoio. O olhar firme, as mãos fortes, o porte de lorde ou poeta ou filósofo – tinha de tudo um pouco -, apenas ajudavam a pintar o retrato. O interior de meu pai, isso sim, transbordava segurança. Contava-se com ele. Caráter reto iluminava sua face. Solidez de princípios tornavam suas atitudes coerentes até demais. Outro dia contei, aqui, que papai, congregado mariano, deixara de comungar, porque ele e mamãe precisaram evitar filho, renunciando ambos à eucaristia, até a morte. Infalível nos deveres, era pontual em tudo e prezava a “satisfação”, quando não pudesse cumprir algo. Esperava o mesmo dos outros... Perseverança, uma lição que nos deixou, para conhecer o progresso. Adolescente, órfão de pai, estudava à noite e trabalhava durante o dia. Sua carreira de bancário deve-se aos cursos de aprimoramento feitos com bastante sacrifício: contabilidade, taquigrafia, inglês, português, alguns por correspondência. Arestas a serem aparadas, papai as tinha, por força da genética alemã. Uma delas era-lhe constrangedora e, por extensão, a nós todos: a dificuldade de dar beijos e abraços. Mas eu via carinho sem tamanho em outros mimos dele, como me acordar com café com leite espumante. Outra aresta era o excesso de reserva e exigência com ele próprio, ou seja, “polícia 24 horas”. Herdei muito disso, o que me dá um trabalhão. É preciso balancear certas facetas nossas, para não sofrer ou fazer sofrer. A descrição do “pai” que gostaria de patentear encheria mil laudas. Como o espaço no Cotidiano é exíguo, arremato: meu pai, sério ou alegre na medida certa, é produto cada vez mais raro, não só pelo amor consagrado à família, mas pelo legado dos legados – o nome honrado e a educação através do exemplo. minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br

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