sábado, 16 de agosto de 2014
11 DE AGOSTO
11 de Agosto
(em memória de Dr. Pedro Lessi)
Levantei-me, ligada na segunda-feira, dia de várias atividades, inclusive caminhada. Manhã de sol - melhor ainda. Saí, deixando o serviço adiantado: feijão descongelando, peixe temperado, alface de molho no vinagre, a lista é comprida. Só dona de casa entende disso. E, talvez, meia dúzia de homens mais jovens, pois repartem o serviço doméstico com a mulher.
Mas não é desse cotidiano que quero falar e, sim, do Dia do Advogado, do qual fui lembrada por um colega de Facebook. Então, revi longo e sinuoso caminho percorrido.
Desde criança quis ser professora e assim aconteceu. Outras questões da minha vida podem ter saído atrapalhadas, mas a vontade de menina se satisfaz até hoje. Comecei como normalista, seguindo o conselho materno; depois, estudei sete anos de inglês, por influência do marido; então, após lapso de vinte anos, retomei os estudos, fiz duas faculdades: Letras e Direito, para ter diploma superior. Inaugurei, assim, minha fase pós Santos.
Quando anunciei que prestaria vestibular para Letras, papai e meu advogado santista protestaram: “O quê? Como? Mas você tem que fazer Direito!” E justificaram o protesto, com a afirmação de que eu levava jeito de advogada. Só então descobri algo que me tinha passado batido: eu era perspicaz, detectava rapidamente o cerne do problema, ao mesmo tempo em que tinha facilidade para pôr as ideias no papel. Não era à toa que, tempos antes, Dr. Lessi, “o defensor das mulheres” (uma delas a primeira esposa do Pelé), entregara-me o calhamaço da minha separação, para que eu rascunhasse um arrazoado, com provas.
Mas eu estava certa. Com licenciatura em Letras, daria aulas em todos os níveis de ensino. Era o que eu precisava. E assim fiz. Somente dez anos depois de formada em Letras, parti para o Direito, satisfeita e satisfazendo a gregos e troianos. Dar os passos, em busca da justiça, é prazeroso. O sacrifício foi imenso, datilografava os trabalhos madrugada adentro e, às seis da matina, já estava de pé, na correria das aulas. Mas valeu, pois me realizei também como advogada, ainda que o retorno financeiro fosse ínfimo. Cada pedido “procedente” era uma conquista. Registro aqui um dos casos emocionantes em que atuei.
Alguém pode imaginar, numa ação de reconhecimento de paternidade, o cidadão ganhar uma filha e um neto? A audiência em que a questão foi solucionada emocionou todo mundo – juiz, promotor, advogados e partes. Lágrimas podem ser lindas...
Dos honorários, posso dizer, sem exagero, que mal pagavam a sola do sapato. A única marca financeira que guardo é uma mesinha de vime, com tampo de vidro, que me restou em processo de execução, após o exequente ir a Taboão da Serra, buscar bens penhorados que encheram um caminhão. Adorei a mesinha meio detonada, mas de muita serventia e que, há vinte anos, é pau pra toda obra. Hoje ela ampara vasos de plantas, na garage da casa nova.
Ao me tornar doutora, ouvi que tinha de fazer clínica geral, ou seja, advogar em todas as áreas. Isso não combinava comigo. Como iria dar conta, com responsabilidade, de problemas jurídicos diversos e ainda lecionar, sobretudo redação, o que exige muito empenho e tempo?
Até tentei cível e penal, mas o primeiro processo-crime já me mostrou que não saberia defender alguém escancaradamente culpado. O máximo que consegui, nesse caso, foi amenizar a pena, graças a argumentos e provas de problemas psicológicos.
Justo hoje, Dia do Advogado, em que a Oração dos Moços, de Ruy Barbosa, enfatiza tão bem o papel do advogado, na sociedade, a TV noticia: em Sorocaba, um peruano, técnico de radiologia, foi preso, por ter gravado, com câmeras instaladas até em ralos, pacientes de todo naipe, trocando de roupas, usando o sanitário etc. A namorada afirma ser ele um cara tranquilo, amável, de quem jamais imaginaria tal conduta. Por mim, se tivesse que fazer a defesa dele, solicitaria exame de sanidade mental e torceria para que fosse detectado distúrbio grave. A livre convicção é essencial para nossa lida. Embora a Constituição reze que todo cidadão tem direito à defesa, eu, de fato, perderia o sono, se tivesse que defender o autor dessa aberração ou quaisquer outras, como jogar um bebê pela janela, bater em idosos, assassinar pais, para herdar fortuna, e demais horrores que requerem sangue frio.
PUBLICAÇÃO NO EDIÇÃO EXTRA DE 16/8/14
sábado, 9 de agosto de 2014
Patente de pai
Patente de pai
Se pudesse criar uma patente de pai, eu o faria rapidinho. Inscreveria meu saudoso pai, Danilo Bohn Prado, como produto único. Dizem que filha idealiza o pai como modelo de homem. Até concordo, mas isso não me abala. Mesmo porque distingo o que ele tinha de fantástico (até no nome: Bohn) e o que tinha de quase bom, pois algumas arestas precisavam ser ajeitadas. Pouca coisa a mexer, para ele ser “dez”.
Paciência, meu pai tinha de sobra. Pequenina, convivi com esse retrato consubstanciado na confecção anual de balões, em agrado à amada junina, mamãe. Eram perfeitos, delicados, papel de seda com dobrinhas milimetricamente calculadas, cola na dose certa, decoração criativa – a cada primavera de mamãe, dizeres diferentes no conteúdo e na forma. Como à época não havia proibição, soltá-los era uma festa. A paciência permeou a vida dele toda. Talvez porque fosse exímio adestrador e pescador, era capaz de passar horas a fio, sentado, calado, em vigília, ao lado de um doente da família. Meus “pepinos” de saúde foram amenizados por sua presença amorosa. Também lhe devo lições que me acompanham vida afora, como enxugar o vão dos dedos do pé com rolinho de papel higiênico e segurar o queixo, para não dormir de boca aberta... Na hora dos pesadelos escolares, ensinou-me a deslindar problemas de matemática: “Um tanque tem duas torneiras, uma despeja tantos litros por hora, outra..., em quanto tempo o tanque estará cheio?” Assim, deixou-me afiada para o terrível exame de admissão ao ginásio. Outro retrato de paciência: embalar nenês no carrinho ou segurar-lhes a mãozinha, até que dormissem, ou ensiná-los a andar, no que passava horas, sem nenhum sinal de cansaço; fazer-lhes garrafinhas do gomo da laranja, oferecer-lhes uvas descascadas e sem semente e muito mais.
Segurança da presença silenciosa. Meu pai não precisava dizer absolutamente nada, para transmitir confiança, acolhida, apoio. O olhar firme, as mãos fortes, o porte de lorde ou poeta ou filósofo – tinha de tudo um pouco -, apenas ajudavam a pintar o retrato. O interior de meu pai, isso sim, transbordava segurança. Contava-se com ele.
Caráter reto iluminava sua face. Solidez de princípios tornavam suas atitudes coerentes até demais. Outro dia contei, aqui, que papai, congregado mariano, deixara de comungar, porque ele e mamãe precisaram evitar filho, renunciando ambos à eucaristia, até a morte. Infalível nos deveres, era pontual em tudo e prezava a “satisfação”, quando não pudesse cumprir algo. Esperava o mesmo dos outros...
Perseverança, uma lição que nos deixou, para conhecer o progresso. Adolescente, órfão de pai, estudava à noite e trabalhava durante o dia. Sua carreira de bancário deve-se aos cursos de aprimoramento feitos com bastante sacrifício: contabilidade, taquigrafia, inglês, português, alguns por correspondência.
Arestas a serem aparadas, papai as tinha, por força da genética alemã. Uma delas era-lhe constrangedora e, por extensão, a nós todos: a dificuldade de dar beijos e abraços. Mas eu via carinho sem tamanho em outros mimos dele, como me acordar com café com leite espumante. Outra aresta era o excesso de reserva e exigência com ele próprio, ou seja, “polícia 24 horas”. Herdei muito disso, o que me dá um trabalhão. É preciso balancear certas facetas nossas, para não sofrer ou fazer sofrer.
A descrição do “pai” que gostaria de patentear encheria mil laudas. Como o espaço no Cotidiano é exíguo, arremato: meu pai, sério ou alegre na medida certa, é produto cada vez mais raro, não só pelo amor consagrado à família, mas pelo legado dos legados – o nome honrado e a educação através do exemplo.
minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
sábado, 2 de agosto de 2014
Vovozado
Vovozado
Hoje, 26 de julho, é Dia dos Avós; portanto, meu dia, seu dia. Segundo a história, Santa Ana e São Joaquim, pais de Maria e avós de Jesus Cristo, são nossos padroeiros. A data da celebração passou por várias alterações, até o papado de Paulo VI, a quem é atribuída a inserção no calendário atual.
Para mim, o vovozado começou faz tempo. Num aniversário meu, vinte e oito anos atrás, ganhei bombons, com um cartãozinho: “Parabéns, futura vovó!”. Desde então, a fila puxada por Bruna encompridou. São quatro netos – três meninas e um garoto - todos bem crescidos, lindos, inteligentes e tudo de bom que olhos de avó enxergam. O melhor, trazem alegria a esta fase de futuro curto. Retribuo-lhes, com amor pintado de mimos e experiências.
Na verdade, jamais esqueço que sou avó. Se vejo algo que lembre algum (a) neto (a), pronto! Já me ponho a pensar no seu jeito, seu cheiro, seus carinhos. E quando eles vêm me ver ou vou a eles, aí é uma maravilha!
Neste ano, entre março e julho, tive a visita dos quatro, um por vez.
Em março, num fim de semana relâmpago, Bru veio despedir-se, antes de alçar voo, para estudar, passear e também encontrar-se com seu amor. Apesar de pouquíssimo tempo, até baile fomos; Bru, toda bela, parou a festa.
Em abril, Lu voou do nordeste para cá. Peguei-o em Campinas, todo importante, mochila nas costas, carteira de homem, o retrato da independência. Fomos à Milk Moni, ao Bedrock, batemos muito papo e, de quebra, paciente, deu-me dicas de informática. Ah, Lu trocou lâmpadas pela primeira vez na vida. E na minha casa. Creio que guardará essa experiência bem guardadinha, para contar aos filhos dele... O tempo foi pouco, mas rico.
Em junho, foi a vez de Lê voar sozinha, para visitar os três avós. Ficou uma semana aqui. Logo na chegada, estendeu-me, meio tímida, um embrulho de papel-bolha. Ansiosa, só sossegou quando abri o presente - uma cumbuca rosa e branca, pintada por ela. No fundo os dizeres: “Vovó Inês, te amo. Lê -2014”. Diante de carinho de neto, impossível evitar o core acelerado.
Lê quis ajudar-me com meus livrinhos, mais de duas centenas, para carimbar o registro dos direitos autorais, embalar em saquinho plástico e lacrar. A jeitosinha passou tardes inteiras nessa “brincadeira”. Se dependesse dela, não faria outra coisa. Não sairia nem para a festança de São João, vestida a caráter, em tons de branco e lilás. Por fim, disse que queria trabalhar com carimbos, pode? Mas também quer ser aeromoça, professora, comerciante etc.
Foi uma companheira e tanto que me veio da Bahia. Pôs-me roupa no varal, recolheu-a, ajeitou a cama e as coisas dela, como uma mocinha. No dia em que a levei a Viracopos, meu coração ficou apertadinho. Entregá-la nas mãos de estranhos, ainda que da companhia aérea, foi um sufoco. Mal me aguentava de pé, ao dar as costas para vir embora, pedindo ao bom Deus que a protegesse, até chegar às mãos dos pais.
E neste meado de julho, matei a saudade de Manu, moreninha brejeira. Embora os pais e ela ficassem numa pousada, tivemos chance de partilhar coisas simples e gostosas, como os animaizinhos na SES – coelhos, patos, gansos, passarinhos, galinhas e muito mais. Manu é boa ajudante na cozinha. Sua salada de frutas é perfeita, tudo cortado miudinho, uma delícia. Adora enfeitar pratos e ama agulha e linha, até me fez uma bonequinha de pano.
O que quero mais? Curtir muito meu vovozado, enquanto Deus permitir...
minesprado@gmail.com Rabiscos de Minês:minesprado.blogspot.com.br
Publicação no Edição Extra de 26/7/14
O que é ser útil
O que é ser útil
Tem rodado muito na internet um vídeo do padre Fábio de Mello, abordando a utilidade das pessoas... Há pouca novidade nas palavras do padre, mas sempre é “útil” rever certos aspectos desta vida, no caso, relações estabelecidas entre humanos, em função da serventia de cada um.
Como, sábado passado, escrevi gostosamente sobre meu vovozado, nada mais natural que eu o ligue à utilidade do idoso. Com que olhos essa questão é vista? Creio que depende muito do olhar - se de uma criança, um jovem ou um adulto.
Idosos, de modo geral, são pacientes, adoram contar histórias e ensinar brincadeiras às crianças, razão pela qual muitos acabam como babás dos netos, sendo “utilíssimos”. Mas, quando se negam a tal, são úteis para a família? Provavelmente, não. São estorvos e, talvez, desencaminhadores dos netos, já que avós têm um jeitinho especial de deixar neto fazer o que quer, e até são coniventes nas infrações dos pequenos.
Queria estar errada, mas parece rarear um idoso “inútil” que seja querido pelos seus. Não sei se a razão são as profundas mudanças no mundo: o perfil pai/provedor, mãe/dona-de-casa já era, as casas ficam vazias a maior parte do tempo, pois cada um vai para um lado, o dia passa com raros encontros da família. Então, o idoso vai ficar com quem? Fazendo o quê? Vira pacote pronto para passar às mãos alheias, sejam de profissionais, sejam de amadores.
Mas deixemos a questão idoso/família de lado e vejamos o relacionamento idoso/amigos. Se o idoso é ativo, bem de vida, mesmo que ranzinza, terá um exército de amigos da mesma faixa etária, pois é quase uma utilidade pública: para os amigos e também para o governo, porque não pesa no sistema previdenciário. Ele se cuida, faz musculação, come do bom e do melhor, dirige, compra/vende, viaja, é livre pra fazer o que lhe der na veneta, até para meter a mão no bolso. E a bengala? Ora, em velho rico, a bengala é charme.
Se o idoso, ainda que ativo, for um pé rapado, a realidade é outra. É provável que fique enfurnado num cantinho, falando com as paredes. Dificilmente receberá visitas. Sua utilidade só não será zero, se for ótimo em trabalho voluntário ou em jogos de tabuleiro e carteado. Então, seu mundo se ampliará nas instituições de comadres/compadres ou pracinhas, pois bom parceiro é sempre útil.
Será que o idoso faz amizade com jovens? Por ele, sim, mas quais jovens querem saber de papo de velho? Poucos valorizam a experiência dos anos. De modo geral, para a moçada, velho é sinônimo de chatice e reumatismo.
Retomando o vídeo do padre Fabio de Mello, é melhor esquecer a nossa utilidade ou inutilidade e viver a doce vida. Se puder ser ao lado da família, mesmo que nos pinte assim ou assado, melhor. E, claro, ao lado dos amigos do peito ou nem tanto. Porque, se formos esmiuçar se prestamos ou não para alguma coisa, se somos úteis pelo nosso bolso ou pelo nosso coração, esqueceremos o azeite da máquina que já começa a emperrar. Deus nos livre!
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
Agosto/14
publicação no Edição extra de 2/8/14
Assinar:
Postagens (Atom)