sexta-feira, 9 de maio de 2014

RETIRO ESPONTÂNEO

Retiro espontâneo Vez ou outra é preciso chutar a rotina, como um meio de recarga dos neurônios, ou melhor, de reativá-los, chacoalhá-los. Nestes dias, é o que faço, “morando” na FLIPOÇOS 2014, na vizinha Poços de Caldas, MG. Se ano passado, fiz isso apenas como visitante, assistindo a palestras, conhecendo gente que só tinha visto na TV, agora ouso mais: além de visitante, participo do Recanto dos Escritores Independentes, eu e mais uns doze ou treze viciados nas letras. Nossa independência é tamanha que nos reservaram um espaço, não gostamos, mudamos para outro e boa! Não estamos mais no fundão da URCA, mas numa passagem onde, claro, o vaivém é constante. Temos passado um frio de lascar, pois há vento encanado, como dizem os velhos. Ali vemos e ouvimos de tudo, além de trocar ideias de escrevinhador. O papo só se interrompe, quando alguns visitantes param, para conferir nosso trabalho – livros feitos, na maioria, à nossa custa. Impossível colocar aqui tudo o que aprendo e rio, nos últimos dias. Há, por exemplo, um argentino que está no Brasil pela primeira vez e que nada sabe da nossa fala. Em compensação, no meu caso, entendo um pouco de espanhol, mas nada falo. Combinamos ensinar um ao outro. Ai, que salada! Queremos explicar “cabaça”. Até chegar lá, passamos pelo capacho, abóbora, chimarrão e sei lá mais o quê. Graças à bebida dos pampas, vem o consenso, já que o recipiente em que se prepara o chimarrão é feito de cabaça. O argentino diz que é “calabaça”, mas o Google me mostra diferenças. Deixo pra lá. Explico ao argentino que tenho algumas cabaças envernizadas, que dão um som legal, para acompanhar um sambinha... Por sua vez, o alagoano Cartucho, escriba de cordel, sósia de Gandhi, faz sucesso na FLIPOÇOS, inclusive com um encarte excelente para educação infantil no trânsito, trabalhado de A a Z; ex.: “P” de perigo. Aconselho-o a levar o material a autoescolas, diretorias de ensino, polícia militar, DER etc. Ele alega que nada conseguiu, em Alagoas. Um desperdício, pois o material é ótimo, até para panfletagem nos pedágios. No cardápio eclético, chama a atenção o processo civil em poesia: artigos do código são seguidos de alegações rimadas, uma delícia trazida por um advogado mineiro de Piumhi, cidadezinha próxima à serra da Canastra. Da lavra de uma carioca, há obras para educadores que lidam com a inclusão. De uma bancária aposentada, poesias profundas, curtinhas. Vez ou outra ela, tímida, arrisca: “Gosta de poesia?” Alguns passantes se interessam param, leem, elogiam; outros, falam um ‘não’ categórico ou apenas meneiam a cabeça. Um casal chama nossa atenção: o marido quer mostrar um poema à mulher; ela, amuada, dá de ombros e segue em frente. Como entender as mulheres? Se o cara não é romântico, queixam-se; se o é, ignoram-no. Caso à parte é a senhora que agita o pedaço, ostentando um cartaz sobre Alzheimer. Como cuida da mãe possuída pelo “alemão”, entendeu a importância de se pensar nos cuidadores, os verdadeiros, bem entendido. Assim, registrou no papel a própria experiência. Há um garçom poeta. Caracterizado, ele gasta muita sola de sapato na feira e promete cantar-me ‘Garçom, olhe pelo espelho, a dama de vermelho, que vai se levantar...’ Pra me divertir, amanhã usarei vermelho. E mais um tipo inesquecível, insistente pescador de freguesia: “Astronomia? Cosmologia?” Depois que a turma para, não consegue escapar da falação entusiasmada do idoso teimoso e sem desconfiômetro, cuja esposa é o anjo da turma. E uma patroa “santa”. Um dos lances mais engraçados: os pidonhos de restos do cafezinho que a gente toma para espantar o frio. Imaginem a minha cara, diante de um grandalhão pidonho de café. Brinco com ele, que não beba onde bebi, ou seja, na marca do batom. Justifico-me, com o velho ditado de que se descobrem os segredos do outro; não tenho coragem de lhe falar da falta de higiene. Pois não é que o cara de pau volta com “meu” copo vazio e tem a ousadia de dizer: “Olhe, descobri seus segredos, posso contar?” Depois dessa, fujo dele, apenas um cumprimento e ponto. Assim estou eu, neste final de abril gelado, num retiro espontâneo, longe de noticiários e jornais, nadando num mar de livros, escritores, palestrantes, tomando fôlego apenas para falar de rolinhas e gatos. Hoje, 29/4, emergimos das letras, para curtir excelente conjunto de jazz de Belo Horizonte, retrato dos anos 20, 30 e seus musicais fabulosos. Abril/14 M. Inês Prado minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br Publicação no Edição Extra de 3/5/14

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