sábado, 31 de maio de 2014
COMPORTAMENTOS NO THEATRO MUNICIPAL
Comportamentos no Theatro Municipal
Em palestra recente na Flipoços 2014, Mario Sergio Cortella, filósofo, escritor, educador, palestrante, professor universitário, ressaltou a importância da nossa atitude “ornar” (expressão mineira). Mas ornar com quê? Verbo transitivo indireto requer complemento, não é? Assim, nossa atitude tem que ornar com algo.
Na verdade, Cortella quis ser poético, ao falar de adequação da conduta às situações no nosso viver. Nesse sentido, penso que cursos de comportamento fazem muita falta, pois no cotidiano vemos coisas do arco da velha, isto é, absurdamente inadequadas, em que nada orna com nada.
Na terrinha, o fim de semana passado foi agitado pela Virada Cultural, parte do cronograma estadual que tem brindado diversas cidades com programação eclética, durante 24 horas ininterruptas. Na Virada, toda faixa etária tem opções de entretenimento, tanto no Theatro Municipal como ao ar livre, em vários locais, com prioridade para o Largo da Estação.
Só gosto de comentar o que meus olhos veem. Assim, atenho-me à postura do público, em duas belas apresentações que conferi no Theatro Municipal: Cia. de Dança, no sábado, e Dança Flamenca, no domingo.
Pra variar, levanto a questão das benditas maquininhas que se apoderam do nosso tempo e invadem todos os ambientes, sem exceção.
Como é possível curtir o que se passa no palco, numa boa, com braços que se erguem aleatoriamente na plateia, para captar fotos e fazer vídeos? Como é possível o artista ou o grupo artístico se concentrar no desempenho, com flashes batendo, impiedosamente, nas suas caras (“faces” é mais bonito!), atrapalhando-lhes a visão e interferindo até na iluminação do palco?
Para não perdermos lances do espetáculo, nosso pescoço passa por uma sessão involuntária de alongamento pra cá e pra lá, graças aos espaçosos de plantão, inclusive alguns fotógrafos de jornais sanjoanenses. Eles deveriam ser os primeiros a dar o exemplo, ao fazerem seu trabalho. Há várias alternativas para tal, sem atrapalhar o espectador.
Maquininha de amador acionada a torto e a direito, durante eventos, virou febre. Homem, mulher, criança, todo mundo a postos, brincando de fotógrafo. E, claro, conectados, partícipes da gincana virtual, com postagens imediatas.
Como se não bastasse essa perturbação toda, temos lá os casais trocando amassos desastrados, num incansável passa-passa de braços, os quais, quase sempre, relam em quem está atrás ou ao lado, além de mãos inquietas a apertar daqui e dali, a alisar orelhas, cabelos, nucas etc. Entre um amasso e outro, cabeças que se encostam , desencostam, entortam, para troca de beijos sem poesia. Pura fazeção de coisas que nada inspiram. Nem causam inveja...
Quem tem estômago para apreciar um espetáculo nessas condições? Ninguém. Apenas, as reações divergem. Uns, incomodados com o péssimo comportamento dos vizinhos, seguem a máxima “Os incomodados que se mudem.”, levantam-se, furibundos, e procuram outro lugar. Outros trancam a cara, resmungam, cutucam as cadeiras dos inoportunos. Pior ainda, outros se mandam impetuosamente, tropeçando nos degraus (um defeito grave do nosso teatro), e abandonam o local.
Reclamar pra quem? Ressuscitem-se os lanterninhas, aqueles do “nosso tempo”, que, sorrateiramente, focavam os arteiros, achegavam-se e, com um simples toque, impunham respeito. Se não eram acatados, convidavam o malcomportado a se retirar do recinto. Seguranças plantados nos corredores laterais têm outra função, como inibir badernas e brigas; não os substituem.
O Cortella fala de “ornar”, lindo vocábulo! Então, fica aqui uma pitada de mineirice: comportamentos como os acima descritos ornam com o Theatro?
Junho/14
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”:minesprado.blogspot.com.br
sábado, 10 de maio de 2014
AS MÃOS DE MINHA MÃE
As mãos de minha mãe
Mãe,
Aceitei sua partida,
Porque faz parte da vida.
Mas seus últimos dias
De terrível sofrimento,
Isso jamais aceito.
Quero falar das suas mãos,
Não das que, inertes, pareciam pão:
Sabe, mãe, aquele pão
Que você fazia,
Pondo uma bolinha
No copo d’água fria?
Assim que ela vinha à tona,
Você, cheia de graça,
Ligeira, trabalhava a massa,
Modelando pães perfeitos,
Pincelados de fina gema.
Mãe, esse era seu jeito.
Sim, seu jeito,
Mãe,
De doar suas mãos,
A tanta gente, tantos feitos,
Ao Dan, aos filhos e netos,
A quem estivesse por perto.
Em especial, mãe,
Quero falar de suas mãos
Nos últimos anos,
Acariciando-me o braço
Ou apontando meus lábios
E o batom fraco.
Quem sabe, mãe,
Ao registrar a imagem
De suas mãos lembrando pão,
E delas, dias antes, em tremores,
Confundidos com Parkinson,
Eu me livre de fundas dores.
Dores da alma,
Que não se conforma
Com a imperícia e o descaso,
Que transformaram não só suas mãos,
Mas você toda, mãe amada,
Num enorme pão disforme.
Maio/14
minesprado@gmail.com
Publicação na Gazeta de São João de 10/5/14
sexta-feira, 9 de maio de 2014
RETIRO ESPONTÂNEO
Retiro espontâneo
Vez ou outra é preciso chutar a rotina, como um meio de recarga dos neurônios, ou melhor, de reativá-los, chacoalhá-los. Nestes dias, é o que faço, “morando” na FLIPOÇOS 2014, na vizinha Poços de Caldas, MG.
Se ano passado, fiz isso apenas como visitante, assistindo a palestras, conhecendo gente que só tinha visto na TV, agora ouso mais: além de visitante, participo do Recanto dos Escritores Independentes, eu e mais uns doze ou treze viciados nas letras.
Nossa independência é tamanha que nos reservaram um espaço, não gostamos, mudamos para outro e boa! Não estamos mais no fundão da URCA, mas numa passagem onde, claro, o vaivém é constante. Temos passado um frio de lascar, pois há vento encanado, como dizem os velhos. Ali vemos e ouvimos de tudo, além de trocar ideias de escrevinhador. O papo só se interrompe, quando alguns visitantes param, para conferir nosso trabalho – livros feitos, na maioria, à nossa custa.
Impossível colocar aqui tudo o que aprendo e rio, nos últimos dias. Há, por exemplo, um argentino que está no Brasil pela primeira vez e que nada sabe da nossa fala. Em compensação, no meu caso, entendo um pouco de espanhol, mas nada falo. Combinamos ensinar um ao outro. Ai, que salada! Queremos explicar “cabaça”. Até chegar lá, passamos pelo capacho, abóbora, chimarrão e sei lá mais o quê. Graças à bebida dos pampas, vem o consenso, já que o recipiente em que se prepara o chimarrão é feito de cabaça. O argentino diz que é “calabaça”, mas o Google me mostra diferenças. Deixo pra lá. Explico ao argentino que tenho algumas cabaças envernizadas, que dão um som legal, para acompanhar um sambinha...
Por sua vez, o alagoano Cartucho, escriba de cordel, sósia de Gandhi, faz sucesso na FLIPOÇOS, inclusive com um encarte excelente para educação infantil no trânsito, trabalhado de A a Z; ex.: “P” de perigo. Aconselho-o a levar o material a autoescolas, diretorias de ensino, polícia militar, DER etc. Ele alega que nada conseguiu, em Alagoas. Um desperdício, pois o material é ótimo, até para panfletagem nos pedágios.
No cardápio eclético, chama a atenção o processo civil em poesia: artigos do código são seguidos de alegações rimadas, uma delícia trazida por um advogado mineiro de Piumhi, cidadezinha próxima à serra da Canastra. Da lavra de uma carioca, há obras para educadores que lidam com a inclusão. De uma bancária aposentada, poesias profundas, curtinhas. Vez ou outra ela, tímida, arrisca: “Gosta de poesia?” Alguns passantes se interessam param, leem, elogiam; outros, falam um ‘não’ categórico ou apenas meneiam a cabeça. Um casal chama nossa atenção: o marido quer mostrar um poema à mulher; ela, amuada, dá de ombros e segue em frente. Como entender as mulheres? Se o cara não é romântico, queixam-se; se o é, ignoram-no.
Caso à parte é a senhora que agita o pedaço, ostentando um cartaz sobre Alzheimer. Como cuida da mãe possuída pelo “alemão”, entendeu a importância de se pensar nos cuidadores, os verdadeiros, bem entendido. Assim, registrou no papel a própria experiência.
Há um garçom poeta. Caracterizado, ele gasta muita sola de sapato na feira e promete cantar-me ‘Garçom, olhe pelo espelho, a dama de vermelho, que vai se levantar...’ Pra me divertir, amanhã usarei vermelho.
E mais um tipo inesquecível, insistente pescador de freguesia: “Astronomia? Cosmologia?” Depois que a turma para, não consegue escapar da falação entusiasmada do idoso teimoso e sem desconfiômetro, cuja esposa é o anjo da turma. E uma patroa “santa”.
Um dos lances mais engraçados: os pidonhos de restos do cafezinho que a gente toma para espantar o frio. Imaginem a minha cara, diante de um grandalhão pidonho de café. Brinco com ele, que não beba onde bebi, ou seja, na marca do batom. Justifico-me, com o velho ditado de que se descobrem os segredos do outro; não tenho coragem de lhe falar da falta de higiene. Pois não é que o cara de pau volta com “meu” copo vazio e tem a ousadia de dizer: “Olhe, descobri seus segredos, posso contar?” Depois dessa, fujo dele, apenas um cumprimento e ponto.
Assim estou eu, neste final de abril gelado, num retiro espontâneo, longe de noticiários e jornais, nadando num mar de livros, escritores, palestrantes, tomando fôlego apenas para falar de rolinhas e gatos.
Hoje, 29/4, emergimos das letras, para curtir excelente conjunto de jazz de Belo Horizonte, retrato dos anos 20, 30 e seus musicais fabulosos.
Abril/14
M. Inês Prado
minesprado@gmail.com
“Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br
Publicação no Edição Extra de 3/5/14
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