segunda-feira, 14 de abril de 2014

Madre Assunta, próxima beata do Brasil

 _ Você nunca será muito fervorosa – garantiu-me um diretor espiritual. Nada retruquei, mas pensei e muito. As aparências enganam! Gente introvertida não é de muitas demonstrações. Aquele padre deveria me conhecer melhor, pelo tempão que entregava minha alma a ele. Que decepção! Sou católica. Se por devoção ou tradição, não sei. Mas tenho a certeza de ser minimamente cristã. Viver em plenitude é seguir Cristo; ainda chego lá. Em 1993, recebi um livreto sobre a trajetória belíssima de Madre Assunta Marchetti. Como me fora enviado por um amigo que participava do Circulo do Livro, estava com dedicatória da scalabriniana – Irmã Maria Blandina Felipelli, responsável pela vice-postulação da beatificação de Assunta. O livreto incluía relatos de graças obtidas por aqueles que oravam para a Madre, nascida na Itália, em 1871, e falecida no Brasil, em 1948. Li-o, atentamente. Um dia, atordoada com mil problemas, telefonei para Irmã Blandina, apresentei-me, batemos um longo papo; ela, ótima ouvinte e conselheira. Como o natal estava próximo, pedi-lhe que me mandasse um tanto de impressos com a oração à Madre Assunta. Eu os enviaria aos amigos, com votos de boas festas. Agradeci e aguardei. Logo, recebi uma cartinha carinhosa da Irmã Blandina, juntamente com meu pedido. A partir daí, fez-se um forte elo entre mim e Assunta, que viera para o Brasil, por insistência do irmão, Padre José Marchetti, cofundador da Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Barromeo – Scalabrinianas. Ele alegava haver, aqui, muitos desamparados, órfãos, migrantes, carentes de assistência irrestrita. A jovem Assunta, decidida a ser carmelita, mudou sua trajetória, uma dádiva para nosso país, já que seu desvelo aos menos favorecidos era incomparável e, logo, reconhecido como exemplo de altruísmo especial. Após a morte da religiosa, em São Paulo, onde há a Casa Madre Assunta, orações para que ela intercedesse em causas difíceis se tornaram frequentes. Diante do relato de centenas de graças alcançadas, a congregação decidiu postular a beatificação da boa Madre. Durante esse processo, um convite da Irmã Blandina Felipelli me surpreendeu: _ Maria Inês, gostaríamos que você fosse divulgadora da campanha pela beatificação de Madre Assunta – disse a voz delicada, do outro lado da linha. _ Irmã, eu? Imagine, sou “pequenininha” para essa missão! Só que a insistente irmãzinha me dobrou e eu me vi distribuindo a oração à Madre Assunta, não apenas nas igrejas, onde tive oportunidade de falar dela, mas na rua, no trabalho, no ônibus, em todo canto. Além disso, quando eu enviava cartas, anexava a oração que, para mim, já tinha demonstrado ser “ótima”. Vez em quando, eu telefonava ou escrevia para a Irmã Blandina, relatando graças que eu havia alcançado. Também lhe contava sobre as coincidências de os informativos chegarem a mim, quando eu estava com alguma atribulação. Ela me asseverava que não eram coincidências, que eu desenvolvera um laço fortíssimo com Assunta. E ela estava e continua certa. Há poucos anos, Irmã Blandina faleceu e, com isso, não recebi mais nada da Casa Madre Assunta. Essa ligação parecia adormecida dentro de mim, até 4 de abril último, quando exultei diante do que li na Folha de S. Paulo – A9: Assunta Marchetti será declarada beata do Brasil em outubro próximo. No ato, espalhei a boa nova, através de telefonemas, postagens virtuais, emails. Minha emoção com o resultado de uma longa campanha que eu julgava extinta é indescritível. Dizem que sou privilegiada, com o que concordo. Afinal, esta “pequenininha”, está em meio a algo grandioso:uma beatificação. Que num futuro não tão distante a beata se torne Santa Assunta Marchetti! minesprado@gmail.com Rabiscos de Minês:minesprado.blogspot.com.br Abril/14

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Infância ontem e hoje

Infância ontem e hoje No século 20, a abertura entre pais e filhos era restrita ao essencial. Embora o convívio fosse maior, o respeito excessivo pelos adultos, aliado ao temor, fazia a criançada passar apertos terríveis, sem que os pais suspeitassem de algo errado. A garotada mais expansiva se aliviava com os amigos. Porém, quem era introvertido sofria muito. O refúgio era o quarto, mas, se o repartia com irmãos, só sobrava mesmo o banheiro, onde o menino ou a menina amargava interrogações e conflitos, falando com as paredes e deixando a água da torneira escorrer, para abafar os soluços. Bullying - violência física ou psicológica intencional e repetida - é um dos tantos fardos da infância. Ele está por toda parte: na escola, na família, nas brincadeiras fora de casa. Mas, no passado, raramente os adultos estavam a par dessa perturbação sofrida pela criança. Ou, mesmo cientes, faziam vista grossa, talvez por medo da reação do causador do bullying ou por receio de desavença em família. Dois exemplos de bullying que nunca ninguém soube, ninguém viu: *_ Vai, baiaca, sua molenga, corre, passa a bola pra cá! _ berra o tio da desajeitada, em férias na casa dos avós. Baiaca, molenga. Essas ideias grudam nos miolos da coitada, gordinha e molenga mesmo. E, se o tempo for espremido ou ela for pressionada, aí é molenga e meia. Por isso, procura isolar-se das brincadeiras. Padece calada, chora por dentro. *Dois irmãos grandalhões, uma garota e um garoto, filhos de donos de armazém, estudam na mesma sala da menina tímida, “crente”, sempre atenta aos seus deveres. O garotão cisma com ela, persegue-a na classe, no recreio, na fila. A qualquer chance, tenta cutucá-la por trás. Às vezes consegue. A menina vive apavorada, sente-se acuada. A professora, moça ainda, não controla a situação, parece temer o brutamonte insuportável. O ano letivo se arrasta. A menina dorme mal, preocupada com o amanhã. Nem pensa em contar aos pais o drama na escola. Um alívio, quando tira o diploma do primário e se vê livre do algoz. Alívio maior, quando o pai conta que foi transferido para outra agência bancária e que, logo, a família se mudará para perto da praia. Ela não pensa nas delícias do mar, da areia; sua ideia é fixa: ficar longe do “tarado”. Mas a menina se engana. O demônio aparece onde ela menos espera. Num final de tarde, ela volta do ginásio, tranquila, ouvindo o canto das cigarras. De repente, avista, do outro lado da avenida, o gigante montado numa bicicleta de entregador. Ela treme, o coração pula, as pernas bambeiam. Reza para que ele não a veja. Corre, chega em casa, apavorada. E ninguém sabe, ninguém vê. Deve contar pra mãe, pro pai? Cadê a coragem? Se antes escondeu tudo, agora não adianta contar, pois o grandalhão está solto num outro mundo. Conclusão: cada vez que põe os pés na rua, pede proteção divina, para que o tal fique longe dela. O martírio permanece em segredo. Sua palidez demonstra que alguma coisa grave ela tem. Os pais, erroneamente, atribuem o abatimento da filha às cólicas das “regras”, outro fardo que acaba de aparecer na vida dela. **** _ Mãe, acho que você deve ter sofrido muito em criança! _ Ué, por que essa agora? De onde você tirou essa ideia? _ Nossa, mãe, você tem tanta pena dos pequenos! Só pode ser por isso! É, talvez seja... Aquela menina, agora mulher, vê poucas mudanças na infância de ontem e de hoje, ou melhor, um tremendo paradoxo: ontem, havia convívio maior, entre pais e filhos, mas os tabus eram montanhas intransponíveis; hoje, há abertura, (até demais), mas a convivência é minguada, para não dizer nula. Assim, as crianças sofrem bullying e outros pesadelos do mesmo jeito – sozinhas, na frente das telinhas. Abril/14 minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br