sábado, 29 de março de 2014

Abraço sem fim

Abraço sem fim (rir é o melhor remédio) Maricota é clicada, Num momento de muita indignação: De óculos, dedo em riste, microfone na mão. Que acontece, então? Graças ao blá-blá-blá da irritada, Extensa matéria é publicada, Relatando a falta de legista, Em São João da Boa Vista. Cidadãos atuantes leem jornais: Maricota é comentada, Elogiada, criticada, Que mais? Uma senhora desavisada, Vista já meio cansada, Diante do retrato de Maricota, Conclui: minha amiga bateu as botas. Pobre dona Cida! Lamenta, chora, A amiga perdida. De certo, chegara a hora... Passado um tempinho, Numa noite de domingo, Dona Cida vai ao jardim, Ver como anda a banda. Tristeza trancada em casa, A senhora bate palmas, Cumprimenta toda gente, Até que, de repente: Jesus! Será Maricota De corpo e alma? Bem no meio do jardim, Um ímã une as duas, Num abraço sem fim. **** Março/14 Maria Inês Prado minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br

segunda-feira, 24 de março de 2014

PAGU E PEARL BUCK

PAGU e PEARL Duas mulheres que cruzaram comigo em duas fases da minha vida – juventude e velhice. Só que, na mocidade, não temos noção de como esses encontros, nem sempre físicos, nos tocam e se refletem pela vida afora. As impressões permanecem adormecidas, latentes, mas afloram, a qualquer tempo, devido a circunstâncias imprevisíveis e até surpreendentes. Assim aconteceu comigo, em relação a essas duas personalidades que se destacaram no mundo literário e na luta em prol dos menos favorecidos. Patrícia Rehder Galvão - Pagu (sanjoanense – 1910/1962), militante política, jornalista, iniciou sua trajetória artístico-literária em São Paulo, SP, “espiou” o mundo, apontou as injustiças sociais e a hipocrisia burguesa, lutou pelos direitos do proletariado, decepcionou-se com o abismo entre seus ideais e a realidade comunista. Pearl Sydenstricker Buck (americana – 1892/1973) iniciou-se no mundo das letras na China, onde viveu por quarenta anos, desde pequenina, na companhia dos pais missionários. Ativista, batalhou pela proteção das crianças desamparadas, pelos direitos civis dos afro-americanos e até mesmo contra os testes nucleares. Em razão do comunismo, abandonou a China e voltou para os Estados Unidos. No final da vida, o governo chinês negou-lhe o visto para visitar o cenário da maioria de suas obras. Pearl Buck foi a primeira mulher americana a ganhar o Prêmio Nobel em Literatura –1938. Na minha juventude, tive Pagu por perto, pois a sanjoanense radicou-se em Santos, onde se projetou no mundo artístico e literário. Pagu era colaboradora do jornal A Tribuna; lia diariamente suas crônicas, sem imaginar que, no futuro, ela teria tanta importância na minha vida. Á época, gravei bem aquele apelido curtinho, frequentemente mencionado no meio estudantil. Quem nunca ouviu falar da JUC, que ensejava reuniões nas casas de família onde compareciam intelectuais e artistas? Pagu se fazia presente em toda parte e foi tão importante para os santistas que mereceu a Oficina Cultural Pagu, hoje localizada na Cadeia Velha, a mesma onde foi presa e torturada, em represália a sua participação nas manifestações dos trabalhadores. Pagu e eu nos banhamos nos mesmos mares, mares que alimentam devaneios e apaziguam a alma... Não me recordo bem como Pearl entrou na minha vida, se por mim mesma ou por influência de meu futuro marido, fã dos autores estrangeiros. O fato é que me encantei com a mulher combativa, sonhadora, desejosa de melhorar o mundo, mulher amorável e de amores intensos que lhe custaram críticas e até um certo isolamento para viver em paz. Muitas de suas obras, mais de cem, têm caráter autobiográfico. Haja vista “A boa terra”, obra mais tarde transformada em filme pela MGM, que retrata o modus vivendi de uma família chinesa que experimenta todas as faces do sofrimento e do amor. Seca, pobreza, venda de filhos, conquista de status, respeito irrestrito ao homem da casa, submissão da mulher, concubinato dentro do próprio lar são alvo do espírito aguçado e sensível da escritora vaidosa que não dispensava o batom vermelho e os vestidos chineses. Reavivando Pagu. Jamais me imaginei morando no interior, mas fiquei feliz que o destino me permitisse respirar os ares que Pagu primeiro respirou. Nas reuniões da Academia de Letras de São João da Boa Vista que passei a frequentar como convidada, ouvia, atenta, referências a Pagu. O cantinho dedicado a ela – Centro Cultural Pagu, onde os jovens podem pesquisar, ler, estudar, também me cativou. Meus laços com Pagu ganharam força quando, em 2006, tornei-me acadêmica. Precisando indicar meu patrono, não titubeei: Pagu – Patrícia Rehder Galvão, mãe de Rudá de Andrade, recém-falecido (3/2/09), filho de Oswald de Andrade, escritor e primeiro marido de Pagu, e Geraldo Galvão Ferraz, filho de Geraldo Ferraz, jornalista, segundo marido de Pagu, que muito a amou, aceitando e compreendendo suas excentricidades. Tendo escolhido Pagu para patrona, é natural que quisesse conhecer a fundo a militante, a escritora, a mulher de olhos misteriosos e maquilagem exagerada. Devorei tudo que dizia respeito à vida de Pagu, ficando particularmente impressionada com o trabalho exemplar de Lucia Teixeira Furlani- “PAGU, Patrícia Galvão, livre na imaginação, no espaço e no tempo” (Ed. UNISANTA , 4a edição,1999, Santos –SP). Uma das obras de Pagu, sob o pseudônimo de Mara Lobo, “Parque industrial” (1933), primeiro romance proletário brasileiro, é leitura obrigatória para se entender a autora. Revisitando Pearl Buck. Em 2003 fiz a primeira viagem aos Estados Unidos, onde um de meus filhos mora há anos. A idéia de ir ao exterior sempre estivera ligada à Europa que, pra mim, combina com antiguidade, romance, tradição, cultura e tudo de bom para o espírito. Mas a vida, às vezes, toma rumos inesperados. Numa manhãzinha julina, no verão de 2003, abracei meu filho em solo americano. - Mãe, traga alguma roupa mais quente- avisara ele dias antes. - Ué, por quê? Não é verão aí? - É sim, mas você vai precisar. Vamos para as montanhas. Fiquei na mesma, mas logo entendi que deveria ser mais uma surpresa para mim, arte na qual meu menino é mestre. Então, sem mais perguntas, pus alguns agasalhos na bagagem. O casaco de couro já ia mesmo, pois, aqui, estávamos no inverno. Alguns dias após minha chegada, tive que refazer a mala. Um dos destinos? New York. O outro? As montanhas. E, por favor, olha o agasalho! Partimos logo cedo. Controlei a curiosidade. Ser desmancha prazer não faz meu gênero. Horas e horas de estrada. Paradas para as “necessidades”. Comida e água numa geladeira portátil para evitar delongas. Após mais de dez horas, sob garoa e frio, quase noite, montanhas lindíssimas e verdíssimas, as Green Mountains, chegamos ao destino surpresa – cidadezinha de poucas ruas, Danby, em Vermont, estado americano quase divisa com o Canadá. Aliás, é de Vermont o mármore empregado no monumento a George Washington, marco imponente que identifica Washington –D.C. O corpo meio travado, ali estava eu diante de uma casa em reforma, enorme, quatro andares, branca, entradas por todos os lados, cercada por muito gramado; ao longe, o som de água corrente. Vizinhos? Apenas uma casinha velha com um residente mais velho ainda. Entramos. Cuidado aqui e lá. Escadas estreitas e íngremes. Aposentos amplos. Paredes internas semidesmanchadas, deixando à mostra o recheio de lã de vidro. Janelões. Então... - Mãe, aqui morou Pearl Buck, aquela que você gostava de ler, lembra? - Pearl Buck?- mal conseguia falar _ Filho, quanta coisa eu li dela! Mas...como você descobriu isso aqui? A casa, patrimônio tombado “vendido” por preço simbólico, tem a reforma condicionada às normas da associação que zela pela preservação histórica. Mas reformar aquilo tudo? Eu estava muda e mais muda fiquei quando meu filho mostrou-me o quarto em que Pearl dera o último suspiro. E eu? Será que Deus me daria a chance de respirar os mesmos ares? De isolar-me ali, com meus pensamentos e escritos ou simplesmente com meu tricô? Pearl também era tricoteira... Nem sei quanto tempo ficamos naquele cenário em que só havia uma luminária à bateria. O resto era breu. Rabisquei algumas impressões sob luz precária e zunido de pernilongos. Depois fui extravasar minhas lágrimas a céu aberto. A chuva fina aplacou-me o coração tumultuado. Partimos dali tarde da noite, rumo a New York. Porém, diante do mau tempo, pernoitamos em Burlington, maior cidade de Vermont. Foi a única vez em que lavei minha cabeça às três horas da manhã, após uma briga de quarenta minutos com a regulagem da água quente... Voltei a Danby em dois invernos. A reforma da casa que acolheu Pearl está adiantada. Há planos de colocar até um elevador, talvez pensando nas pernas desta mãe... Pertinho de lá, a cachoeira semicongelada já atrai os turistas e, recentemente, mereceu reportagem no New York Times. Para desespero de meu filho, a privacidade começa a ser prejudicada. Mais motivada do que nunca, a partir dessa surpresa única, voltei a ler Pearl Buck e obras sobre sua vida, sua casa em Danby: The last charpter, por Beverly Rizzon, e A woman in conflict, por Nora Stirling, têm me fascinado. Pearl, mulher de muitos amores, dois casamentos e um relacionamento incomum com Theodore F. Harris, Ted, trinta anos mais novo, seu devoto até a morte. Ano retrasado conhecemos a penúltima moradia da escritora, uma fazenda enorme, em Bucks County, Pennsylvania. O lugar belíssimo, aberto ao público, acolheu os restos mortais de Pearl. Seus objetos pessoais ali expostos parecem cheios de vida como o era sua dona, cuja exuberância encantou o mundo. Lá encontramos também uma das filhas adotivas de Pearl Buck, Janice, uma sessentona corpulenta e de pouca fala. Pearl teve uma única filha de sangue, Carol, retardada, ‘uma criança num corpo de mulher’. Assim, tenho, para sempre, minha vida entrelaçada a essas duas imortais das Américas, mulheres avançadas no tempo: combativas, desafiadoras, envolventes, vaidosas, amadas, humanas. E corajosas até a morte: ambas lutaram contra o câncer, mas foram por ele derrotadas. Talvez a única batalha perdida nas suas trajetórias notáveis e com muitos pontos em comum. Quem sabe aquela casa em Danby, VT, ainda venha a testemunhar, mais intimamente, parte da minha vida. Deus sabe, mas não me conta. P.S.: Em agosto de 2010 visitei o último endereço de PAGU – Cemitério do Saboó, em Santos. M.Inês Prado Cadeira nº 36 Patrona: Patrcia Rehder Galvão - PAGU Fev./09

domingo, 23 de março de 2014

Favelinha

Favelinha Nas datas mais festivas do ano, sobretudo no Dia de Finados, um dos pontos mais procurados da cidade é o “Museu a céu aberto” , ou seja, o Cemitério Municipal São João Baptista. O entra e sai de visitantes é invejável: enquanto muitos reverenciam seus queridos , outros, boquiabertos, admiram os trabalhos de Fernando Furlanetto (1897-1975), escultor brilhante, cujas obras só faltam falar, tal o esmero das feições primorosamente delineadas. É nesse ambiente artístico e badalado que terei minha última morada, o que é uma honra, pois partilharei a companhia de gente notória, cujos túmulos ostentam preciosidades, como A Piedade, O Menino da Chupeta e tantas outras. Porém, àqueles que, no futuro, pensarem em me fazer uma visitinha, aviso que o campo santo tem uma dicotomia gritante: em primeiro plano, a parte nobre, com jazigos imponentes, enriquecidos por Furlanetto; em segundo plano, a parte “nova”, cujo epíteto é “favelinha”. Por favor, procurem-me na quadra 29 – 67 desta. Evidentemente que ninguém escolhe morar em favela. Assim, quando, em 2009, comprei um pedacinho de terra ali, para meus queridos pais descansarem tão juntinhos quanto nos 60 anos de vida em comum, ignorava ter optado pela favelinha, onde, segundo dizem, era para ter um gramado verdinho, com sepulturas ao rés do chão e placas identificando seus moradores. Nada mais. Só que o projeto lindo e singelo não saiu do papel. Sei lá por quê. Longe de mim a discriminação, mas é fato que, dia a dia, a favelinha se agiganta: sem nenhuma pavimentação, está entupida de campas coladas umas às outras, algumas revestidas, outras, no cimento puro, flores artificiais desbotadas, vasos quebrados enfeitando o chão, onde o mato cresce adoidado. Uma vez na vida outra na morte, a máquina rapa o meio das “ruas”, largando as beiradas pra trás. O quadro horripilante é arrematado pelo lixão que, mesmo do lado de lá da favelinha, não escapa ao olhar do visitante. Claro que o lixo também vem da parte nobre, mas fica longe dela, uma espécie de Morumbi imune a mazelas. É entre a favelinha e o lixão que, há tempos, uma capela deu lugar ao Instituto Médico Legal que, por razões escusas, está desativado há mais de três anos. Assim, a favelinha ficou enriquecida com um elefante branco mal-ajambrado e ao deus-dará. Só não digo solitário, pois transeuntes que cortam caminho por um atalho dentro do cemitério, passam junto ao IML e lascam-lhe um bom dia. Na tentativa de tapear a população, dizem os capitães da cidade que o IML, verdadeira pocilga, está em reforma, embora já reste comprovado que, se está, é entre aspas. A favelinha é testemunha silenciosa dessa atual conjuntura. A inoperância do IML agrava o sofrimento de famílias inteiras, pois os restos mortais de vítimas de violência têm que viajar até o IML da vizinha Mogi-Guaçu, sem prazo para a volta. A espera indefinida para o velório e o sepultamento é um martírio. A dignidade da pessoa não cessa com a morte, mas, ali, é desprezada, vilipendiada; o morto se transforma em mera coisa sujeita ao vaivém. Assim, além de parte do cemitério de São João Batista abrigar meu endereço final, abriga também um monstrengo inútil, embora a placa capenga indique, pomposamente: Governo do Estado de São Paulo Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública Superintendência de polícia técnico-científica Equipe de Pericias médicas Necrotério Municipal São João da Boa Vista M. Inês Prado Março/14 minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br

sábado, 15 de março de 2014

Livros e seu destino

Livros e seu destino Certa vez, minha casa amanheceu pelada de livros. Fiquei chocada, pois não vivo sem eles. Alguém, ao se apartar de mim, levara todos, até os que me serviam de ferramenta de trabalho nas aulas particulares de inglês/ português. Inconformada, recorri ao juízo de família. Foram-me restituídos alguns gatos pingados. Que sufoco! Mas logo superei essa fase. Deixei o mar lá longe e parti para vida nova em ares sanjoanenses. Voltei a estudar e, aos poucos, formei modesta biblioteca, com contribuição da família, sobretudo de uma tia e mestra, que me cedeu obras de literatura e gramática, tudo bem cuidado, como é próprio de quem ama os livros. Após essa ajuda valiosa, passei a lecionar em escolas. Então, as editoras enchiam minha estante, com dicionários, gramáticas e paradidáticos. A biblioteca se ampliou. Tinha à disposição farto material para pesquisas e preparo de aulas que eu dava para vários níveis. Mais tarde, já assistente na faculdade, sentia-me respaldada com tantas riquezas à mão. Anos depois, a vida me mostraria que a justiça se faz aqui mesmo. Por morte daquele que me deixara a pé de livros, eles retornaram a mim, de um jeito inimaginável. O estopim foi um telefonema desesperado de amigos de Santos. Por atenderem a um pedido de favor, havia dois anos que eles estavam com uma bomba nas mãos: cerca de três mil livros em caixas de papelão entulhavam dois cômodos duma casa velha, onde cupins faziam a festa. Por meus filhos serem herdeiros, será que eu não resolveria a questão? Sim, tentaria resolver, mas como? Onde enfiar três mil livros, de uma hora para outra? Pedi a Deus uma luz. Decidida, nas férias de janeiro, encarei as curvas da estrada de Santos. Fiz inúmeras viagens, o carro ia vazio e voltava cheio, verdadeira maratona, para liberar a casa de meus amigos. Perdi cinco quilos em uma semana, no afã de transferir, doar, organizar e limpar coleções bagunçadas e imundas de pó preto do cais, pois a biblioteca estivera, anos a fio, num escritório no centro histórico de Santos. Obras-primas mofadas foram parar no lixo. O coração doeu. Quem é viciado em leitura sabe o preço que se paga, não só na livraria, mas na conservação de volumes que parecem dar cria: a limpeza não acaba nunca, o espaço é sempre insuficiente, os dedos doem, a renite ataca com tudo, as pernas amolecem. E mais – como regra, faxineiras não querem limpar livros. Quando muito, passam um paninho nas lombadas e pronto. Se, por milagre, tiram-nos do lugar, põem de volta tudo fora de ordem e até de cabeça pra baixo. Para encurtar a novela: a maratona, que me rendeu, também, intoxicação por querosene, valeu a pena, pois eu e meus queridos recuperamos um material raríssimo neste século 21. Só que, para mim, é chegada a hora do desapego. Pouco a pouco, desfaço-me das coisas que não mais têm serventia. Li, leio e releio muito, varando madrugadas, o que me rende olheiras permanentes. Mas jamais darei conta de todas as maravilhas de Machado de Assis (releio, agora, Iaiá Garcia) , Vieira, José de Alencar, Castro Alves, Fernando Pessoa, Cecília Meirelles, Pearl Buck, Dostoiévski, Éxupèry, Aluisio Azevedo, Eça de Queiroz, João Cabral de Mello Neto, Vinicius etc. Dar-me-ei, sim, por satisfeita, se a fila de atualíssimos, como Raduan Nassar, Milton Hatoum, Ariano Suassuna e outros, andar rapidinho. Nos últimos três anos, mandei em frente quilos de dicionários, gramáticas, coleções de direito, romances, enciclopédias (a última foi a fantástica Larousse, dada para um jardineiro com dois filhos estudantes e sem computador). Alguém poderia indagar: ‘Mas os livros não eram para os herdeiros?’ Eram, só que filhos e netos estão “noutra”, a tecnologia desbancou a leitura no papel, a falta de tempo e de espaço são justificativas para a biblioteca continuar, eternamente, na casa da mãe. Porém, ela também está “noutra”. Triste pensar que não posso mais conservar tantos livros. Amo bibliotecas! Mas consola saber que outros usufruem o que muito me deu prazer e cultura, além de companhia das boas. M. Inês Prado minesprado@gmail.com “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br

quinta-feira, 13 de março de 2014

Retiro à nossa moda

Retiro à nossa moda Cada um tem o carnaval que quer. Ou não quer. As opções são inúmeras. O importante é passar bem qualquer dia desta vida, seja ele alegre ou triste, movimentado ou nem tanto. Orando ou pulando, equilíbrio é a essência. Sábado: com a Rádio Imprensa FM sintonizada, une-se o útil ao agradável, dando-se passinhos pra lá e pra cá, enquanto limpa-se a casa. A tarefa rende muito, o tempo passa gostoso, entre flashes de outros carnavais e a vontade de hoje. Nestes dias de Momo, cardápio à base de peixe: tilápia, bacalhau, pacu, assados, grelhados, e muita salada. Uma torta de legumes substitui massas incrementadas. No retiro à nossa moda vale devorar livros e jornais, bebericando uma caipirinha, ou apenas quedar-se em contemplação, mirando o mistério do azul infinito ou falando com a lua. Lua, musa dos poetas, visita bem-vinda à solidão dos homens. Já madrugada, após o “boa noite” aos amigos da telinha e o rogo para que a moçada solta na folia tenha a proteção divina, vem a opção de conferir ‘Vitus’ , produção suíça de 2006, estrelada por reais prodígios no piano, com Teo Gheorghiu no papel principal. O garoto Vitus mantém uma relação bela com o avô, exemplo de astúcia e perseverança. Vitus é apaixonado pela música e pela babá Isabel. Ao reencontrá-la, confessa seu amor e argumenta que o homem deve se relacionar com mulher mais velha, pois estatísticas provam que, além de o macho morrer mais cedo, seu apetite sexual desperta e declina antes do da mulher... Argumentos convincentes, porém cabe ao espectador imaginar o happy end ou não do amor de Vitus por Isabel. Domingo: na AM – Piratininga, Almoço Musical, em que Nino Barbin, estudioso da música brasileira, passeia pelos sucessos carnavalescos, desde o início do século 20. Quanta coisa sai desse baú! Chiquita bacana... (1949). Somos transportados à nossa infância, adolescência, com tudo de melhor que ficou pra trás... Fantasia de prisioneiro, listrada, numerada, confete, serpentina e rolinhos que a tia ensina, jatos geladinhos nas costas que fazem torcer o pescoço, pra matar a curiosidade: quem é o rapazito ajeitado que joga charme para a menina-moça sonhadora a pular no salão? No corso, o galã do MG, conquistando todas, será o mesmo que gasta o olhar com uma Olívia Palito empanada de farinha e água, semienfiada no carro paterno, igualmente empanado? Pula, coração! Fantasia de oncinha mascarada e o vaivém na calçada do Parque Balneário. Que coragem até hoje inacreditável: desfilar na “passarela” ladeada de “pães”! Calças amarelas, blusa verde-bandeira, sombrero, homenagem ao Brasil, tricampeão em 1970. A moça se vê engatada ao bloco de mexicanos que invade o Clube Internacional de Regatas, em Santos. E marcha, e samba, sente-se a estrela da noite. E bem lá trás mesmo, uma família numerosa anima o centro de Ribeirão Pires, SP., famosa pela Água Pilar. A carreata sai do sítio do patriarca, trazendo gente de toda idade, fantasiada com peças surrupiadas dos guarda-roupas alheios. Até barrigão de grávida e promesseiro escondidos sob um guarda-chuva acompanham a turma alegre. Terça de carnaval: almoço delicioso, em meio à natureza: flores, lago, peixes, avestruz e mais amigos do peito. O papo rola solto, as horas passam. E o carnaval idem. Pra arrematar, missa no Perpétuo Socorro. Pouca gente, do jeito que gosto. Eu chorarei amanhã, hoje eu não posso chorar...(na voz deOrlando Silva) Nem quero. M.InêsPrado minesprado@gmail.com Rabiscos de Minês:minesprado.blogspot.com.br Publicado no Edição Extra de 8/3/14

sábado, 1 de março de 2014

Estepe

Estepe As mensagens via Internet comprovam que a maioria das pessoas anseia por viver bem o agora, único tempo que nos pertence. PPs de autoajuda invadem a entrada de nosso correio eletrônico, com reflexões sobre a energia positiva, a natureza e seu valor para nossa sobrevivência, a obra Divina etc., tudo ilustrado com imagens paradisíacas e fundo musical capaz de nos levar ao êxtase. Enfim, chegam-nos mensagens as mais variadas, que estão correndo o mundo, encaminhadas para inúmeros contatos, através de um processo fantástico e, diga-se de passagem, muito bem arquitetado. Se essa correspondência rápida e vultosa tornasse o mundo mais feliz, a vida estaria uma maravilha. Mas nossa constatação é bem outra: a solidão, a insatisfação, o interesse escuso são males que crescem por todo lado, como ervas daninhas imbatíveis. E é em nome da busca de algo inominado ou, talvez, da realização de desejos a qualquer preço, que muita gente faz, do seu próximo, verdadeiro “estepe”, ou seja, quebra-galho. Hoje, usar o outro, sem escrúpulos, é conduta tão comum que não nos espanta; quando muito, nos entristece, já que, frequentemente, somos nós o “estepe”. Quem tem carro, por exemplo, está sujeito a ser “estepe”, a todo instante. Quantas vezes você já foi surpreendido (a) por telefonema de alguém que não o (a) procurava há séculos? - _Fulano (a), tudo bem? E aí, que tem feito de bom? Falar nisso, você vai ao baile em Caixa Prego amanhã? Ah, será que tem um lugarzinho pra mim? Claro que você, por educação ou por coração mole, diz amém e dá carona, fazendo o possível para disfarçar o óbvio: você está servindo de “estepe”. E se justifica: Deus manda distribuir amor, não manda? Fev./14 M. Inês Prado minesprado@gmail.com Blog:”Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com

Caiu na rede é peixe

Caiu na rede é peixe Engraçado como as coisas nesta vida vão acontecendo, sem você se dar conta do processo. Você sabe do seu esforço para estar em dia com tudo e ainda acompanhar o avanço tecnológico. Há momentos em que você se sente empurrando um caminhão ladeira acima. Se for autodidata, haja muque! Mas até que você se sai bem, recebe elogios dos netos que, de certo, se surpreendem com a velhice disputando telas e teclas com eles. A cada dia você ousa mais um passo, já descarrega fotos no computador, manda para a família, os amigos, pois todo mundo tem que saber como você está craque nas maquininhas que invadiram seu dia a dia.. Então, de passo em passo, você cai na rede. Primeiro do Orkut, depois do Face, pula daqui e de lá, escapa de uma e fica presa na outra. E você sabe muito bem que quem caiu na rede é peixe. Você é meio tímida nas passadas, vai devagar com o andor. Na rede, preenche seu perfil discretamente e sem máscara. Até parece que está preenchendo ficha cadastral minuciosa, com data de nascimento, local etc. Porém, ignora os itens em que você tem de revelar suas preferências, aptidões, enfim, tudo que a pintaria com cores mais atraentes ao olhar alheio. Mas, logo sua timidez fica esquecida. Você já exibe fotos de viagens, poses de família e, mais ousada, poses suas em trajes de banho. Simplesmente, no vai da valsa, a autocrítica já era. E igual criança em dia de aniversário, contando os presentes que recebe, você vai checando as curtidas na sua página. E não contente com os números, você quer ver quem curtiu o quê. Curiosidade contagia. Nomes estranhos estão no rol da curtição. Quem será fulano ou sicrana? Você não resiste: espia o perfil dos curtidores desconhecidos. Na página deles, você curte postagens, compartilha algumas e, por fim, se vê intima o bastante para deixar comentários ali, sem pedir licença. Não demorará muito e você pede para ser adicionada ou é convidada por alguém. Maravilha: você faz mais um amigo ou amiga virtual, que pode ser gente boa ou não, mas você, gente boa, nem pensa nisso. Segue em frente e vive situações hilárias, como marcar um café com uma amiga, confundindo-a com outra, ou dar pulos, porque pensa ter reencontrado um amigo de infância, mas logo aterrissa: é um homônimo que, de tão legal, fica seu amigo do peito. Todo dia você é notificada de que peixes-amigos postaram algo na sua ‘linha do tempo’. Conferir postagens vicia. Numa das conferidas, você se depara com o emagrecimento relâmpago da Ivete Sangalo, devido a um extrato recém-descoberto. Você não precisa emagrecer, mas resolve conferir os detalhes do extrato milagreiro, antes de partilhar a matéria que pode beneficiar alguém desesperado com a balança. Por delicadeza, você deixa um comentário para a autora da postagem, dizendo que, em sua opinião, a dança é ainda o melhor meio (e mais prazeroso) de emagrecimento. Aí vem a bomba: sua amiga, aflita, retruca que a postagem não é dela, que deve ser vírus! Ah, e que, por cautela, você exclua imediatamente a tal postagem. Só que a amiga não sabe que coisa assim não se vai num sopro; tem que marcar que a matéria deve ser vírus ou spam, senão a intrusa canta ”daqui não saio, daqui ninguém me tira!” E assim, você marcha e samba na rede, junto a bons peixes ou nem tanto, mas, com certeza, cheia de mascarados e fantasmas. M. Inês Prado minesprado@gmail.com Fev./14 ‘Rabiscos de Minês’: minesprado.blogspot.com