sábado, 1 de fevereiro de 2014

Velho chipado

Velho chipado Mais um ano se passou. A turma pegou a estrada, a casa volta à rotina e ao relativo silêncio. Música dançante (tango agora), toc-toc de teclado, vum-vum da máquina de lavar, varrição - logo tudo estará em ordem, ordem demais. Nos jornais e noticiários, saldos do feriadão misturam-se a registros nacionais e internacionais de sempre – acidentes nas estradas, inundações, desabamentos, desabrigados, balas perdidas, atentados, destruição, mortes de inocentes. Ah, a sem-vergonhice dos nossos políticos continua em pauta, não tira férias nunca. Coisas boas, agradáveis ao intelecto, dão pouco ibope; por isso ficam de escanteio na mídia escrita e falada. As Boas Festas envolvem agito e solidão. O que é melhor para o idoso, cujo abandono está sendo batizado de autonomia monitorada, segundo matéria recente na Folha de S. Paulo? A cena é mais ou menos esta: o idoso mora sozinho, ainda pinta e borda razoavelmente, mas é monitorado não somente através de câmeras, mas também de GPS, chips, pulseiras com botões de alerta e sei lá mais o quê. Até poucos anos, daria para imaginar um idoso chipado? Gado, pets, peixes etc. já vivem assim faz tempo. Agora, chegou nossa vez: eu, você, amigo ou amiga, somos brindados com mais penduricalhos. Desculpe, não quis me aprofundar na questão já em prática em alguns municípios brasileiros; se você achar a ideia “da hora”, pesquise. Somos de uma geração heroica, pois carregamos as marcas da 2ª guerra, do racionamento e do blackout, sobrevivemos às mudanças radicais de costumes e até aderimos à boa parcela delas, sob aplausos ou protestos. E mais, quebramos a cabeça para nos inserirmos no mundo tecnológico, um desafio que nos rouba o sono e faz varar madrugadas, quando exercitamos nossas habilidades nas páginas virtuais (não por solidão, viu?). Além disso, estamos no barco da longevidade compulsiva, dizendo amém às pílulas, fisioterapia etc. Agora, andar por aí chipado é demais, não acham? De qualquer forma, se você quiser ter algum familiar ou amigo do peito de plantão à distância, para acudi-lo nas panes fisiológicas ou outras, já pode providenciar toda a parafernália. Nada de se sentir abandonado. Lembre-se: você tem autonomia monitorada; basta uma coisinha eletrônica ser acionada, para você ser socorrido, viu? E a privacidade como fica? Ah, use a imaginação, busque artimanhas para namorar às escondidas da família ou para se deliciar com o torresmo proibido pelo doutor etc. Talvez, debaixo do chuveiro, dê pra driblar a monitoração e se livrar do puxão de orelha do filho , em férias d’outro lado do planeta, ou da filhota, partilhando fofocas no shopping, ambos posando como modelos de zelo e dedicação, porque olham pelo papai ou mamãe, 24 horas. De longe. Tamanho altruísmo é comovente. Que anjos! O mundo todo está atrapalhado, sem saber lidar com o quadro que pintou: a população velha cresce assustadoramente, porém a logística foi ignorada. O que fazer com tanto velho sarado, querendo curtir a vida, viajar, dançar, namorar, viver? Quem, de fato, paga o pato desse retrato? (que rima pobre!) Meu velho, minha velha, lembre-se: ser jovem é ter opções. Que, com chip ou sem ele, sua juventude (lúcida) se amplie neste Ano Novo!. M. Inês Prado minesprado@gmail.com Jan./14 “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br

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