sábado, 1 de fevereiro de 2014
Fugindo da leveza
Fugindo da leveza
Se disser para alguém que assisto à TV, minto. O que faço é ligá-la vez ou outra e ouvir seja lá o que for, enquanto faço palavras cruzadas, tricoto, falo ao telefone, enfim, ajo. Dizem que sofro de mãos inquietas, pode até ser, não sei.
Sábado passado folheava a Ilustrada (Folha), com a TV ligada. Mudei de canal “n” vezes, pausando um pouco aqui e ali: na Globo, Xuxa e seus convidados (o nome do programa não registrei); na Cultura, ‘Inglês com música’; na Band, ‘Brasil Urgente’, com o polêmico Datena.
A voz dele me irrita; a imagem idem. Numa crise de masoquismo inusitado, larguei o controle e encarei o sangue escorrendo pela tela: três crimes bárbaros no estado de São Paulo. Vítimas?
*Uma jovem mãe de 22 anos, que tinha muito caminho a percorrer, inclusive criar a filha de 3 anos. O ex-marido, inconformado em perder a moça para outro, armara uma emboscada, usando a pequenina como pretexto. Num matagal, retalhou a moça com quarenta facadas e se mandou.
*Um GCM que, em férias, providenciava a festa de aniversário da filha. Estava numa loja com a esposa, quando foi avisado de assalto nas proximidades: um casal era alvo de dois facínoras na “saidinha” do banco. O GCM não pestanejou. Correu à rua, para livrar homem e mulher dos criminosos. Resultado? Tiro na cabeça. O herói deixa duas filhas, uma delas excepcional, o xodó dele.
*Um coletor que, em momento de folga, resolveu chamar a atenção de um catador que espalhava lixo pra todo lado. O catador reagiu, empunhando um retalho de lata. Um corte mortal no peito extinguiu, em plena rua, o futuro de uma família de gente jovem e batalhadora.
O sangue continuou a escorrer da tela, mas misturado à justa revolta de familiares e amigos. Até quando a impunidade neste Brasil ficará na mesmice de promessas vãs dos governantes e demais autoridades constituídas?
Pena de morte não é solução, pois, além de significar crime sobre crime, pode eliminar gente inocente, em razão de justiça falha (e como!). Prisão perpétua seria condenação ideal, sendo que o recluso trabalharia oito horas por dia, para prover o próprio sustento e reparar, minimamente, o mal causado à sociedade. Entretanto, nada é solução num sistema penitenciário carcomido.
Nossa legislação penal carece de reforma urgente, a começar pela extinção do regime de progressão, em se tratando de crime hediondo, como é o homicídio doloso. O bom comportamento do preso é obrigação; portanto não merece recompensa. Basta de cálculos percentuais que livram facínoras da reclusão. Que cumpram integralmente a pena nos moldes em que foi imposta.
Ninguém me demove desta ideia: o homem tem que ser, essencialmente, bom, pois tal lhe é facultado desde o nascimento. Todos nós carregamos mazelas, porém é imperioso usar de severidade ao lidar com elas e, sobretudo, driblá-las e vigiá-las, para que não se instalem no trono e dominem nossas ações e pensamentos, em detrimento de nossas virtudes. Por mais modestas que sejam estas, basta cultivá-las e elas prevalecerão.
Hoje, por culpa da TV ou da chance que tenho de fazer uso da palavra, estou fugindo da leveza que procuro dar a esta coluna. Mil desculpas.
M. Inês Prado minesprado@gmail.com
Jan./14 blog: “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br
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