sábado, 16 de novembro de 2013
Ao sabor das ventanias
Ao sabor das ventanias
Nos tempos de escola, se alguma coisa errada acontecia na sala de aula, um grupo era chamado para se explicar ou ajudar a solucionar a questão. Fosse o que fosse, uma conduta era unânime: não havia dedo-duro, ninguém entregava ninguém.
Porém, está tudo tão mudado, para não dizer invertido, que o abominável, ontem, tornou-se mérito, hoje. Ao acusado de cometer um crime é oferecida a chance da delação premiada, ou seja, pena reduzida, em caso de condenação, se colaborar com as investigações e apontar suspeitos de envolvimento no ato ilícito.
Quando poderíamos imaginar que essa e outras condutas socialmente reprováveis, lá trás, tornar-se-iam rotineiras, frequentando as páginas jornalísticas, como algo normal?
Outra questão proibitiva era ler, sem permissão, qualquer papel que estivesse ao nosso alcance. Cartas, bilhetes despertam a curiosidade de todo mortal. Mas, em idos tempos, ai de quem atropelasse essa norma! Era duramente repreendido, passava vergonha perante a família e os amigos.
Agora, e com nossa anuência tácita, através das redes sociais, o destino de toda privacidade é o ralo. Pela facilidade de acesso aos perfis dos feicistas (ou de membros de outras redes), sabe-se onde o cidadão nasceu, onde mora, onde estudou, trabalha, se é casado, solteiro, se mantém relacionamento, para onde viaja etc. Mesmo ciente de que há perfis fictícios, a tendência de expor o autorretrato predomina. “Existir” no mundo virtual é hábito que se expande assustadoramente, como se as redes sociais fossem o único canal de comunicação na face da terra. Diante dessa realidade, chega a ser hilário um internauta enfurecido com a secretária dele, porque ela deu uma espiadela na carta largada a esmo, ou castigar o filho, por xeretar o extrato bancário do pai muquirana.
Nas famílias antigas era inadmissível irmão dedar irmão. A delação denotava fraqueza de caráter, preocupava os pais tanto quanto a mentira.
O especialista em computação, Edward Snowden, ex-analista da NSA (agência americana de inteligência), refugiado na Rússia, escancarou as portas da espionagem sistemática praticada pelos Estados Unidos, desencadeando discussão acirrada mundo afora. No desdobramento dos fatos, alguns países são apontados como seguidores da mesma linha, enquanto outros se mostram vitimas. No frigir dos ovos, dizem os entendidos que, de um modo ou de outro, toda nação é espiã, segundo as conveniências.
Espionar é feio, mas pode ser muito útil. “A janela indiscreta”, produção de Alfred Hitchcock, de 1954, com James Stewart e Grace Kelly, é prova cabal de como a espionagem pode ser parceira de investigações e elucidações de enigmas. No filme inesquecível, um fotógrafo profissional está de molho, com a perna fraturada. Para passar o tempo, espiona a vizinhança, o que o leva à constatação de um assassinato. Afinal, diante de situações como essa, pode-se dizer que a espionagem é, muitas vezes, instrumento de utilidade pública.
A pergunta que fica é: como nossas crianças devem ser ensinadas, em relação aos pecados d’outrora, se hoje são atitudes abonadas e incentivadas pela sociedade?
Uma hora, certa conduta é feia, é defeito grave. Mas, se convém ao mundo adulto, torna-se mérito premiado, porque contribui para o bem comum. Para adultos medianamente instruídos, tal relatividade já é complexa. Imagine para a petizada!
Assim, em termos de educação, melhor engavetar certas noções do que dar nó na cabeça da criançada. Que fique tudo no vai da valsa e ao sabor das ventanias.
M. Inês Prado
Nov./13 minesprado@gmail.com
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