quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Crônica louca

Crônica louca O jornal nosso de cada dia (vide Cotidiano recente) não é apenas uma dependência, é masoquismo, misto de prazer e sofrer. O prazer de estar atualizado vem junto com o sofrimento de ver tantas barbaridades acontecendo por todo lado. Inútil dizer coisas triviais, como ‘o mundo não tem conserto’ e outras. Nossos ouvidos cansaram. A bestialidade existe desde sempre. Apenas, hoje, a tecnologia avançada a traz de baldada. Noutros tempos, as más novas andavam devagar, quase parando. Agora, o que acontece aqui é sabido do outro lado do planeta em segundos, sem preparo do terreno... Assim, o estado de choque virou rotina. Um dia a mídia divulga que o garoto Marcelinho, 13 anos, estudante, é suspeito de liquidar quatro familiares e, depois, cometer suicídio. Ele teria planejado tudo com riqueza de detalhes, alguns por inspiração das suas brincadeiras. A fuga, após a matança, era provável. Havia uma mochila preparada com roupas, papel higiênico, dinheiro. Talvez por arrependimento, mudara de ideia e se suicidara. Simples assim o quadro pintado ante o olhar apatetado do cidadão em sintonia com o mundo. Suposições, pré-juízo leviano. E os dias se sucedem, trazendo violências diretas e indiretas, uma delas a infância agredida, ceifada, invadida por conduta desumana, tudo sob o nosso nariz. Na Síria o garoto Issa, 10 anos trabalha na restauração de artefatos bélicos, ajudando o pai e o Exercito Livre da Síria. Pelo visto, não frequenta a escola nem brinca, já que passa cerca de dez horas trabalhando. As ilustrações da reportagem mexem com o coração da gente (vide Folha, A15 – 11/9/2013). Doutro país distante, de crenças e valores bem diversos dos nossos, vem o absurdo: meninas púberes são protagonistas de casamento comunitário com marmanjos, muitos com mais de trinta. Dias depois, esta notícia: a morte de uma menina de oito anos, por hemorragia. Causa? Na relação sexual, teve o útero perfurado. Filme de terror não me causaria tanto impacto. Como a historia é cíclica, chegará o momento do ‘fundo do poço’, como aconteceu em outras eras. Esse fundo do poço seria, a meu ver, uma pane total dos meios de comunicação, trabalho e lazer. E como uma coisa puxa outra, sem iluminação nem água encanada. Caótico, não? Vejo o povo vagando, como no ‘Ensaio sobre a cegueira’, de José Saramago. Para quem não leu essa obra-prima: o caos se instala, após uma epidemia que deixa todo mundo cego, exceto a esposa de um médico. Dá para imaginar a criançada e a juventude, sem as telinhas e teclas? E os adultos, sem engenhocas básicas, como telefone, computador & internet, impressora, máquina de lavar louça, roupa, geladeira? Imagine-se privado de todos os recursos que você tem, hoje, na palma da mão. Imagine-se carregando baldes d’água do córrego São João ou do Jaguari, não para se banhar, pois isso você fará in loco, mas para se livrar dos dejetos que empesteiam sua casa, onde a parafernália de material de limpeza será inútil. Imagine-se, mesmo, a pé de tudo, tendo de bolar sua sobrevivência. Vá fundo nessa viagem. Falando nisso, sempre abominei a pretensão do homem, ao ir à Lua, (se é que foi), já que, aqui, há tantas coisas à espera de solução. Agora, ao findar essa crônica louca, mudei de ideia. Muita gente deveria ir pro espaço e passar uns tempos por lá, para entender que somos nada, diante da magnitude do universo.

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