quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Viver no bem

Viver no bem A gente acaba entrando na dança do universo virtual, mesmo com certa relutância, o que tem sido tema recorrente explorado por articulistas e cronistas de renome. Hoje também sou feicista, por força não somente das atividades do cotidiano, mas pelas relações interpessoais. Confesso que tenho colhido bons frutos, através do Facebook e, o melhor, feito novas e boas amizades. Por isso cheguei à conclusão que redes sociais são como tudo nesta vida: valem a pena, desde que usufruídas com parcimônia e sensatez, focando nosso olhar nos aspectos positivos e desprezando o lixo. Vejam: nesta semana recebi, via sedex, um belo livro de culinária, “A Cozinha Vintage Paulista” – coletânea de receitas e fotos do século XX, de Vera Amaral Galvão, minha amiga do Face e a primeira a saber da minha intenção de publicar “A Família Rolinha e o Gato”. Não fora as explorações estimuladas pela rede e a curiosidade de descobrir quem está por trás de postagens mais significativas, amizades preciosas como a mencionada jamais aconteceriam. É um processo natural que obedece a vários passos, até você ter a impressão de que aquele (aquela) internauta entrou na sua vida, no seu cotidiano, e que, em breve, você o (a) incluirá no rol de amigos com A. “Eu sou aquela pessoa que acredita no bem, que vive no bem e que anseia o bem. É assim que eu enxergo a vida e é assim que eu acredito que vale a pena viver.” Atribuída à Clarice Lispector, tal afirmação combina com minha filosofia de vida. Muitas vezes ouço que devo lembrar que há muita gente má, que sou ingênua etc. e tal. Minha resposta reiterada é que, se tiver de olhar todo mundo com desconfiança, se tiver de desprezar essa minha índole, eu serei uma morta-viva. Desde menina só me sinto confortável e segura na harmonia, e assim permaneço. Caos, confusão, agressividade, maldade, hipocrisia etc. me causam tristeza, aflição, mal-estar profundos. Dizem que quem interage através das redes sociais é mascarado. Como sempre, há casos e casos. Nelas, percebem-se perfis de todo jeito e para todo gosto. É uma questão de separar o joio do trigo, de usar o crivo, para ficar com o que é do bem e para o bem, e esquecer o resto. Há perfis honestos, risonhos e francos. Um adulto razoavelmente inteligente saberá distingui-los. E, se por ventura, errar na avaliação, é simples. Basta cancelar o contato, aceitando o equivoco. Afinal, equivocar-se faz parte do nosso crescimento. Graças à internet, meu coração anda mais aquecido. Cruzar com ex-alunos, com filhos e netos, com amigos engolidos pelo mundo, com pessoas nota dez que talvez nunca conheçamos ao vivo, acompanhar fases alegres ou tristes de gente muito querida ou até desconhecida, orar pelos doentes e sofredores, torcer para que seus males encontrem solução, enfim, partilhar um pouco o caminho de cada um desses laços, é uma das inúmeras chances que temos de viver no bem. Vale a vida. M. Inês Prado Out./13 minesprado@gmail.com Blogger:”Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br Publicação no Edição Extra de 19/10/2013

domingo, 6 de outubro de 2013

Fruto do elogio paterno: A Família Rolinha e o Gato

Fruto do elogio paterno: A Família Rolinha e o gato _ Filha, você deveria publicar um livro com suas coisas. _ Eu, pai?! _ Claro, por que não? Eu “banco”... Esse foi o maior elogio que recebi de meu querido pai. Nas entrelinhas, ele queria dizer que gostava dos meus rabiscos. E a maneira que escolheu para demonstrar sua aprovação foi bem sutil. A influência da educação germânica era acentuada nele. Havia grande dificuldade para manifestação de carinho, de concordância, de solidariedade. Tudo era meio velado, porém consistente, sincero. E mais: sua simples presença, ainda que silenciosa, passava uma tremenda segurança. Entretanto, era preciso sensibilidade para enxergá-lo além das aparências. Aqueles que conseguiam vê-lo com os olhos do coração e que valorizavam gestos discretos, mas importantes, esses conheceram o lado valioso daquele homem alto, com jeito de filósofo, como era frequente eu ouvir de nossos amigos e também daqueles que, mesmo com pouco convívio, guardaram essa impressão do meu querido. Ele era do tempo em que o homem de verdade chamava para si a responsabilidade de dar apoio às mulheres da família que eram sozinhas. Seu costume de enviar, todo mês, um auxílio para as irmãs distantes ou de nos dar algum dinheirinho para os alfinetes era mera decorrência de sua formação. Também se preocupava, e muito, em apoiar as órfãs de pai, pois sabia o quanto a figura masculina faz falta na vida de uma garota. Creio que ele deva ter sofrido por ser resistente à demonstração de elogios. Porque a gente padece, quando não consegue verbalizar nosso aplauso. Mas é da vida, cada um na sua, refletindo, no caminho à frente, a educação recebida. Sem dizer que a força do sangue também conta e muito... Pois é, nos anos 90, meu pai sugeriu que eu partilhasse meus escritos. Desde então, sentia-me em dívida com ele. Até andei organizando arquivos, porém algo inexplicável me impedia outros passos. Finalmente parti para a prática, mas fiz questão de obedecer ao ciclo da vida: a infância é meu primeiro objetivo. Assim, como presente pelo Dia da Criança, nasce o fruto do elogio paterno: “A Família Rolinha e o gato” – para ler e colorir. Trata-se de produção independente, sem burocracia, saída do forno direto para os pequenos leitores-arteiros, pois o tempo urge. Desculpe-me o atraso, pai. M. Inês Prado Out./13 minesprado@gmail.com Blogger:”Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Crônica louca

Crônica louca O jornal nosso de cada dia (vide Cotidiano recente) não é apenas uma dependência, é masoquismo, misto de prazer e sofrer. O prazer de estar atualizado vem junto com o sofrimento de ver tantas barbaridades acontecendo por todo lado. Inútil dizer coisas triviais, como ‘o mundo não tem conserto’ e outras. Nossos ouvidos cansaram. A bestialidade existe desde sempre. Apenas, hoje, a tecnologia avançada a traz de baldada. Noutros tempos, as más novas andavam devagar, quase parando. Agora, o que acontece aqui é sabido do outro lado do planeta em segundos, sem preparo do terreno... Assim, o estado de choque virou rotina. Um dia a mídia divulga que o garoto Marcelinho, 13 anos, estudante, é suspeito de liquidar quatro familiares e, depois, cometer suicídio. Ele teria planejado tudo com riqueza de detalhes, alguns por inspiração das suas brincadeiras. A fuga, após a matança, era provável. Havia uma mochila preparada com roupas, papel higiênico, dinheiro. Talvez por arrependimento, mudara de ideia e se suicidara. Simples assim o quadro pintado ante o olhar apatetado do cidadão em sintonia com o mundo. Suposições, pré-juízo leviano. E os dias se sucedem, trazendo violências diretas e indiretas, uma delas a infância agredida, ceifada, invadida por conduta desumana, tudo sob o nosso nariz. Na Síria o garoto Issa, 10 anos trabalha na restauração de artefatos bélicos, ajudando o pai e o Exercito Livre da Síria. Pelo visto, não frequenta a escola nem brinca, já que passa cerca de dez horas trabalhando. As ilustrações da reportagem mexem com o coração da gente (vide Folha, A15 – 11/9/2013). Doutro país distante, de crenças e valores bem diversos dos nossos, vem o absurdo: meninas púberes são protagonistas de casamento comunitário com marmanjos, muitos com mais de trinta. Dias depois, esta notícia: a morte de uma menina de oito anos, por hemorragia. Causa? Na relação sexual, teve o útero perfurado. Filme de terror não me causaria tanto impacto. Como a historia é cíclica, chegará o momento do ‘fundo do poço’, como aconteceu em outras eras. Esse fundo do poço seria, a meu ver, uma pane total dos meios de comunicação, trabalho e lazer. E como uma coisa puxa outra, sem iluminação nem água encanada. Caótico, não? Vejo o povo vagando, como no ‘Ensaio sobre a cegueira’, de José Saramago. Para quem não leu essa obra-prima: o caos se instala, após uma epidemia que deixa todo mundo cego, exceto a esposa de um médico. Dá para imaginar a criançada e a juventude, sem as telinhas e teclas? E os adultos, sem engenhocas básicas, como telefone, computador & internet, impressora, máquina de lavar louça, roupa, geladeira? Imagine-se privado de todos os recursos que você tem, hoje, na palma da mão. Imagine-se carregando baldes d’água do córrego São João ou do Jaguari, não para se banhar, pois isso você fará in loco, mas para se livrar dos dejetos que empesteiam sua casa, onde a parafernália de material de limpeza será inútil. Imagine-se, mesmo, a pé de tudo, tendo de bolar sua sobrevivência. Vá fundo nessa viagem. Falando nisso, sempre abominei a pretensão do homem, ao ir à Lua, (se é que foi), já que, aqui, há tantas coisas à espera de solução. Agora, ao findar essa crônica louca, mudei de ideia. Muita gente deveria ir pro espaço e passar uns tempos por lá, para entender que somos nada, diante da magnitude do universo.

Crônica da crônica: minha sala é um museu

Crônica da crônica: minha sala é um museu Dia destes uma professora das boas perguntou-me como ensinar crônica aos alunos. Questão danada de responder. Seria mais fácil abrir um jornal e apontar-lhe crônicas dos ótimos Ruy Castro, Carlos Heitor Cony e outros. Ou ainda uma coletânea de crônicas machadianas, em que burros falantes satirizam o bicho-homem. Nos últimos tempos, explicações teóricas me provocam certa preguiça, não sei por quê. Se tivesse que dizer algo que preste à mestra e amiga, dir-lhe-ia: recomende a seus pupilos, como primeiro passo, que usem lupa, que reparem em tudo o que se passa no dia a dia, que pausem o olhar nas pequenas coisas, até descobrir que elas são grandes e importantes. Assim nasce a crônica, de parto normal e sem fórceps, como deve ter nascido “Impressões digitais”, do singular Antonio Prata (Folha, C2, 22/9/13), em que ele viaja, divertidamente, ao observar dois dedões que caem no seu campo de visão, enquanto sentado na praia. Resumo: um dedão carrega tudo de feio e ruim, todas as sujeiras do mundo; outro, só falta cantar, de tão lindo! Hoje, dei uma de Sherlock Holmes e analisei minha sala, verdadeiro museu cheio de coisas carregadas de significados, que me inspirariam crônicas pro resto da vida. É a mesinha de 1960, escondida sob o mármore rosado que ganhei da mãezinha emprestada, minha sogra, mais antigo do que a mesa que ele tanto valoriza, ao ocultar lascas e manchas deixadas pelas traquinagens da criançada e pelos copos molhados dos marmanjos descuidados. São as cadeiras velhinhas, uma de balanço, torneada, com assento de palhinha, da avó de sangue alemão, sisuda demais, sempre à espera de que os netos lhe pedissem a bênção. Outra, confortável, de espaldar alto, na qual um padreco desajeitado ficou no cai não cai, com as pernas balançando no ar. É o lampião de cobre, com vidros bisotè, comprado num yard sale (bazar ao ar livre, onde se vendem coisas que não têm serventia para os donos da casa) e que resistiu a dez horas de viagem, prensado numa mala estufada. Que momentos únicos essa peça artesanal testemunhara, enquanto espalhava luz de vela para os notívagos românticos, talvez tecendo cartas de amor ou trocando juras, carícias? São os apoios em pedra sabão para a coletânea de Fernando Pessoa: duas cabeças de cavalo perfeitas. Por coincidência, junto ao conjunto, pousam dois estribos de estanho todo trabalhado. Imagino histórias dos pés que se escoraram neles. Seriam pés de fada ou de algum brutamonte picareta, elemento fincado neste solo gentil, desde sempre? Mais longe, na parede de tijolo à vista, meus pais queridos, retratados pela prima artista, abençoam-me dia e noite. O amor deles daria um compêndio em prosa e verso, recheado de lições de respeito, abnegação e carinho velado, porém autêntico. Satisfeita, pego um volume de Pessoa, abro-o aleatoriamente e leio: “Meu senso intimo predomina de tal maneira sobre meus cinco sentidos que vejo coisas nesta vida – acredito-o - de modo diferente de outros homens. Há para mim – havia – um tesouro de significados numa coisa tão ridícula como uma chave, um prego na parede, os bigodes de um gato.” (Fernando Pessoa, ‘Obras em prosa, Eu profundo’, p. 37, Editora Nova Aguilar, 1985). Pessoa e Machado, toques permanentes nas nossas divagações. M. Inês Prado minesprado@gmail.com Blogger:minesprado.blogspot.com.br