sábado, 31 de agosto de 2013

O BATOM E O PEDINTE

O batom e o pedinte O batom escapou-lhe das mãos. Ela abaixou-se para pegá-lo, mas os dedos nodulosos não colaboravam mais. Tinha que fazer mil tentativas, até conseguir apanhar as coisas que deixava cair. Justiça seja feita: não só os dedos não ajudavam, mas também a coluna há muito travada como um cabo de vassoura teimoso que se recusa a vergar. O batom rolava pra lá e pra cá, em franco deboche das investidas daqueles dedos impacientes e desastrados. Num momento foi parar junto a um sujeito grandalhão que se fez de cego. Ela puxou o batom com o pé e, afinal, conseguiu agarrá-lo. Arre! Ela não estava só. Caminhava com uma amiga. Retomaram o blá-blá-blá, enquanto ela tentava encontrar um papel qualquer para embrulhar o batom meio melecado pelo tombo. A tampa rachada tornara-se inútil. Ela estancou o passo, abaixou-se, ouvindo o ranger do próprio corpo. Pegou um papel de sorvete jogado num canto da calçada e enrolou o batom nele, diante da amiga meio aparvalhada com aquilo tudo. As duas caíram na gargalhada. ********** Acordou com a própria risada misturada ao barulho da água que batia na calha. Esticou-se, pulou da cama, abriu a cortina. Chovia fino. Olhar para o céu e agradecer por mais um dia é o primeiro gesto dela de manhã. Se há sol ou chuva, tanto faz. Ainda rindo, decidiu rabiscar, com urgência, a crônica semanal, antes que o sonho se dissipasse. Não é à toa que os analistas pedem aos pacientes que tenham papel e lápis no criado-mudo. O insignificante, mas caríssimo bastãozinho Payot iria parar no jornal. Engoliu o café da manhã, a remediada, ignorou a louça na pia, o cabelo desgrenhado, o robe, o quarto desarrumado. O batonzinho divertia-se à custa dela: afinal, forçara-a a alterar toda a rotina matinal. Insignificante ele? Só na cabeça dela, uma incoerente, pois antes mesmo de preparar o café já tinha ligado o PC, tamanha era a pressa de registrar o sonho. Ansiosa, ela começou a digitação, ao mesmo tempo em que questionava as leituras da noite anterior, buscando explicações para o sonho que a fizera acordar rindo até. Seria por causa ‘Dos escombros de Pagu’, de Tereza Freire, dando ênfase ao batom vermelho usado e abusado pela primeira presa política no Brasil (23/8/1931)? Ou seria culpa do “Apelo dramático de Rose Marie Muraro”, na Ilustrada – Folha de S. Paulo de 26/8? Aos 83 anos, Rose se declara Patrona do Feminismo Brasileiro (2005), além de cidadã honorária de Brasília e São Paulo e escolhida duas vezes como uma das mulheres do século... Agora, na penúria, pede socorro. Em carta a amigos, diz-se semicega e semiparalitica. Segundo ela, a ministra Eleonora Menicucci e anônimos sensibilizaram-se. Sua conta bancária tem recebido depósitos. A cronista deixa os porquês do sonho pra lá. Conclui, apenas, que o batom nada tem de insignificante, pois, apesar de poucas inovações através dos séculos, ele dança e rola por aí, colore bocas, rabisca recadinhos em espelhos e muito mais. Por sua vez, os meios de angariar recursos cada vez mais sofisticados ameaçam a figura do pedinte cara a cara: nas redes sociais, ONGs e cidadãos comuns apelam para os corações caridosos; inovando, jornais tradicionais publicam SOS de pidonhos (de elite?). M. Inês Prado Ago./13 Blogger:’Rabiscos de Minês’: minesprado.blogspot.com.br minesprado@gmail.com O batom e o pedinte O batom escapou-lhe das mãos. Ela abaixou-se para pegá-lo, mas os dedos nodulosos não colaboravam mais. Tinha que fazer mil tentativas, até conseguir apanhar as coisas que deixava cair. Justiça seja feita: não só os dedos não ajudavam, mas também a coluna há muito travada como um cabo de vassoura teimoso que se recusa a vergar. O batom rolava pra lá e pra cá, em franco deboche das investidas daqueles dedos impacientes e desastrados. Num momento foi parar junto a um sujeito grandalhão que se fez de cego. Ela puxou o batom com o pé e, afinal, conseguiu agarrá-lo. Arre! Ela não estava só. Caminhava com uma amiga. Retomaram o blá-blá-blá, enquanto ela tentava encontrar um papel qualquer para embrulhar o batom meio melecado pelo tombo. A tampa rachada tornara-se inútil. Ela estancou o passo, abaixou-se, ouvindo o ranger do próprio corpo. Pegou um papel de sorvete jogado num canto da calçada e enrolou o batom nele, diante da amiga meio aparvalhada com aquilo tudo. As duas caíram na gargalhada. ********** Acordou com a própria risada misturada ao barulho da água que batia na calha. Esticou-se, pulou da cama, abriu a cortina. Chovia fino. Olhar para o céu e agradecer por mais um dia é o primeiro gesto dela de manhã. Se há sol ou chuva, tanto faz. Ainda rindo, decidiu rabiscar, com urgência, a crônica semanal, antes que o sonho se dissipasse. Não é à toa que os analistas pedem aos pacientes que tenham papel e lápis no criado-mudo. O insignificante, mas caríssimo bastãozinho Payot iria parar no jornal. Engoliu o café da manhã, a remediada, ignorou a louça na pia, o cabelo desgrenhado, o robe, o quarto desarrumado. O batonzinho divertia-se à custa dela: afinal, forçara-a a alterar toda a rotina matinal. Insignificante ele? Só na cabeça dela, uma incoerente, pois antes mesmo de preparar o café já tinha ligado o PC, tamanha era a pressa de registrar o sonho. Ansiosa, ela começou a digitação, ao mesmo tempo em que questionava as leituras da noite anterior, buscando explicações para o sonho que a fizera acordar rindo até. Seria por causa ‘Dos escombros de Pagu’, de Tereza Freire, dando ênfase ao batom vermelho usado e abusado pela primeira presa política no Brasil (23/8/1931)? Ou seria culpa do “Apelo dramático de Rose Marie Muraro”, na Ilustrada – Folha de S. Paulo de 26/8? Aos 83 anos, Rose se declara Patrona do Feminismo Brasileiro (2005), além de cidadã honorária de Brasília e São Paulo e escolhida duas vezes como uma das mulheres do século... Agora, na penúria, pede socorro. Em carta a amigos, diz-se semicega e semiparalitica. Segundo ela, a ministra Eleonora Menicucci e anônimos sensibilizaram-se. Sua conta bancária tem recebido depósitos. A cronista deixa os porquês do sonho pra lá. Conclui, apenas, que o batom nada tem de insignificante, pois, apesar de poucas inovações através dos séculos, ele dança e rola por aí, colore bocas, rabisca recadinhos em espelhos e muito mais. Por sua vez, os meios de angariar recursos cada vez mais sofisticados ameaçam a figura do pedinte cara a cara: nas redes sociais, ONGs e cidadãos comuns apelam para os corações caridosos; inovando, jornais tradicionais publicam SOS de pidonhos (de elite?). M. Inês Prado Ago./13 Blogger:’Rabiscos de Minês’: minesprado.blogspot.com.br minesprado@gmail.com O batom e o pedinte O batom escapou-lhe das mãos. Ela abaixou-se para pegá-lo, mas os dedos nodulosos não colaboravam mais. Tinha que fazer mil tentativas, até conseguir apanhar as coisas que deixava cair. Justiça seja feita: não só os dedos não ajudavam, mas também a coluna há muito travada como um cabo de vassoura teimoso que se recusa a vergar. O batom rolava pra lá e pra cá, em franco deboche das investidas daqueles dedos impacientes e desastrados. Num momento foi parar junto a um sujeito grandalhão que se fez de cego. Ela puxou o batom com o pé e, afinal, conseguiu agarrá-lo. Arre! Ela não estava só. Caminhava com uma amiga. Retomaram o blá-blá-blá, enquanto ela tentava encontrar um papel qualquer para embrulhar o batom meio melecado pelo tombo. A tampa rachada tornara-se inútil. Ela estancou o passo, abaixou-se, ouvindo o ranger do próprio corpo. Pegou um papel de sorvete jogado num canto da calçada e enrolou o batom nele, diante da amiga meio aparvalhada com aquilo tudo. As duas caíram na gargalhada. ********** Acordou com a própria risada misturada ao barulho da água que batia na calha. Esticou-se, pulou da cama, abriu a cortina. Chovia fino. Olhar para o céu e agradecer por mais um dia é o primeiro gesto dela de manhã. Se há sol ou chuva, tanto faz. Ainda rindo, decidiu rabiscar, com urgência, a crônica semanal, antes que o sonho se dissipasse. Não é à toa que os analistas pedem aos pacientes que tenham papel e lápis no criado-mudo. O insignificante, mas caríssimo bastãozinho Payot iria parar no jornal. Engoliu o café da manhã, a remediada, ignorou a louça na pia, o cabelo desgrenhado, o robe, o quarto desarrumado. O batonzinho divertia-se à custa dela: afinal, forçara-a a alterar toda a rotina matinal. Insignificante ele? Só na cabeça dela, uma incoerente, pois antes mesmo de preparar o café já tinha ligado o PC, tamanha era a pressa de registrar o sonho. Ansiosa, ela começou a digitação, ao mesmo tempo em que questionava as leituras da noite anterior, buscando explicações para o sonho que a fizera acordar rindo até. Seria por causa ‘Dos escombros de Pagu’, de Tereza Freire, dando ênfase ao batom vermelho usado e abusado pela primeira presa política no Brasil (23/8/1931)? Ou seria culpa do “Apelo dramático de Rose Marie Muraro”, na Ilustrada – Folha de S. Paulo de 26/8? Aos 83 anos, Rose se declara Patrona do Feminismo Brasileiro (2005), além de cidadã honorária de Brasília e São Paulo e escolhida duas vezes como uma das mulheres do século... Agora, na penúria, pede socorro. Em carta a amigos, diz-se semicega e semiparalitica. Segundo ela, a ministra Eleonora Menicucci e anônimos sensibilizaram-se. Sua conta bancária tem recebido depósitos. A cronista deixa os porquês do sonho pra lá. Conclui, apenas, que o batom nada tem de insignificante, pois, apesar de poucas inovações através dos séculos, ele dança e rola por aí, colore bocas, rabisca recadinhos em espelhos e muito mais. Por sua vez, os meios de angariar recursos cada vez mais sofisticados ameaçam a figura do pedinte cara a cara: nas redes sociais, ONGs e cidadãos comuns apelam para os corações caridosos; inovando, jornais tradicionais publicam SOS de pidonhos (de elite?). M. Inês Prado Ago./13 Blogger:’Rabiscos de Minês’: minesprado.blogspot.com.br minesprado@gmail.com

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