sábado, 24 de agosto de 2013

CHÁ CONFORTÁVEL

Chá confortável Oba, tem baile no sábado. Elas combinam tudo, quem vai com quem, quem vai dirigir, para que outras possam tomar um copinho de vinho. Pensam nos preparativos, vestido, cabelo, unhas. Enfim, são madurescentes cheias de vida. Às nove da noite em ponto, reúnem-se e pegam a estrada. O baile é a oito quilômetros de onde a turminha mora, um nadica diante de tanta expectativa. O luar inspira muita coisa, além de ajudar na iluminação da estrada. Que alívio para os olhos atrapalhados pela catarata! O blá-blá-blá corre solto, falas cruzadas são a regra, quando a mulherada se junta. Que horror, nada se entende, nada se completa! O ventinho que entra pelos vidros semiabertos leva pra longe as ideias truncadas. Logo as poderosas chegam à cidadezinha, elas e seus sonhos repetitivos, mas jamais desistidos. Ao contrário, eles sobrevivem num cenário onírico, com salão de mármore repleto de gente elegante, acordes inebriantes de Glenn Miller, Richard Clayderman, Ray Conniff, rodopios invejáveis dos pés de valsa honrando os grandes da MPB e da música internacional, como Chico Buarque, Bethânia, Jobim, Vinicius, Cartola, Johnny Mathis, Frank Sinatra, Nat King Cole, Dionne Warwick, Sarah Vaughan e outros. Carro estacionado, descem, ajeitam a roupa e lá vão elas, apoiando-se umas nas outras, driblando o calçamento traiçoeiro. Os pezinhos das fadas que não abrem mão dos saltos. O quarteto entra no Clube da Saudade (tinha que ser esse o nome do salão?), pagam a mesa (de pista, por favor!) e enfrentam a escadaria, agarradas ao corrimão. Buscam seus lugares como quem busca camarote vip. Despem os casacos, empilham as bolsas, escolhem o ângulo das cadeiras, virando-as pra lá e pra cá, num ritual cômico. Não para as sonhadoras, mas para qualquer observador minimamente crítico e por fora de alguns senões: todas querem ficar de frente para a pista de dança. Pescoço virado nem pensar! Culpa da artrose, senhores. Música, maestro. Perdido no emaranhado da fiação e das caixas acústicas gigantes, um varapau de camisa listrada anuncia, com pompa: _Uma seleção para os casais apaixonados. _ dando sinal para dois músicos, cada qual com um instrumentinho eletrônico paupérrimo, e soltando um estridente e desafinado Dio como ti amo (Gigliola Cinquetti). Pares ‘in love’ ou no ‘faz de conta’ invadem a pista, enquanto avulsas incorrigíveis queimam fosfato em impasses bobos: “Por que será que o grisalho não me tira?”, “Será que ‘ele’ vai cair do céu?”, “Será que vou tomar chá de cadeira?”. Será? Será? Logo três free-dancers enlutados põem mãos à obra. O quarteto faz as contas: cada uma dançará três seleções. Noutros tempos, elas não perdiam uma, havia avulsos de sobra, com vantagem: eram exímios dançarinos, além de cavalheiros. Mas eles rarearam num piscar de olhos e não houve reposição, por carência de material. Triste. (Para quem não sabe, free-dancer é o sujeito pago pelo clube para dançar com todas as damas, sem discriminação. Em alguns casos, elas pagam um free exclusivo, com rateio da despesa, se ele dançar com um grupo. Se dançar só com uma, a nota é preta, garante a freguesia. Mas quem ama a dança não vai ao baile para esquentar a cadeira. Então, a saída é fazer de um baileco, com free ou sem free, o baile dos sonhos. É simples: feche os olhos e deslize nos braços do príncipe, num salão de mármore...) As horas se arrastam, o baile rola morno. Uma das quatro madurescentes desabafa: _ Ainda bem que esta cadeira é boa. Pelo menos toma-se um “chá” confortável! minesprado@gmail.com Blogger:Rabiscos de Minês: minesprado.blogspot.com.br

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