sábado, 3 de agosto de 2013
A visita de Francisco e seus efeitos - publicação no Edição Extra de 3/8/2013
A visita de Francisco e seus efeitos
25 de julho de 2013. O papa Francisco visita a favela de Varginha, no Complexo de Manguinhos, periferia do Rio de Janeiro, onde moravam os invisíveis, até poucos meses atrás. Invisíveis? Sim, pois só mereceram olhares do poder público, a partir do momento em que o local foi eleito para receber Francisco.Mereceram até atiradores de elite estrategicamente posicionados nos telhados da favela, para a proteção do papa (FOLHA, A8, 25/7).
_ “Tal descaso, Pai Amado, ficou para trás a partir do momento do anúncio de sua visita à comunidade” – afirmou Rangler Irineu dos Santos, morador que saudou Francisco.
Em discurso corajoso, o jovem enfatizou que a coleta de lixo, a troca de caçambas, a varrição e outros serviços, como asfalto, iluminação, só tiveram espaço na rotina de Varginha nos últimos tempos. Em suma, preparava-se “a casa” para receber o hóspede ilustre e causar-lhe ótima impressão. Será que a sabedoria de Francisco pode ser subestimada tanto assim?
A atuação daqueles que deveriam estar agarrados aos objetivos próprios de quem foi eleito pelo povo é similar à dos moribundos contritos: de repente, são instados a higienizar a alma, com temor do juízo final. É também similar à atuação da dona de casa, às vésperas de receber hóspedes, ou da mulher, à espera do amado. Preparativos listados e ticados, à medida em que são cumpridos com minúcia de detalhes. Gostaria de estar aboletada em alguma árvore de Varginha, para observar se também fabricaram jardins a jato, bem coloridos e saudáveis, para impressionar e desviar a atenção do arguto Pontífice, rodeado dos que se dizem “ invisíveis”.
O pior é que a tentativa de deixar tudo “bonitinho” cobriu-se de fiascos, como o lamaçal no Campus Fidei, em Guaratiba (mais uma “obra” a ensejar investigações), obrigando a transferência, para Copacabana, dos eventos que aconteceriam ali, pane no metrô, desencontro de trajetos, “trombada” dos fiéis com o Bando das Vadias (mulheres seminuas, ostentando símbolos religiosos em partes do corpo nada convencionais) e muito mais. Será que os forasteiros voltarão para outras efemérides no Rio? Reclamações não faltaram.
Segundo noticiado e exibido pela mídia, Francisco chegou à Varginha de papamóvel, mas, após orar na capela São Jerônimo Emiliani, saiu a pé, em meio à multidão. Aclamado, tocado, presenteado, distribuiu afagos, beijou pequeninos, ofereceu mimos, driblando a segurança ostensiva – homenzarrões de terno e gravata, os cães de guarda de praxe. Francisco, que parece muito à vontade e seguro em meio aos humildes, deve se sentir bem desconfortável com a barreira que insiste em manter seu rebanho à distância.
Por mim, posso dizer que me senti envergonhada ante a visão dos colarinhos brancos que rodeavam o Papa, na cerimônia de entrega das chaves da cidade, poucas horas antes da ida dele à comunidade de Varginha. Será que algum deles teve vontade que um alçapão se abrisse e o levasse dali, junto com sua pequenez? Será que todos eles conseguiram, sem nenhum pejo, mirar o Papa nos olhos? Oscar Schmidt, o inesquecível ídolo do basquete, que luta contra um câncer, foi a única coisa linda que vi naquele instante: ajoelhado e contrito, recebendo a bênção papal.
Em tempos em que a desconfiança campeia nos corações desesperançados, tudo o que se deseja é que a vinda do Papa Francisco seja, de fato, um marco divisório entre o Brasil de ontem e o daqui para a frente. Que os olhares não percam o foco e que não se esperem anúncios de visitas pomposas, para subir às favelas e lá brincar de casa de bonecas, fazendo de conta que ali também vive gente.
Para Khalil Gibran (1883-1931), poeta e pensador libanês, “Trabalhar com amor é vínculo com os outros, com nós mesmos e com Deus.”
Papa Francisco parece seguidor desse preceito, o que poderia motivar um bloco gigantesco de trabalhadores brasileiros, amorosos e comprometidos, com políticos, governantes e autoridades puxando a fila, dispostos ao ombro a ombro com o povo.
M. Inês Prado Julho/13 Blog: “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br
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