sábado, 31 de agosto de 2013

O BATOM E O PEDINTE

O batom e o pedinte O batom escapou-lhe das mãos. Ela abaixou-se para pegá-lo, mas os dedos nodulosos não colaboravam mais. Tinha que fazer mil tentativas, até conseguir apanhar as coisas que deixava cair. Justiça seja feita: não só os dedos não ajudavam, mas também a coluna há muito travada como um cabo de vassoura teimoso que se recusa a vergar. O batom rolava pra lá e pra cá, em franco deboche das investidas daqueles dedos impacientes e desastrados. Num momento foi parar junto a um sujeito grandalhão que se fez de cego. Ela puxou o batom com o pé e, afinal, conseguiu agarrá-lo. Arre! Ela não estava só. Caminhava com uma amiga. Retomaram o blá-blá-blá, enquanto ela tentava encontrar um papel qualquer para embrulhar o batom meio melecado pelo tombo. A tampa rachada tornara-se inútil. Ela estancou o passo, abaixou-se, ouvindo o ranger do próprio corpo. Pegou um papel de sorvete jogado num canto da calçada e enrolou o batom nele, diante da amiga meio aparvalhada com aquilo tudo. As duas caíram na gargalhada. ********** Acordou com a própria risada misturada ao barulho da água que batia na calha. Esticou-se, pulou da cama, abriu a cortina. Chovia fino. Olhar para o céu e agradecer por mais um dia é o primeiro gesto dela de manhã. Se há sol ou chuva, tanto faz. Ainda rindo, decidiu rabiscar, com urgência, a crônica semanal, antes que o sonho se dissipasse. Não é à toa que os analistas pedem aos pacientes que tenham papel e lápis no criado-mudo. O insignificante, mas caríssimo bastãozinho Payot iria parar no jornal. Engoliu o café da manhã, a remediada, ignorou a louça na pia, o cabelo desgrenhado, o robe, o quarto desarrumado. O batonzinho divertia-se à custa dela: afinal, forçara-a a alterar toda a rotina matinal. Insignificante ele? Só na cabeça dela, uma incoerente, pois antes mesmo de preparar o café já tinha ligado o PC, tamanha era a pressa de registrar o sonho. Ansiosa, ela começou a digitação, ao mesmo tempo em que questionava as leituras da noite anterior, buscando explicações para o sonho que a fizera acordar rindo até. Seria por causa ‘Dos escombros de Pagu’, de Tereza Freire, dando ênfase ao batom vermelho usado e abusado pela primeira presa política no Brasil (23/8/1931)? Ou seria culpa do “Apelo dramático de Rose Marie Muraro”, na Ilustrada – Folha de S. Paulo de 26/8? Aos 83 anos, Rose se declara Patrona do Feminismo Brasileiro (2005), além de cidadã honorária de Brasília e São Paulo e escolhida duas vezes como uma das mulheres do século... Agora, na penúria, pede socorro. Em carta a amigos, diz-se semicega e semiparalitica. Segundo ela, a ministra Eleonora Menicucci e anônimos sensibilizaram-se. Sua conta bancária tem recebido depósitos. A cronista deixa os porquês do sonho pra lá. Conclui, apenas, que o batom nada tem de insignificante, pois, apesar de poucas inovações através dos séculos, ele dança e rola por aí, colore bocas, rabisca recadinhos em espelhos e muito mais. Por sua vez, os meios de angariar recursos cada vez mais sofisticados ameaçam a figura do pedinte cara a cara: nas redes sociais, ONGs e cidadãos comuns apelam para os corações caridosos; inovando, jornais tradicionais publicam SOS de pidonhos (de elite?). M. Inês Prado Ago./13 Blogger:’Rabiscos de Minês’: minesprado.blogspot.com.br minesprado@gmail.com O batom e o pedinte O batom escapou-lhe das mãos. Ela abaixou-se para pegá-lo, mas os dedos nodulosos não colaboravam mais. Tinha que fazer mil tentativas, até conseguir apanhar as coisas que deixava cair. Justiça seja feita: não só os dedos não ajudavam, mas também a coluna há muito travada como um cabo de vassoura teimoso que se recusa a vergar. O batom rolava pra lá e pra cá, em franco deboche das investidas daqueles dedos impacientes e desastrados. Num momento foi parar junto a um sujeito grandalhão que se fez de cego. Ela puxou o batom com o pé e, afinal, conseguiu agarrá-lo. Arre! Ela não estava só. Caminhava com uma amiga. Retomaram o blá-blá-blá, enquanto ela tentava encontrar um papel qualquer para embrulhar o batom meio melecado pelo tombo. A tampa rachada tornara-se inútil. Ela estancou o passo, abaixou-se, ouvindo o ranger do próprio corpo. Pegou um papel de sorvete jogado num canto da calçada e enrolou o batom nele, diante da amiga meio aparvalhada com aquilo tudo. As duas caíram na gargalhada. ********** Acordou com a própria risada misturada ao barulho da água que batia na calha. Esticou-se, pulou da cama, abriu a cortina. Chovia fino. Olhar para o céu e agradecer por mais um dia é o primeiro gesto dela de manhã. Se há sol ou chuva, tanto faz. Ainda rindo, decidiu rabiscar, com urgência, a crônica semanal, antes que o sonho se dissipasse. Não é à toa que os analistas pedem aos pacientes que tenham papel e lápis no criado-mudo. O insignificante, mas caríssimo bastãozinho Payot iria parar no jornal. Engoliu o café da manhã, a remediada, ignorou a louça na pia, o cabelo desgrenhado, o robe, o quarto desarrumado. O batonzinho divertia-se à custa dela: afinal, forçara-a a alterar toda a rotina matinal. Insignificante ele? Só na cabeça dela, uma incoerente, pois antes mesmo de preparar o café já tinha ligado o PC, tamanha era a pressa de registrar o sonho. Ansiosa, ela começou a digitação, ao mesmo tempo em que questionava as leituras da noite anterior, buscando explicações para o sonho que a fizera acordar rindo até. Seria por causa ‘Dos escombros de Pagu’, de Tereza Freire, dando ênfase ao batom vermelho usado e abusado pela primeira presa política no Brasil (23/8/1931)? Ou seria culpa do “Apelo dramático de Rose Marie Muraro”, na Ilustrada – Folha de S. Paulo de 26/8? Aos 83 anos, Rose se declara Patrona do Feminismo Brasileiro (2005), além de cidadã honorária de Brasília e São Paulo e escolhida duas vezes como uma das mulheres do século... Agora, na penúria, pede socorro. Em carta a amigos, diz-se semicega e semiparalitica. Segundo ela, a ministra Eleonora Menicucci e anônimos sensibilizaram-se. Sua conta bancária tem recebido depósitos. A cronista deixa os porquês do sonho pra lá. Conclui, apenas, que o batom nada tem de insignificante, pois, apesar de poucas inovações através dos séculos, ele dança e rola por aí, colore bocas, rabisca recadinhos em espelhos e muito mais. Por sua vez, os meios de angariar recursos cada vez mais sofisticados ameaçam a figura do pedinte cara a cara: nas redes sociais, ONGs e cidadãos comuns apelam para os corações caridosos; inovando, jornais tradicionais publicam SOS de pidonhos (de elite?). M. Inês Prado Ago./13 Blogger:’Rabiscos de Minês’: minesprado.blogspot.com.br minesprado@gmail.com O batom e o pedinte O batom escapou-lhe das mãos. Ela abaixou-se para pegá-lo, mas os dedos nodulosos não colaboravam mais. Tinha que fazer mil tentativas, até conseguir apanhar as coisas que deixava cair. Justiça seja feita: não só os dedos não ajudavam, mas também a coluna há muito travada como um cabo de vassoura teimoso que se recusa a vergar. O batom rolava pra lá e pra cá, em franco deboche das investidas daqueles dedos impacientes e desastrados. Num momento foi parar junto a um sujeito grandalhão que se fez de cego. Ela puxou o batom com o pé e, afinal, conseguiu agarrá-lo. Arre! Ela não estava só. Caminhava com uma amiga. Retomaram o blá-blá-blá, enquanto ela tentava encontrar um papel qualquer para embrulhar o batom meio melecado pelo tombo. A tampa rachada tornara-se inútil. Ela estancou o passo, abaixou-se, ouvindo o ranger do próprio corpo. Pegou um papel de sorvete jogado num canto da calçada e enrolou o batom nele, diante da amiga meio aparvalhada com aquilo tudo. As duas caíram na gargalhada. ********** Acordou com a própria risada misturada ao barulho da água que batia na calha. Esticou-se, pulou da cama, abriu a cortina. Chovia fino. Olhar para o céu e agradecer por mais um dia é o primeiro gesto dela de manhã. Se há sol ou chuva, tanto faz. Ainda rindo, decidiu rabiscar, com urgência, a crônica semanal, antes que o sonho se dissipasse. Não é à toa que os analistas pedem aos pacientes que tenham papel e lápis no criado-mudo. O insignificante, mas caríssimo bastãozinho Payot iria parar no jornal. Engoliu o café da manhã, a remediada, ignorou a louça na pia, o cabelo desgrenhado, o robe, o quarto desarrumado. O batonzinho divertia-se à custa dela: afinal, forçara-a a alterar toda a rotina matinal. Insignificante ele? Só na cabeça dela, uma incoerente, pois antes mesmo de preparar o café já tinha ligado o PC, tamanha era a pressa de registrar o sonho. Ansiosa, ela começou a digitação, ao mesmo tempo em que questionava as leituras da noite anterior, buscando explicações para o sonho que a fizera acordar rindo até. Seria por causa ‘Dos escombros de Pagu’, de Tereza Freire, dando ênfase ao batom vermelho usado e abusado pela primeira presa política no Brasil (23/8/1931)? Ou seria culpa do “Apelo dramático de Rose Marie Muraro”, na Ilustrada – Folha de S. Paulo de 26/8? Aos 83 anos, Rose se declara Patrona do Feminismo Brasileiro (2005), além de cidadã honorária de Brasília e São Paulo e escolhida duas vezes como uma das mulheres do século... Agora, na penúria, pede socorro. Em carta a amigos, diz-se semicega e semiparalitica. Segundo ela, a ministra Eleonora Menicucci e anônimos sensibilizaram-se. Sua conta bancária tem recebido depósitos. A cronista deixa os porquês do sonho pra lá. Conclui, apenas, que o batom nada tem de insignificante, pois, apesar de poucas inovações através dos séculos, ele dança e rola por aí, colore bocas, rabisca recadinhos em espelhos e muito mais. Por sua vez, os meios de angariar recursos cada vez mais sofisticados ameaçam a figura do pedinte cara a cara: nas redes sociais, ONGs e cidadãos comuns apelam para os corações caridosos; inovando, jornais tradicionais publicam SOS de pidonhos (de elite?). M. Inês Prado Ago./13 Blogger:’Rabiscos de Minês’: minesprado.blogspot.com.br minesprado@gmail.com

sábado, 24 de agosto de 2013

CHÁ CONFORTÁVEL

Chá confortável Oba, tem baile no sábado. Elas combinam tudo, quem vai com quem, quem vai dirigir, para que outras possam tomar um copinho de vinho. Pensam nos preparativos, vestido, cabelo, unhas. Enfim, são madurescentes cheias de vida. Às nove da noite em ponto, reúnem-se e pegam a estrada. O baile é a oito quilômetros de onde a turminha mora, um nadica diante de tanta expectativa. O luar inspira muita coisa, além de ajudar na iluminação da estrada. Que alívio para os olhos atrapalhados pela catarata! O blá-blá-blá corre solto, falas cruzadas são a regra, quando a mulherada se junta. Que horror, nada se entende, nada se completa! O ventinho que entra pelos vidros semiabertos leva pra longe as ideias truncadas. Logo as poderosas chegam à cidadezinha, elas e seus sonhos repetitivos, mas jamais desistidos. Ao contrário, eles sobrevivem num cenário onírico, com salão de mármore repleto de gente elegante, acordes inebriantes de Glenn Miller, Richard Clayderman, Ray Conniff, rodopios invejáveis dos pés de valsa honrando os grandes da MPB e da música internacional, como Chico Buarque, Bethânia, Jobim, Vinicius, Cartola, Johnny Mathis, Frank Sinatra, Nat King Cole, Dionne Warwick, Sarah Vaughan e outros. Carro estacionado, descem, ajeitam a roupa e lá vão elas, apoiando-se umas nas outras, driblando o calçamento traiçoeiro. Os pezinhos das fadas que não abrem mão dos saltos. O quarteto entra no Clube da Saudade (tinha que ser esse o nome do salão?), pagam a mesa (de pista, por favor!) e enfrentam a escadaria, agarradas ao corrimão. Buscam seus lugares como quem busca camarote vip. Despem os casacos, empilham as bolsas, escolhem o ângulo das cadeiras, virando-as pra lá e pra cá, num ritual cômico. Não para as sonhadoras, mas para qualquer observador minimamente crítico e por fora de alguns senões: todas querem ficar de frente para a pista de dança. Pescoço virado nem pensar! Culpa da artrose, senhores. Música, maestro. Perdido no emaranhado da fiação e das caixas acústicas gigantes, um varapau de camisa listrada anuncia, com pompa: _Uma seleção para os casais apaixonados. _ dando sinal para dois músicos, cada qual com um instrumentinho eletrônico paupérrimo, e soltando um estridente e desafinado Dio como ti amo (Gigliola Cinquetti). Pares ‘in love’ ou no ‘faz de conta’ invadem a pista, enquanto avulsas incorrigíveis queimam fosfato em impasses bobos: “Por que será que o grisalho não me tira?”, “Será que ‘ele’ vai cair do céu?”, “Será que vou tomar chá de cadeira?”. Será? Será? Logo três free-dancers enlutados põem mãos à obra. O quarteto faz as contas: cada uma dançará três seleções. Noutros tempos, elas não perdiam uma, havia avulsos de sobra, com vantagem: eram exímios dançarinos, além de cavalheiros. Mas eles rarearam num piscar de olhos e não houve reposição, por carência de material. Triste. (Para quem não sabe, free-dancer é o sujeito pago pelo clube para dançar com todas as damas, sem discriminação. Em alguns casos, elas pagam um free exclusivo, com rateio da despesa, se ele dançar com um grupo. Se dançar só com uma, a nota é preta, garante a freguesia. Mas quem ama a dança não vai ao baile para esquentar a cadeira. Então, a saída é fazer de um baileco, com free ou sem free, o baile dos sonhos. É simples: feche os olhos e deslize nos braços do príncipe, num salão de mármore...) As horas se arrastam, o baile rola morno. Uma das quatro madurescentes desabafa: _ Ainda bem que esta cadeira é boa. Pelo menos toma-se um “chá” confortável! minesprado@gmail.com Blogger:Rabiscos de Minês: minesprado.blogspot.com.br

QUERO SER O CHICO

Quero ser o Chico Nas últimas semanas, Chico tem sido notícia. O macaquinho, criado por uma senhora de São Carlos há 37 anos, fez as autoridades se mexerem. Devido a denúncias de maus-tratos, o bichinho foi levado para longe do berço. A reação dos fãs do Chico foi de revolta. Onde já se viu retirar do seio da “família” alguém tão amado? E, por certo, divertido. Choveram protestos, reivindicações, abaixo-assinados. Após mil exames e conjeturas, Chico, identificado como do sexo feminino e, por isso, rebatizado de Carla, acabou sendo devolvido, no dia 19/8, para as mãos da senhorinha que, inconformada com a separação, estava inconsolável e até doente. Perder um companheiro de tanto tempo não é nada fácil, dói demais. A alegria voltou a reinar na casinha simples de São Carlos -SP. Apenas alguns profissionais da área de proteção à fauna ficarão atentos, para verificar se a dona do Chico cumpre as orientações que deles recebeu: alimentação à base de ração, cálcio e frutas. Assim, rapidinho o impasse foi resolvido, sem embromação nem burocracia. No dia em que Chico voltou a ser feliz, dormiu gostoso e acordou muito disposto, retomando a rotina a que está acostumado, inclusive a bagunça nos cômodos da casa. Ele adora revirar roupas de cama e espremer tubo de pasta dental. Sempre que uma historia tem final feliz a gente comemora, mesmo longe dos fatos. Mas nem todo mundo tem a sorte de Chico, o atendimento relâmpago das autoridades, a presteza da máquina pública. Ao contrário. Enquanto Chico foi o centro das atenções em todo canto deste Brasil e até lá fora, cidadãos continuam a amargar o descaso do Estado, sobretudo em relação à saúde. A TV não se cansa de mostrar inúmeros pacientes à espera de atendimento médico; outros à beira da morte, desassistidos, muitas vezes agonizantes, jogados em macas espalhadas por corredores imundos; outros ainda a implorar por consultas imediatas, remarcadas ou marcadas para ano que vem ou sabe deus quando. Nenhuma expressão há para descrever o descalabro dessa realidade tão negra. Chico já era historia, agora é celebridade, com direito a acompanhamento, visitas, fã clube multiplicado. E, por ter atraído os olhares do mundo, beneficiou sua protetora, agora renovada diante das câmeras de TV, cabelos cuidados e outras mudanças. Até quando esse estado de graça vai durar não se sabe. É provável que até o caso cair no esquecimento. Mas, por ora, diante de tanto chamego dispensado ao simpático macaquinho (na verdade, macaquinha), é provável que muita gente por aí diga, com uma pontinha de inveja: _ Também quero ser o Chico. M. Inês Prado Agosto/13 minesprado@gmail.com Blogger: ‘Rabiscos de Minês’: minesprado.blogspot.com.br PUBLICAÇÃO NO EDIÇÃO EXTRA DE 24/8/2013

sábado, 10 de agosto de 2013

VOCÊ DOMINA SUA FERA INTERIOR?

Você domina sua fera interior? _ Mãe, que história é esta de um juiz que foi esquartejado e que penduraram a cabeça dele numa estaca? Não soube responder ao meu filho sobre esse crime hediondo. Estava por fora, embora devore a FOLHA todo dia. Iria conferir, pois só assim poderia dar-lhe algum retorno. Faço-o agora, apesar de ser avessa à escrita do tipo “se espremer, sai sangue”. A Folha de S. Paulo de 4/8/13, C3, traz o desdobramento do quadro macabro que foi plantado em Centro do Meio, lugarejo de 200 famílias, na zona rural de Pio XII, ao sul de São Luís, no Maranhão. No início de julho, durante um jogo de futebol, o árbitro Otávio Cantanhêde, 19 anos, esfaqueou o jogador Josemir Abreu, 30 anos, sendo este levado para o hospital. Aqueles que viram a cena agarraram o juiz, enquanto esperavam notícias do esfaqueado. Ao saberem que Josemir havia falecido, muniram-se de uma foice e esquartejaram Otávio. Não satisfeitos, decapitaram-no, brincaram de “bola” com a cabeça, antes de pendurá-la numa estaca junto ao campo de futebol. Horripilante! Segundo a reportagem, os moradores locais estão apavorados e, com receio de vingança, evitam sair de casa, vivem trancados. Além disso, as crianças sofrem represálias na escola e o povo da área urbana se benze, ao cruzar com o da zona rural. Pode? Dá para imaginar algo assim, nos dias de hoje? Voltamos à Idade da Pedra? Após o choque que a descrição dos fatos provoca, a primeira reflexão que me ocorre é que todo indivíduo tem uma fera dentro de si. Se ela desperta e se torna indomável, consequências imprevisíveis podem advir. Ai do mundo! O que poderia ser feito para evitar episódios tão brutais? Será que as pessoas esquecem que arma não é somente um revólver? Será que é prudente portar certas coisas que não sejam uma “pluma”, ao adentrar certos espaços onde há concentração de público sujeito a se envolver em confusão e brigas, como em jogos de futebol, shows, passeatas, protestos e outros eventos? Pensando bem, estou “viajando”, já que os “black blocs” – grupos mascarados, vestidos de preto - aí estão, belos e formosos, a desfilar ante as câmeras a imagem desafiadora de quem tudo pode porque nada acontece. Estar munido de barra de ferro, para depredar o que é associado ao capitalismo, é sinal de poderio da fera prestes a soltar-se da jaula. Se a valentia é tanta, por que a burca? Qual a intenção do indivíduo que busca o anonimato, ostentando qualquer artefato a título de arma? _ Chega de chorar! Deixa ver. Não quebrou a perna, não! Pronto, já passei álcool. Agora vamos levantar e andar! _ exemplo de fala corriqueira de muitos pais. É comum a criança ser treinada, desde cedo, para refrear o choro e outras manifestações de sentimento. Mas, raramente, ela é orientada a treinar o controle da agressividade. Ao contrário, a “ferinha” é alimentada a todo instante, incentivada: “Não traga desaforo pra casa: se baterem em você, devolva na hora!”. Assim, expande-se no dia a dia da escola, nas brincadeiras, cria força, fica enorme, poderosa. Qualquer provocação e deslize, até mesmo um esbarrão casual, e pronto: a fera acorda e zás, sai de perto! Os estragos podem ser irreversíveis. Talvez seja útil, como medida profilática, encetar pesquisas sobre o assunto, além de acrescentar, às entrevistas, fichas de seleção, enquetes de jornais e revistas, redes sociais e outras avaliações de nosso perfil, a pergunta: “Você domina sua fera?” Ago./13 minesprado@gmail.com Rabiscos de Minês:minesprado.blogspot.com.br PUBLICAÇÃO NO EDIÇÃO EXTRA EM 10/8/2013

sábado, 3 de agosto de 2013

A visita de Francisco e seus efeitos - publicação no Edição Extra de 3/8/2013

A visita de Francisco e seus efeitos 25 de julho de 2013. O papa Francisco visita a favela de Varginha, no Complexo de Manguinhos, periferia do Rio de Janeiro, onde moravam os invisíveis, até poucos meses atrás. Invisíveis? Sim, pois só mereceram olhares do poder público, a partir do momento em que o local foi eleito para receber Francisco.Mereceram até atiradores de elite estrategicamente posicionados nos telhados da favela, para a proteção do papa (FOLHA, A8, 25/7). _ “Tal descaso, Pai Amado, ficou para trás a partir do momento do anúncio de sua visita à comunidade” – afirmou Rangler Irineu dos Santos, morador que saudou Francisco. Em discurso corajoso, o jovem enfatizou que a coleta de lixo, a troca de caçambas, a varrição e outros serviços, como asfalto, iluminação, só tiveram espaço na rotina de Varginha nos últimos tempos. Em suma, preparava-se “a casa” para receber o hóspede ilustre e causar-lhe ótima impressão. Será que a sabedoria de Francisco pode ser subestimada tanto assim? A atuação daqueles que deveriam estar agarrados aos objetivos próprios de quem foi eleito pelo povo é similar à dos moribundos contritos: de repente, são instados a higienizar a alma, com temor do juízo final. É também similar à atuação da dona de casa, às vésperas de receber hóspedes, ou da mulher, à espera do amado. Preparativos listados e ticados, à medida em que são cumpridos com minúcia de detalhes. Gostaria de estar aboletada em alguma árvore de Varginha, para observar se também fabricaram jardins a jato, bem coloridos e saudáveis, para impressionar e desviar a atenção do arguto Pontífice, rodeado dos que se dizem “ invisíveis”. O pior é que a tentativa de deixar tudo “bonitinho” cobriu-se de fiascos, como o lamaçal no Campus Fidei, em Guaratiba (mais uma “obra” a ensejar investigações), obrigando a transferência, para Copacabana, dos eventos que aconteceriam ali, pane no metrô, desencontro de trajetos, “trombada” dos fiéis com o Bando das Vadias (mulheres seminuas, ostentando símbolos religiosos em partes do corpo nada convencionais) e muito mais. Será que os forasteiros voltarão para outras efemérides no Rio? Reclamações não faltaram. Segundo noticiado e exibido pela mídia, Francisco chegou à Varginha de papamóvel, mas, após orar na capela São Jerônimo Emiliani, saiu a pé, em meio à multidão. Aclamado, tocado, presenteado, distribuiu afagos, beijou pequeninos, ofereceu mimos, driblando a segurança ostensiva – homenzarrões de terno e gravata, os cães de guarda de praxe. Francisco, que parece muito à vontade e seguro em meio aos humildes, deve se sentir bem desconfortável com a barreira que insiste em manter seu rebanho à distância. Por mim, posso dizer que me senti envergonhada ante a visão dos colarinhos brancos que rodeavam o Papa, na cerimônia de entrega das chaves da cidade, poucas horas antes da ida dele à comunidade de Varginha. Será que algum deles teve vontade que um alçapão se abrisse e o levasse dali, junto com sua pequenez? Será que todos eles conseguiram, sem nenhum pejo, mirar o Papa nos olhos? Oscar Schmidt, o inesquecível ídolo do basquete, que luta contra um câncer, foi a única coisa linda que vi naquele instante: ajoelhado e contrito, recebendo a bênção papal. Em tempos em que a desconfiança campeia nos corações desesperançados, tudo o que se deseja é que a vinda do Papa Francisco seja, de fato, um marco divisório entre o Brasil de ontem e o daqui para a frente. Que os olhares não percam o foco e que não se esperem anúncios de visitas pomposas, para subir às favelas e lá brincar de casa de bonecas, fazendo de conta que ali também vive gente. Para Khalil Gibran (1883-1931), poeta e pensador libanês, “Trabalhar com amor é vínculo com os outros, com nós mesmos e com Deus.” Papa Francisco parece seguidor desse preceito, o que poderia motivar um bloco gigantesco de trabalhadores brasileiros, amorosos e comprometidos, com políticos, governantes e autoridades puxando a fila, dispostos ao ombro a ombro com o povo. M. Inês Prado Julho/13 Blog: “Rabiscos de Minês”: minesprado.blogspot.com.br