HOMENAGEM A ÁGUAS DA PRATA Entrelaçamento
Autora: Maria Inês de Araújo Prado
Com filhos ou sem eles,
casamentos rendem muitos frutos decantados em prosa e vero pelo mundo afora. Alegrias, tristezas,
mudanças, sonhos, aliados a tudo mais
pelas mãos do escritor, formam entrelaçamentos incríveis.
Por estes dias me dei conta de
que, mesmo antes de nascer, “este fruto” já estava entrelaçado à Rainha das
Águas, cenário da lua de mel de meus pais e, mais de cinquenta anos depois,
palco em que viveram as derradeiras cenas de amor ímpar.
Longe daqui, nasci, cresci,
casei, tive filhos. Logo chegou a fase de buscar um cantinho para passar as
férias; sem viagem, elas não tinham tanta graça. Aliás, o mundo virou do
avesso, mas certos hábitos se mantêm – férias, feriadão, a família tem que
viajar, não importa a que preço.
Prata, com seu ar puro,
tornou-se, então, muito especial para nós. Testemunhou os primeiros tombos de
nossos meninos a cavalo; ofereceu-lhes o encanto do bosque, com sua fonte
d’água fresquinha, seu macaquinho que
tanto os divertia. Os passeios de charrete com o seu Ventura eram uma delícia!
Verdadeiro patrimônio da cidadezinha, fico feliz em vê-lo, ainda hoje, firme no
posto, a contar suas historias e ler nossas mãos.
Ah, se as paredes do antigo Hotel
São Paulo falassem... Quanta traquinagem dos meninos por aqueles corredores! E
jamais esqueci o corre-corre de todo mundo, quando faltou água no hotel
inteiro, coincidindo com uma epidemia de diarreia...
Anos se passaram, parte da
família se mudou para o interior. Nos fins de semana, pegar o carro e dar um
pulo até Aguas da Prata era programa obrigatório. A meninada aproveitava a
valer, alimentando as pombinhas, uma festa para os olhinhos curiosos (pena que
esse momento de descontração esteja hoje proibido!), esbaldando-se no
playground do bosque, comendo uma espiga de milho bem cozida e quentinha. A
alegria da criançada restou perpetuada em muitos álbuns manuseados à exaustão e
desmembrados, à medida que a turma cresceu e cada um tomou seu rumo.
Essa mudança para o interior (São
João da Boa Vista) me proporcionou reencontro com uma pessoinha inesquecível –
Lourdes de Jesus. Nos anos 60, sua voz divina iluminara meu casamento e,
décadas depois, Lourdes, com seus olhos
sorridentes, refletindo o mar santista deixado pra trás, encantava os
pratenses. Entrelacei-me
estreitamente a ela, cuja vida daria um
belo romance. Compartilhei seus últimos dias. Lourdes amava Prata!
Por fim, meus pais, já idosos e
não tão saudáveis, venderam a chácara onde tinham vivido por quatorze anos e
fixaram moradia nesse pedacinho do céu que passou a fazer parte da minha
rotina. Decorei as curvas da estrada São João – Prata, especialmente a que nos
permite deparar com uma janela gigantesca pintada de verdes mil, onde a
igrejinha encantadora reina soberana. Essa visão é um banho de paz que não
canso de tomar.
Da casa de meus pais, curtíamos o
barulhinho gostoso do rio e o verde do morro em que a devastação,
lamentavelmente, já era realidade. Vez em quando, um comboio e o apito
tradicional invadiam a paisagem. Pena que o passeio de trem da lua de mel meus
pais não chegaram a repetir. Saudade deles!
Tudo passa. Risquei Prata do mapa
por um bom tempo. Quando muito, ia aos bailes da Velha Guarda, pois, a noite
disfarçava tudo que me evocava
recordações, algumas muito dolorosas.
Aos poucos, superei as ausências
dos meus queridos e voltei a admirar o janelão que se abre no fim da curva. O
bosque dá boa meditação, no sossego dos dias úteis... A água com bicarbonato me
cai bem. O Cristo... ah, creio que ainda me espera de braços abertos e acolhedores.
Enfim, Águas da Prata é poesia, é
magia. Quem sabe, um dia, esse namoro entre mim e ela acabe em casamento.
Entrelaçamento.
Obs. 2º lugar – Concurso Ademaro
Prézia de Literatura - 2006
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