A moça chega para faxinar minha casa,
trazendo junto a alegria de viver e trabalhar. E como trabalha! A semana dela é
cheia, corrida, suada. Troca-se, toma café, cantarola, assobia. E põe a mão na
massa. Mas, antes, num ritual divertido, pega fones de ouvido, desembaraça uns
fiozinhos marotos, engata-os no celular e explica:
_ Ponho um só, tá vendo? Assim, se a senhora me chamar, eu
escuto.
E lá vai ela, vassoura, balde na mão, a
cantarolar, sob uma FM da hora. Une o útil ao agradável e faz questão de frisar
que os problemas ela deixa em casa. O que tem solução tem, o que não tem, vai
levando...
Interessantes as lições de vida que se
colhem a cada dia, através de pessoas simples, mas sábias. Um espírito de porco
subestimaria tal sabedoria, diria que é conformismo.
O
que tenho aprendido com gente humilde daria um compêndio. Adoro o jeito de se
expressarem, pois falam com o coração aberto. Creio que a luta que enfrentam,
desde pequeninos, os deixa fortalecidos
para as batalhas mais pra frente.
Alegria, alegria. Noto que as unhas das mãos calejadas de tanto
cavar, plantar, colher, cortar, debulhar,
limpar, polir, ganharam esmalte no último
final de semana.
Como essa moça, milhões de sofridos acumulam
quilômetros rodados a pé, de bicicleta, de mototáxi ou do que calhar, para ir à escola ou ao trabalho, ou ainda
para comprar míseros gêneros
alimentícios e medicação nem sempre obtida do poder público. Pode ser que
frequentem alguma igreja ou, eventualmente, alguma diversão. Se bem que a TV,
presente em qualquer casebre, os entretém em casa mesmo.
Críticas aos Faustões da vida não faltam.
Os letrados são mestres nisso. Só que, para quem não tem alternativas outras de
lazer e, mesmo alfabetizado, não é dado à leitura nem a trabalhos manuais, o
que sobra é a televisão e sua
programação sofrível.
Embora
as políticas municipais de se levar entretenimento à periferia, falta muito
para preencher as lacunas de lazer aliado à cultura – teatro, cinema,
palestras, leitura itinerante e outras iniciativas, que proporcionem inserção literal na sociedade.
Mas, retomando a alegria, alegria, da moça
da faxina. Além do cantarolar e do assobio, ainda traz interesse por revistas
para os trabalhos escolares da criançada da família. A mãe/avó ajuda a caçar palavras, recortar figuras, enfim,
participa da vida estudantil dos pequenos, coisa que muita gente “bem” não faz.
Impossível não comparar a atitude dessa
mulher batalhadora com a de mães e pais que só conhecem os mestres dos filhos,
quando estes estão com a corda no pescoço. Caso contrário, não têm a mínima
ideia do que os filhos estudam na escola, se escrevem bem ou mal, qual o
cronograma de provas e trabalhos e, se duvidar, nem a caligrafia deles reconhecem.
Acham que já cumprem a obrigação, com a
compra do material didático, acompanhada de lamúrias por causa do preço absurdo
que lhes sacrificará as prioridades da vida superficial que levam, como academia,
cabeleireiro, manicure, butique, botox, carro do ano, restaurantes, Disney e
outras.
Alegria, alegria, a moça assobia, ao som da
FM. Ela está entre os milhões de brasileiros que amargam condições de vida
terríveis, como a violência desenfreada (há meses um irmão dela foi assassinado
por engano) e o vergonhoso atendimento do SUS e suas barbaridades, que vão
desde diagnósticos equivocados, comunicados “na lata” (ex.: câncer), até “taxa”
para expedição de cópia de prontuário. Será que ela deve depositar alguma
fé nas recentes manifestações de rua?
M. Inês Prado Jul./13
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