sexta-feira, 19 de julho de 2013

ALEGRIA, ALEGRIA

   A moça chega para faxinar minha casa, trazendo junto a alegria de viver e trabalhar. E como trabalha! A semana dela é cheia, corrida, suada. Troca-se, toma café, cantarola, assobia. E põe a mão na massa. Mas, antes, num ritual divertido, pega fones de ouvido, desembaraça uns fiozinhos marotos, engata-os no celular e explica:
   _  Ponho um só, tá vendo? Assim, se a senhora me chamar, eu escuto.
   E lá vai ela, vassoura, balde na mão, a cantarolar, sob uma FM da hora. Une o útil ao agradável e faz questão de frisar que os problemas ela deixa em casa. O que tem solução tem, o que não tem, vai levando...
   Interessantes as lições de vida que se colhem a cada dia, através de pessoas simples, mas sábias. Um espírito de porco subestimaria tal sabedoria, diria que é conformismo.
     O que tenho aprendido com gente humilde daria um compêndio. Adoro o jeito de se expressarem, pois falam com o coração aberto. Creio que a luta que enfrentam, desde pequeninos, os deixa fortalecidos  para as batalhas mais pra frente.
    Alegria, alegria.  Noto que as unhas das mãos calejadas de tanto cavar,  plantar, colher, cortar, debulhar, limpar, polir,  ganharam esmalte no último final de semana.
    Como essa moça, milhões de sofridos acumulam quilômetros rodados a pé, de bicicleta, de mototáxi ou do que calhar,  para ir à escola ou  ao trabalho,  ou  ainda para comprar  míseros gêneros alimentícios e medicação nem sempre obtida do poder público. Pode ser que frequentem alguma igreja ou, eventualmente, alguma diversão. Se bem que a TV, presente em qualquer casebre, os entretém em casa mesmo. 
    Críticas aos Faustões da vida não faltam. Os letrados são mestres nisso. Só que, para quem não tem alternativas outras de lazer e, mesmo alfabetizado, não é dado à leitura nem a trabalhos manuais, o que sobra é a  televisão e sua programação sofrível.
   Embora as políticas municipais de se levar entretenimento à periferia, falta muito para preencher as lacunas de lazer aliado à cultura – teatro, cinema, palestras, leitura itinerante e outras iniciativas, que proporcionem  inserção literal na sociedade.
   Mas, retomando a alegria, alegria, da moça da faxina. Além do cantarolar e do assobio, ainda traz interesse por revistas para os trabalhos escolares da criançada da família. A mãe/avó  ajuda a caçar palavras, recortar figuras, enfim, participa da vida estudantil dos pequenos, coisa que muita gente “bem” não faz.
   Impossível não comparar a atitude dessa mulher batalhadora com a de mães e pais que só conhecem os mestres dos filhos, quando estes estão com a corda no pescoço. Caso contrário, não têm a mínima ideia do que os filhos estudam na escola, se escrevem bem ou mal, qual o cronograma de provas e trabalhos e, se duvidar, nem a caligrafia deles reconhecem.  Acham que já cumprem a obrigação, com a compra do material didático, acompanhada de lamúrias por causa do preço absurdo que lhes sacrificará as prioridades da vida superficial que levam,  como  academia, cabeleireiro, manicure, butique, botox, carro do ano, restaurantes, Disney e outras.
    Alegria, alegria, a moça assobia, ao som da FM. Ela está entre os milhões de brasileiros que amargam condições de vida terríveis, como a violência desenfreada (há meses um irmão dela foi assassinado por engano) e o vergonhoso atendimento do SUS e suas barbaridades, que vão desde diagnósticos equivocados, comunicados “na lata” (ex.: câncer), até “taxa” para expedição de cópia de prontuário. Será que ela deve depositar alguma fé  nas recentes manifestações de rua?

M. Inês Prado    Jul./13

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