Usted no me ensiño a olvidar
Há um ano eu o ouvi pela última vez. Não, não é bem assim, porque ainda o ouço, nitidamente, nos momentos que se relacionam com você ou conosco. E eles são muitos. Sabe, por um tempão, eu mantive sua voz (como eu a amava!) na “secretária”. Assim, matava minha saudade, reprisando seus recados. Só que, num desses tantos reprises, apertei o botão errado, apagando tudo. E, acredite, foi, justamente, poucos dias antes de você imitar o condor. Teria sido ato falho meu, para me poupar de futuro masoquismo?
Hoje o domingo amanheceu ensolarado, sol frio prenunciando o inverno. Fui visitar você, levei-lhe flores amarelas. Aproveitei para limpar a placa com seu nome, suas datas (qualquer hora escreverei sobre elas) e também a moldura do seu retratinho (você e seu olhar distante). Esfreguei-as com limão, como sempre tenho feito, para reavivar o dourado. Então, joguei um pouco d’água em tudo e...
_ Ai, que friiiio! Ai, ui! – pareceu-me ouvi-lo gritar, pois era assim que você reagia, quando ligava o chuveiro e a água ainda não estava bem quente.
Chorei. E agradeci por você me fazer chorar. A gente precisa chorar, para não se afogar por dentro. (Reflexão forte, ainda que piegas. Dá pra falar de amor, sem nunca ser piegas?)
Voltei para casa em paz, mas triste. Eu queria tocar aquela música do condor; você gostava tanto dela, dizia que lhe dava vontade de sair por aí, sem rumo, longe, bem longe! Não a encontrei. Toquei outras que lembram nossos encontros e desencontros: Usted no me ensiño a olvidar, em Boleros Latinos (José Collantes), e também The Apology, interpretada por Luciano Pavarotti, em The mirror has two faces (Barbra Streisand e Jeff Bridges). Chorei mais, mas falta muito para pôr em dia este meu choro.
Sabe, quando a tristeza bate, reajo, faço, crio. Vi umas bananas nanicas já meio passadas e não tive dúvida. Fiz uma bela calda, pus canela e limão para dar aquela cor avermelhada (limão tem tanta serventia!), acrescentei as bananas picadas. Logo o cheirinho inconfundível de bananada se espalhou pela casa, enquanto eu mexia tudo com a colher de pau, até que o fundo da panela aparecesse.
Mexia e revivia nossa história, nossos hábitos. Lembra aquele lance de separar para você uma vasilhinha cheia de doce de colher, seu preferido? Aliás, nossas vasilhinhas se revezavam, pois você também me trazia coisas gostosas. Agora, bocadinhos de doce para você, só em pensamento. Se bem que, esteja onde estiver, você pode até estar provando dos meus quitutes, não?
Pois é, meu rapaz, você me falava sempre do voo do condor, grande abutre dos Andes. Você, profundo conhecedor da natureza, me ensinou muitas coisas, principalmente sobre a fauna e a flora Mas, decididamente, usted no me ensiño a olvidar .
M. Inês Prado
Junho/11
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